Em 2021, os 26 países da União Europeia exportaram para todo o planeta um volume de quase dois milhões de toneladas de agrotóxicos, somando 14,42 bilhões de euros. Para o Mercosul seguiram mais de 6,84 mil toneladas de agrotóxicos proibidos em território europeu. No Brasil, os campeões em vendas – mancozebe, atrazina, acefato, clorotalonil e clorpirifós – também são proibidos na Europa.
No Brasil, os limites de resíduos dessas substâncias nos alimentos e na água costumam ser até milhares de vezes maiores do que aqueles permitidos na União Europeia. O tebuconazol, por exemplo, inseticida proibido na Europa, pode provocar alterações no sistema reprodutivo e malformação fetal.
Além de ser permitido no território brasileiro, o limite de resíduo tolerado de tebuconazol na água potável é 1.800 vezes maior do que o limite estabelecido na União Europeia. A substância é amplamente utilizada em alimentos como o arroz, alface, brócolis, repolho, mamão e outros.
Outro exemplo de disparidade de quantidade autorizada é o glifosato, agrotóxico mais vendido no país, considerado possivelmente cancerígeno para seres humanos pela Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, o resíduo autorizado desse herbicida na água potável é cinco mil vezes maior do que na União Europeia.
Esses dados e suas relações estão no livro Agrotóxicos e Colonialismo Químico, lançado pela editora Elefante. A obra compila dados alarmantes que nos permitem começar a compreender a gravidade do problema representado pelo uso massivo de substâncias químicas para a saúde humana e para o meio ambiente. Nele, Larissa Bombardi, pesquisadora e professora do Departamento de Geografia da USP e IRD (Institut de Recherche pour le Développement – França), relaciona a problemática como consequência direta da globalização da agricultura, da concentração fundiária e da forte atuação do agronegócio no Brasil.
Agronegócio e concentração de terras
Além de assinalar as grandes diferenças de quantidades autorizadas nos países europeus e no Brasil, a autora também mostra que a questão fundiária, marcada pela concentração de terra, afeta não só a produção de commodities, mas também o uso dos agrotóxicos no Brasil.
Apenas 1% dos proprietários rurais (aqueles que possuem áreas maiores do que mil hectares) controlam praticamente 47,6% das terras agricultáveis do país. Nestas terras, as principais commodities produzidas – soja, milho e algodão, são juntas, o destino de 80% dos agrotóxicos comercializados no país.
O uso dos agrotóxicos por unidades da federação explicita a conexão direta com a produção de commodities. Mato Grosso, Rondônia, Goiás e São Paulo são os estados com maior taxa de uso por hectare, seguidos por Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio Grande do Sul.
“Temos observado o avanço das commodities e com ela o uso indiscriminado dos agrotóxicos com a justificação da importância da balança comercial ou da segurança alimentar. No entanto, os danos são imensuráveis, para o meio ambiente e especialmente para as pessoas. É preciso questionar quem lucra com esse sistema e quem o defende”, ressalta Larissa – autora do livro.
Segundo ela, este é um setor que não para de crescer, junto com o aumento das liberações no Brasil. Só entre 2019 e 2022 o país liberou 2.182 agroquímicos. Até julho de 2023, o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) aprovou o registro de mais 231.
Questão de saúde
A cada ano, 1 milhão de pessoas em todo o mundo é intoxicada de forma involuntária por meio do contato com agrotóxicos. No Brasil, entre 2010 e 2019, o Ministério da Saúde registrou a intoxicação de 56.870 pessoas por essas substâncias. No entanto, estima-se que haja uma subnotificação na ordem de 1 para 50. Nesse período, podemos ter tido 2.843 milhões de pessoas afetadas.
Vários são os casos de populações camponesas e indígenas atingidas – propositalmente ou não – por pulverização aérea de agrotóxicos, com um total de 223 casos entre 2010 e 2019. Proporcionalmente, os indígenas são os que mais sofrem com os químicos agrícolas no Brasil.
No Brasil, as regiões centro-oeste e sul – que lideram a produção de soja e milho no país – ostentam o maior número de casos notificados de intoxicação de seres humanos por agrotóxicos por meio da pulverização aérea. Entre 2013 e 2021, mais de 160 episódios do tipo foram relatados no centro-oeste e quase 100 no sul.
“Muito além da questão de saúde, o uso crescente de agrotóxicos traz a exploração típica do capitalismo. Os processos de violência continuam ocorrendo, agora de forma sistêmica e ampla, onde os episódios de desmatamentos, incêndios, despejos, expulsões, assassinatos, dizimação de povos indígenas se sobrepõem a uma limpeza química do campo, uma varredura que afeta a natureza e favorece empresas do norte global”, afirma Larissa.
Uma vez que a produção agrícola deixou de ser sinônimo de produção de alimentos, a autora finaliza apontando a agroecologia, a agricultura indígena, camponesa e a reforma agrária como um caminho para um outro tipo de sociabilidade em que o alimento tem lugar central. Exemplifica com ações de movimentos sociais e iniciativas protagonizadas por mulheres, alguns possíveis caminhos alternativos de autonomia econômica, social, de gênero, racial e ambiental.
Comércio mundial de agrotóxicos
O mercado mundial de agrotóxicos movimenta cerca de US$ 60 bilhões por ano. Em 2020, as vendas mundiais de agrotóxicos alcançaram US$ 56 bilhões, um crescimento de 27% sobre os US$ 44 bilhões registrados em 2017.
Fontes: WWF, Ciclo Vivo.
Foto: Bárbara Cruz | Greenpeace.
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