A substituição de combustíveis fósseis – incluindo petróleo, gás natural e carvão – por fontes de energia renovável como eólica e solar, e a frota de carros elétricos têm mostrado um alto crescimento nas últimas décadas.
Num momento em que os impactos das mudanças climáticas se acentuam por todas as partes do planeta, essa transição energética é urgente e essencial. Afinal, estima-se que 75% das emissões globais de gases de efeito estufa sejam provenientes do uso de combustíveis fósseis.
Impulsionando a transição energética estão os chamados metais e minerais estratégicos antes pouco explorados, entre os quais se destacam lítio e terras raras. Com o aumento da demanda por esses elementos, atividades de mineração se multiplicam por todos os cantos, inclusive no fundo dos oceanos. Se nada mudar, os impactos da mineração associada à extração desses elementos podem anular os benefícios das tecnologias limpas que eles alimentam.
O lítio é considerado essencial para a transição energética porque é matéria-prima de baterias para veículos elétricos (além de celulares e computadores) e para a cadeia de geração de energias renováveis. Cerca de 90% do lítio vêm de três países: China, Austrália e Chile.
A Bolívia conta com uma das maiores reservas mundiais de lítio, mas não tem capacidade de produção e se tornou alvo de disputas de exploração entre empresas da China e dos Estados Unidos. No Brasil, já existem projetos para a exploração no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, onde o lítio encontrado apresenta alta pureza.
As baterias de íon de lítio estão entre as melhores opções para manter a carga e fornecer energia com eficiência e é improvável que o lítio seja substituído por outro material tão cedo, o que explica a explosão na demanda por esse mineral.
Os métodos usados para extrair o lítio de rochas, salmouras e argilas mudaram pouco desde o século passado e dependem de processos mecânicos e químicos ineficientes, que consomem muita energia e água. Para a extração do lítio, os minérios rochosos aos quais ele está associado precisam ser aquecidos em temperaturas de até 1.100°C e depois mantidos em ácido a 250°C. Em seguida, passam por outras seis reações químicas que exigem mais calor, reagentes e água.
Dependendo da matéria-prima, a produção de uma tonelada de lítio utiliza 70 mil litros de água e libera entre 3 e 17 toneladas de dióxido de carbono – duas a 11 vezes mais que uma tonelada de aço. Além disso, detritos do processamento deixados em lagoas de evaporação contêm metais pesados, como arsênio, tálio e cromo, bem como urânio e tório, elementos radioativos naturais que também estão presentes em minérios de lítio.
O resultado é um elevado risco de contaminação de solos e lençóis freáticos. No Chile, o lítio é extraído de salinas por meio do bombeamento de salmoura para a superfície. O método esgotou os níveis de água numa região do Andes que já sofre com uma mega seca induzida pelas mudanças climáticas, afetando agricultores e pastores locais.
Na China, na região de Yichun, responsável por 12% da produção mundial de lítio, a mineração foi suspensa em dezembro de 2022 devido à contaminação do rio responsável pelo abastecimento de água de várias cidades. Não faltam, portanto, motivos para que toda a base da mineração e processamento de lítio seja repensada.
Embora em menor escala, os elementos químicos chamados terras raras – 17 ao todo e não tão raros assim –, tornaram-se protagonistas da transição energética. São muito utilizados na indústria de alta tecnologia porque são maleáveis e excelentes condutores de calor e eletricidade.
Além de comporem a estrutura de painéis solares e eólicas, possuem aplicações múltiplas nos objetos eletrônicos cotidianos (computadores, celulares), radares, indústria aeronáutica, robótica, de automóveis, defesa e saúde etc. Exemplos de terras raras incluem o gálio, usado nos LEDs e no flash de câmeras; o tântalo, que compõe capacitores; e o índio, que alimenta telas.
A China concentra 36% das reservas de terras raras conhecidas, sendo responsável, em 2021, por 60% da produção mundial, seguida dos Estados Unidos (15% da produção, provenientes somente de uma mina, Mountain Pass, na Califórnia), Mianmar (9%) e Austrália (8%).
O Brasil possui a segunda maior reserva mundial, segundo estimativas do Serviço Geológico Americano (USGS), distribuída sobretudo entre os estados do Amazonas e Minas Gerais, mas não há lavras de terras raras atualmente no país. No entanto, com o aumento da demanda global associada às novas tecnologias, e dos preços desses elementos, essa situação pode mudar.
A extração de terras raras também pode provocar danos ambientais. A fixação de apenas uma tonelada de terras raras pode produzir 2 mil toneladas de resíduos tóxicos. Isso porque, assim como o lítio, esses elementos em geral estão associados a outros minérios.
Na China, por exemplo, a conquista do primeiro lugar no fornecimento mundial de terras raras apresenta um custo ambiental e social bastante elevado devido à adoção de um processo de pulverização de ácido sobre as áreas de mineração a fim de separar os elementos terras raras. Em algumas regiões chinesas, a contaminação afetou fazendas e vilas, provocando problemas de saúde e paraçando milhares de pessoas a abandonarem suas terras.
Mas talvez o maior paradoxo associado à produção de energia limpa seja o uso de carvão na produção de painéis fotovoltaicos. As empresas chinesas controlam mais de 80% da cadeia global de fornecimento de painéis solares e dependem fortemente da energia do carvão. Se a China não utilizasse carvão, a energia solar não seria mais acessível agora.
De fato, nos últimos dez anos, os preços dos painéis caíram 15% ao ano, tornando os projetos de hoje ao menos três vezes mais baratos do que eram. Por essa razão, à medida que a geração de energia fotovoltaica se multiplica, também aumentam as preocupações com o impacto de sua cadeia de suprimentos.
Por fim, há ainda a questão de ciclo de vida. Os painéis solares duram cerca de 30 anos; turbinas elétricas, 20 anos; e carros elétricos, bem menos. Já o ciclo de vida das baterias de lítio pode variar de 5 a 25 anos, dependendo do tipo. Apenas 0,5% do lítio, 0,2% dos elementos terras raras e menos de 10% de painéis fotovoltaicos são reciclados.
O custo de reciclagem de um painel varia de 15 a 45 dólares, ao passo que o envio de um painel a um aterro sanitário sai por volta de um dólar. Dessa forma, não fica difícil adivinhar o destino da maior parte dos cerca de 8 milhões de toneladas de painéis que, segundo a Sociedade Química Americana, sairão de uso até 2030.
Apesar dos impactos negativos associados à transição energética, ela ainda é de longe uma melhor opção que o uso de combustíveis fósseis, ajudando a evitar efeitos ainda piores para o meio ambiente e a saúde humana.
Para se manter o aumento da temperatura global abaixo de 2°C, estima-se que seja necessário aumentar a produção dos “minerais de transição” dos 7 milhões de toneladas extraídos em 2020 para 28 milhões de toneladas por ano, de acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA). Pode parecer muito, mas não é nada comparado aos 15 bilhões de toneladas de combustíveis fósseis extraídos anualmente, no momento atual.
Assim sendo, o que não se pode perder de perspectiva é que as energias limpas, quando consideradas num contexto maior de cadeia de produção e suprimento, não são tão limpas assim. Os impulsores da geração de energia, como o vento e o sol, podem ser acessíveis ou inesgotáveis, mas os materiais necessários a essa geração não o são.
Dessa forma, melhores práticas de extração e processamento, reciclagem mais eficiente e maior foco em infraestrutura coletiva – como o fornecimento de baterias destinadas ao transporte público, em vez de foco em veículos individuais –, deveriam ser priorizados para que o enfrentamento das mudanças climáticas aconteça sem efeitos colaterais.
Fonte: Revista Galileu, TNC.
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