Como enfrentar desastres naturais — antes que eles aconteçam

A Defesa Civil de Salvador já capacitou mais de mil cidadãos para ações de prevenção e atuação direta na redução de riscos. Esses voluntários são moradores de áreas vulneráveis a risco na capital baiana, e se tornam colaboradores da prefeitura em casos de emergência, como enchentes, deslizamentos, inundações e alagamentos. Cada voluntário pode atuar como instrutor, comunicador e mobilizador da comunidade em casos de emergência, risco de desastres e ações de socorro e resposta. Salvador é a cidade no Brasil com maior população em situação de risco, cerca de 1,2 milhão de pessoas, segundo o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais).

Em São Paulo, desde 2006 funciona uma política vinculada ao SUS (Sistema Único de Saúde) que capacitou os mais de 10 mil Agentes Comunitários de Saúde (ACS) da cidade. O tema é sustentabilidade como promoção de saúde. Cada ACS é um mobilizador junto às comunidades de sua área de abrangência, contribuindo no desenvolvimento de projetos de intervenção local, todos voltados para práticas sustentáveis e aderentes ao território, já que surgem da participação cidadã. O Programa Ambientes Verdes e Saudáveis (PAVS) já realizou parceria com a Defesa Civil, anos atrás, para a capacitação dos ACS nos mesmos moldes de Salvador, tendo como foco a construção de políticas públicas integradas aos territórios vulneráveis da cidade.

O que os dois casos nos mostram? Antes de tudo, que a Defesa Civil deve contar com as políticas públicas de território, mas que a participação da população é fundamental para ter sucesso, já que as equipes do órgão, na maioria dos casos, são bastante enxutas e não conseguem sozinhas ter a eficácia que os casos de emergência demandam, considerando sua baixa capilaridade. Em segundo lugar, é por meio de uma governança emergencial compartilhada que as cidades poderão diminuir os casos extremos em seus territórios, que tendem a aumentar a cada ano.

Casos trágicos como o do litoral norte de São Paulo, de Rio Branco (AC), Manaus (AM) e dezenas de municípios no Maranhão, além dos mais de mil municípios brasileiros mapeados pelo governo federal como impactados pela incidência de grandes volumes de chuva ou estiagens severas, mostram que precisamos avançar muito no que se refere às políticas integradas e uma governança compartilhada para se atuar frente à intempestividade. Sabemos que os episódios emergenciais são também ocasionados pelas mudanças climáticas, já anunciadas pelos cientistas há anos.

Não se trata somente de alterações climáticas, como a presença de maior ou menor volume de chuvas, mas quanto a vida das pessoas tem mudado por conta do clima. Só no episódio do Acre, cerca de 32 mil habitantes foram prejudicados e 500 pessoas tiveram de deixar suas casas para viver temporariamente em abrigos. No Maranhão, mais 31 mil pessoas foram afetadas pelas fortes chuvas, espalhadas por mais de 30 municípios do estado.

O que temos assistido é à combinação de ausências. Por um lado, a dificuldade em construir políticas integradas e de se combater a pobreza e, por outro, a dificuldade para criar planos emergenciais que tenham uma governança compartilhada entre poder público, sociedade e setor privado. Essa distância ocasiona lacunas de informação sobre o que fazer em situações extremas, principalmente entre a população mais pobre, impondo sobre elas mais uma camada de vulnerabilidade: a injustiça climática.

A ocupação de áreas de risco iminente e de zonas de preservação é resultado de uma prática de “desordenamento territorial”, mas, sobretudo, do desinteresse pelo combate às desigualdades. Ambos são frutos de prioridades políticas equivocadas e de interesses puramente econômicos, que acabam estrangulando a sociedade mais pobre para áreas remotas ou de ocupação irregular com infraestrutura defasada. O único nome possível para essa segregação é racismo climático, e o único caminho para combatê-lo é a justiça climática.

Alguns governos estaduais e municipais, além do governo federal, estão se mobilizando para a construção de suas políticas emergenciais voltadas para as mudanças climáticas, que passam a ter um papel estratégico na gestão para além dos decretos de emergência e calamidade pública, que são os mecanismos utilizados em casos de tragédia. E o que pode, afinal, ser feito para que as pessoas sofram menos impactos das mudanças climáticas? O comprometimento de nações do mundo com os acordos globais e a busca por soluções é fundamental, já que todos sofrerão em alguma medida suas consequências. Porém, planos nacionais, subnacionais e territoriais devem assumir a mesma relevância, já que, em última instância, é justamente nos municípios ou nas localidades que os planos emergenciais e a governança climática irão acontecer – e esses não devem deixar ninguém para trás.

Para além da adaptação, da mitigação e do enfrentamento às mudanças do clima, a gente deve olhar para a construção de uma política pública integrada e estratégica, com uma governança bem estabelecida e territorializada, e que conte com a ampla participação social. Contudo, que a gente torne o combate às desigualdades sociais e a pobreza uma prioridade. A pauta climática é de interesse coletivo e diz respeito a todos nós.

Fonte: Um Só Planeta.

Foto: Divulgação/Defesa Civil de São Sebastião.