Uma estufa de calor extremo e prolongado aprisiona a partir desta semana as áreas mais populosas do Brasil. Sudeste, partes do Centro-Oeste, Nordeste e Norte do Paraná devem sofrer com temperaturas até 7°C acima da já elevada média, posto que fevereiro está no auge do verão. A onda de calor que os principais serviços de meteorologia preveem durar dez dias não deve ser seguida por alívio. A previsão é que o mês termine com temperaturas elevadas.
O Sul, que chegou a registrar perto dos 44ºC nos últimos dias, deve ter redução das temperaturas, mas seguirá quente.
— A previsão para os próximos 15 dias, até onde é possível prever com maior margem de acerto, é de muito calor e chuvas abaixo da média, no Sudeste e em partes do Nordeste — afirma o coordenador de operações do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), o meteorologista Marcelo Seluchi.
Deve chover mais na Amazônia e no extremo sul do Rio Grande no Sul. A chuva no Centro-Norte da Amazônia, castigado pela seca de 2023 e 2024, é a única boa notícia.
A onda de calor chama a atenção pela duração e intensidade. Esperam-se temperaturas diárias superiores a 35ºC — medidos na sombra — e sensação térmica acima de 50ºC. Nas ruas, sob o sol, a temperatura é bem maior do que a aferida pelas estações meteorológicas, que precisam estar em locais à sombra nas horas mais quentes e com sensores a pelo menos 1,5 metro do solo. Por convenção, uma onda de calor é caracterizada por temperaturas 5°C acima da média por pelo menos cinco dias seguidos.
O coordenador do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Mudanças Climáticas da USP, Tercio Ambrizzi, observa que essa é a quarta onda de calor do ano que mal começou.
O calor no Brasil está mais para bolha turbinada por uma air fryer. Temporais podem ser pontuais, como os alertados pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), mas não farão nem cosquinha na potência do sistema de alta pressão sobre o país. E as temperaturas elevadas aumentam seu potencial destrutivo, a exemplo do que tem ocorrido em São Paulo, diz Ambrizzi.
O sistema de alta pressão atmosférica, ou anticiclone, está estacionado sobre parte da América do Sul — Paraguai e Argentina também fervem. Ele esquenta o ar por compressão. Empurra e comprime o ar para baixo e faz com que esquente. Forma um escudo invisível, ou bloqueio. Trava a atmosfera. Assim, onde está quente permanece quente. Ele também seca o ar e impede a formação de nuvens. Com isso, se retroalimenta. Se não chove, segue esquentando, e porque segue esquentando, não chove.
— Bloqueios sempre existiram, mas nos últimos anos têm se tornando mais frequentes, com grande impacto para a sociedade — observa Ambrizzi.
Rios de calor
Além disso, explica Marcelo Seluchi, há o transporte de ar da Amazônia, os jatos ou famosos rios voadores, normalmente úmidos. A Amazônia já é naturalmente quente e à medida que esses rios passam pelas tórridas regiões Centro-Oeste e Sudeste, vão secando e aumentando de temperatura.
Há uma relação entre temperatura e umidade chamada temperatura potencial equivalente. Se parte da umidade é perdida, a temperatura sobe.
Assim, os rios atmosféricos ficam mais para rios de calor do que para canais de umidade. Trazem muito calor e quase nada de chuva. Como superair fryers, carregam temperaturas típicas de regiões mais quentes, como a Amazônia, para o Sudeste.
Há ainda, explica Seluchi, a radiação solar, muito elevada. O que poderia aliviar esse cenário seriam a nebulosidade e a chuva. Mas ambas estão escassas, particularmente nos estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo.
— Não é possível dizer qual o peso de cada um desses processos, mas é fato que o resultado é um calor terrível — destaca.
O que poderia realmente aliviar seria a formação de frentes frias e de uma Zona de Convergência do Atlântico Sul (um canal de umidade). Mas isso está descartado nas próximas duas semanas, segundo Seluchi.
A La Niña, que poderia trazer algum refresco para partes do país, à exceção do Sul, segue como natimorta no Pacífico Equatorial. Seu único impacto até agora tem sido negativo, ao reduzir a chuva no Rio Grande do Sul. E o Atlântico permanece excepcionalmente quente, exportando calor para a América do Sul.
A La Niña está vigente, mas muito fraca.
— Ela mais parece uma pequena ilha de água fria no meio do Pacífico quente. Naquela região a temperatura está mais baixa. Mas é só ali, em todo o resto do planeta os oceanos estão mais quentes. Estou preocupado. Não há sinal de melhora à vista — frisa Seluchi.
O esperado este ano seria uma redução da temperatura dos mares, como costuma ocorrer após um El Niño, diz Regina Rodrigues, professora de oceanografia e clima da Universidade Federal de Santa Catarina e coordenadora do grupo que estuda o Atlântico e suas ondas de calor da Organização Meteorológica Mundial (OMM).
Estima-se que os oceanos absorvam cerca de 90% do excesso de calor. Mas Rodrigues adverte que pode ser que a água superficial dos oceanos esteja tão quente que não se misture mais com as camadas frias, como seria normal. E, assim, possam estar deixando de absorver calor.
A água quente tem densidade menor que a fria e a diferença pode ter chegado a um ponto que não estejam mais se misturando. Com isso, a superfície dos mares segue quente, afetando o clima.
— Se a La Niña não se estabelecer, será muito ruim. Infelizmente, só conseguimos ver um cenário de calor — enfatiza Rodrigues.
Fontes: O Globo, UOL.
Imagem: Getty Images.