Explorar petróleo na Foz do Amazonas escancara contradição entre a decisão política e a realidade climática

Enquanto o mundo discute formas de conter o aquecimento global, o Brasil segue ampliando suas fronteiras de exploração de petróleo e gás. Na quarta-feira (22/10), a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizou o leilão do 3º Ciclo da Oferta Permanente de Partilha (OPP), que concedeu cinco blocos de exploração no polígono do pré-sal — a maior província petrolífera do país — a empresas nacionais e estrangeiras.

O resultado, que ampliou em 50% a área exploratória sob regime de partilha, ocorreu apenas um dia após o Ibama autorizar a perfuração no bloco FZA-M-59, na Foz do Amazonas, e reforça a contradição entre o discurso climático do governo e a continuidade da expansão fóssil.

O modelo, criado em 2017, sob governo Temer, transformou o território brasileiro em um grande tabuleiro de licitações permanentes. Blocos não arrematados em leilões anteriores continuam disponíveis indefinidamente, e o resultado é uma expansão silenciosa das fronteiras fósseis, sem o mesmo nível de debate público que os megaleilões do passado.

Compromisso com modelo ultrapassado

A justificativa do governo é a de sempre: gerar receita e empregos. Mas, por trás da arrecadação imediata com os bônus de assinatura, o país renova seu compromisso com um modelo energético ultrapassado. Hoje, o Brasil é o sexto maior emissor de gases de efeito estufa do planeta, e as emissões relacionadas à exploração e queima de petróleo e gás devem, sozinhas, ultrapassar as metas de redução previstas pela Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) até 2033.

A perfuração se dará em busca de certeza de exploração fóssil em “escala econômica”. De outro lado, já se anuncia exploração que pode chegar à extração de 30 bilhões de barris de petróleo na região. Uma vez consumido, cada barril se transforma em 420 a 440 quilos de carbono. Com isso, o Brasil será responsável pela extração que gerará nada menos do que 13 bilhões de toneladas de carbono da atmosfera.

Segundo economistas da Universidade de Stanford, para que represente real mitigação dos impactos econômicos no aquecimento global, o preço da tonelada de carbono deveria custar cerca de 1.200 dólares. Então estamos falando de prejuízo econômico planetário avaliado, grosso modo (uma vez que vida e ecossistemas não são precificáveis), em aproximadamente 15 trilhões de dólares. Prejuízo à sociedade humana, especialmente aos mais vulneráveis, por meio de furacões, tempestades, secas, insegurança hídrica e alimentar, além de outros infortúnios causados pelo desequilíbrio climático.

Desde o início do pré-sal, em 2010, a produção de petróleo praticamente dobrou — passando de 856 milhões para 1,55 bilhão de barris de óleo equivalente por ano em 2024. Esse crescimento contrasta com a promessa de uma transição energética justa e coloca o país em posição de liderança entre os que mais expandem o uso de combustíveis fósseis.

Segundo o relatório The Money Trail Behind Fossil Fuel Expansion in Latin America and the Caribbean, elaborado pelo Instituto Internacional ARAYARA e pela ONG Urgewald, o Brasil responde por 45% da nova expansão de petróleo e gás em toda a América Latina, com 11 bilhões de barris de óleo equivalente previstos. O país também lidera a expansão de gasodutos — são mais de 3 mil quilômetros planejados, parte conectando o pré-sal e a Amazônia a novos polos industriais e portuários.

A 3ª OPP ocorreu em meio a um contexto ainda mais controverso: o Ibama autorizou a perfuração no bloco FZA-M-59, na Foz do Amazonas, abrindo a primeira frente de exploração de petróleo na costa amazônica. A decisão, tomada a menos de um mês da COP 30, em Belém, expõe a contradição entre o discurso climático do governo e sua prática energética.

No Amazonas, licenciamento contrário aos pareceres técnicos

O licenciamento da Petrobras — que já responde por 29% da expansão fóssil na América Latina — foi autorizado apesar de pareceres técnicos contrários de servidores do próprio Ibama, e sem a consulta prévia a comunidades pesqueiras e povos indígenas, como exige a Convenção 169 da OIT.

Trata-se de um precedente perigoso. O bloco FZA-M-59 é apenas o primeiro de dezenas que podem ser liberados na Margem Equatorial, faixa que se estende do Amapá ao Rio Grande do Norte e abriga um dos ecossistemas marinhos mais sensíveis do planeta.

A região tornou-se palco de uma disputa cada vez mais acirrada por novas áreas de exploração. No 5º ciclo da Oferta Permanente de Concessão, por exemplo, dos sete blocos disputados entre os consórcios Chevron/CNPC e Petrobras/ExxonMobil, a parceria entre China e Estados Unidos saiu vitoriosa na área do Cone do Amazonas, estimada pela EPE em 4,2 bilhões de barris de óleo equivalente.

Essa corrida por petróleo em plena costa amazônica — somada ao risco de vazamentos, à poluição sonora das sondas, à restrição da pesca e à ameaça à biodiversidade — desmonta o argumento de uma suposta “exploração responsável”.

Escolha é política, não energética

Enquanto o governo busca projetar o país como liderança climática internacional, suas decisões indicam o oposto. O Brasil segue abrindo novas áreas de exploração e fortalecendo a presença de gigantes estrangeiras como Shell, Chevron, Total, CNPC e Qatar Energy — todas aptas a participar da OPP.

A justificativa de que o pré-sal entrará em declínio após 2030 se choca com o fato de que 70% das áreas sob o regime de partilha ainda não foram exploradas, o que revela novamente mais uma escolha política do que uma necessidade energética.

Às vésperas da COP 30, a pergunta é inevitável: como o país que sediará a principal conferência do clima pode, ao mesmo tempo, abrir a exploração petrolífera no coração da Amazônia? O licenciamento na Foz e o novo leilão de blocos expõem uma mesma lógica — a de adiar a transição energética em nome de uma falsa segurança econômica.

“O Brasil tem condições para liderar os esforços globais para uma transição energética justa e, com isso, desfrutar dos ganhos que essa transformação pode produzir, mas, como tem nos mostrado os eventos extremos, o mundo tem uma janela curta para agir, de modo que não é mais aceitável que os países continuem a investir na exploração de combustíveis fósseis, sobretudo em áreas tão vulneráveis como a Margem Equatorial”, afirma o porta-voz de Transição Energética do Greenpeace Brasil, Rárisson Sampaio.

O avanço silencioso das fronteiras fósseis não é apenas uma questão ambiental: é uma decisão sobre o tipo de futuro que o Brasil escolhe. Um futuro de dependência, emissões e vulnerabilidade, ou um de inovação, justiça climática e soberania energética. O que está em jogo, mais do que barris de petróleo, é a coerência de um país que diz querer liderar o mundo rumo a um planeta sustentável.

Fontes: The Conversation, Carta Capital, Geenpeace

Foto: Greenpeace.

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