Das 1.024 praias brasileiras analisadas em um estudo publicado na revista Environmental Research em 24 de setembro, 69,3% estavam poluídas por microplásticos. Em média, a concentração é de 27 partículas por quilograma de areia no litoral brasileiro. Os estados com os valores médios mais elevados foram Paraná, Sergipe, São Paulo e Pernambuco
Com menos de cinco milímetros – algo como um grão de arroz –, esses fragmentos podem afetar a biodiversidade, a segurança alimentar, a saúde humana e até as atividades econômicas do ambiente marinho e costeiro.
A pesquisa faz parte do projeto MicroMar, liderado pelo Instituto Federal Goiano (IF Goiano). Segundo o artigo, o estudo é o mais extenso levantamento padronizado conduzido não só no Brasil, mas em todo o Sul Global.
Mais de 4.100 amostras de sedimentos (ao menos 3 por praia) foram coletadas de abril de 2023 a abril de 2024. O Laboratório de Toxicologia Aplicada ao Meio Ambiente do Instituto conduziu as análises.
Os cientistas consideraram todos os locais possíveis de chegar com carro e excluíram áreas privadas ou acessíveis apenas por barco, o que explica a lacuna em trechos da costa do Amapá, do Pará e do Maranhão.
O estudo também mostrou que a concentração de microplásticos é apenas parte do problema. “A principal mensagem do projeto não é só identificar onde há plástico, mas também onde estão os mais perigosos e quais áreas concentram os maiores riscos”, explicou Thiarlen Marinho da Luz, doutorando em Biotecnologia e Biodiversidade pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e primeiro autor do artigo.
Presença e risco
Para detectar os microplásticos e seus riscos, os pesquisadores seguiram algumas etapas. Primeiro, selecionaram 1.024 praias em 211 municípios de todos os 17 estados costeiros do Brasil, cobrindo aproximadamente 7,5 mil quilômetros de litoral. Depois, coletaram 4.134 amostras de areia entre 2022 e 2023, levando-as para o mesmo laboratório.
A contagem foi restrita a fragmentos com dimensões de 300 micrômetros a 5 milímetros – maiores que a espessura de dois fios de cabelo e menores que a borracha na ponta de um lápis. Os plásticos mais encontrados foram o polietileno, o polipropileno e o isopor.
Das 30 praias com maior concentração de microplásticos, oito estavam em Pontal do Paraná (PR) – entre elas Barrancos, que ficou no topo do ranking, com 3.483,4 itens por quilograma de areia. Questionada pela DW, a prefeitura informou que não conhecia o estudo. E levantou a hipótese de que esses materiais cheguem ao município, principalmente, pelas correntes marítimas.
O passo seguinte foi calcular o Índice de Perigo do Polímero (PHI, na sigla em inglês), que mediu o quão tóxico eram os microplásticos encontrados. Os estados com maiores valores neste índice foram Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Maranhão e Pará.
Para ter uma ideia de como o cálculo mudou o cenário, a praia de Barrancos, apesar de ter a maior densidade de microplásticos, caiu para a 107ª posição. Já a praia Paraíso, em Torres (RS), com poucos fragmentos encontrados comparados à realidade nacional, ficou no topo do ranking.
Mas o estudo deu outro passo: combinou a quantidade de microplásticos com o perigo dos materiais, através do cálculo do Índice de Risco Ecológico Potencial (PERI, na sigla em inglês). Os estados com os maiores valores encontrados foram Paraná, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Piauí e Maranhão.
Novamente, a praia Paraíso teve o índice mais alto. Apesar de não ter tantos microplásticos, foram encontradas amostras de materiais considerados mais tóxicos, como o PVC. A prefeitura de Torres não respondeu aos questionamentos da DW.
Risco aos banhistas?
Os microplásticos funcionam como pequenos fragmentos de poluição, explicou o professor Guilherme Malafaia, do MicroMar. “Eles podem ser ingeridos por organismos marinhos – desde o plâncton até os peixes – interferindo na nutrição, crescimento e reprodução dessas espécies. Isso gera um efeito em cascata, ou seja, se a base da cadeia alimentar sofre, todo o ecossistema fica comprometido.”
Para os seres humanos, a principal preocupação é indireta, por meio do consumo de peixes e frutos do mar contaminados. “Para os banhistas, a presença de microplásticos na areia não representa, no momento, um risco direto de intoxicação. Entretanto, é importante destacar que esses fragmentos podem atuar como ‘esponjas ambientais’, absorvendo metais pesados, pesticidas e até microrganismos patogênicos”, pontuou Malafaia.
O estudo aponta que diversas variáveis interferem na poluição por microplásticos no litoral, incluindo a influência urbana e a proximidade de portos, rodovias e refinarias de petróleo. O formato da praia também é relevante: locais mais “fechados”, com aberturas estreitas para o oceano, parecem menos sujeitos à contaminação por meio de correntes marítimas.
A presença de rios poluídos e canais de esgoto no entorno foi associada a altas concentrações de partículas nas areias de estados como Pará, Maranhão, Piauí, Sergipe, Bahia e Paraná.
Em São Paulo, as estruturas turísticas, como resorts, e a pressão da ocupação humana exercem efeitos significativos sobre a poluição, segundo a pesquisa.
Por outro lado, a presença de estruturas para descarte adequado de resíduos nas orlas coincidiu com menores concentrações de microplásticos. Causou surpresa aos cientistas a ausência de partículas em praias muito frequentadas, como a de Copacabana, no Rio de Janeiro, enquanto outros locais pouco visitados apresentaram grande carga de poluentes, sugerindo uma contaminação à distância.
“O plástico por si só é apenas a ponta do iceberg”, diz o pesquisador Thiarlen Marinho, primeiro autor do estudo. “Existem aditivos químicos altamente tóxicos e perigosos para o meio ambiente. Quando o plástico se quebra ao longo dos anos, esses compostos são liberados.”
O estudo também apontou três frentes urgentes para resolver o problema:
– conter o lixo antes de chegar ao mar (drenagem urbana e manejo de resíduos),
– reduzir a carga plástica nas bacias hidrográficas,
– e implementar metas regionais de monitoramento.
Da fonte ao mar
Apesar dos inúmeros alertas dos cientistas, o combate à poluição por plásticos e microplásticos enfrenta resistências. Em agosto, um acordo histórico no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) para resolver o problema foi bloqueado pelos países produtores de petróleo.
No Brasil, dois projetos de lei de 2022 seguem tramitando: o PL 2524, que propõe restringir plásticos de uso único e criar metas de reciclagem, e o PL 1874, que institui a Política Nacional de Economia Circular. O MMA acredita que o cenário pode mudar com a Estratégia Nacional Oceano sem Plástico (ENOP).
“Os objetivos da ENOP se ancoram no enfrentamento à poluição por plástico em todo o ciclo de vida do material, desde a extração de matérias-primas até a destinação final, para proteger recursos naturais e a biota marinha, incluindo o cuidado com cadeias alimentares e os efeitos do microplástico”, informou, em nota. Essa abordagem é chamada de “da fonte ao mar”.
Em 90 dias deve ser lançado um plano de ação baseado na estratégia, conforme o MMA. “A expectativa é que o trabalho realizado a partir desta estratégia seja um marco para engajar consumidores e mercado em alternativas mais sustentáveis ao plástico, ampliar o acesso a financiamento, debater a revisão e orientação de subsídios que agravam impactos ambientais e sociais negativos, promovendo por fim dignidade, saúde e inclusão social.”
Para Thiarlen Marinho da Luz, a sociedade está consciente do problema, mas falta ação. “As pessoas estão conscientes de que uma tartaruga pode comer uma sacola, de que o remédio pode causar dano nos peixes. Agora, se elas são sensíveis à causa, eu acredito que não.”
Fontes: DW, g1, Folha SP.
Foto: Adobe Stock.
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