Quem está financiando a expansão dos combustíveis fósseis?

Em dezembro de 2023, quando se registrava um ano de emissões e temperaturas globais recordes impulsionadas pela queima de combustíveis fósseis, os líderes mundiais concordaram com uma “transição” para o abandono do carvão, petróleo e gás, e um acordo firmado na cúpula climática COP28, em Dubai, anunciou o “início do fim” da era dos combustíveis fósseis.

No entanto, enquanto chefes de Estado e de governo se reuniam em Baku, no Azerbaijão, para a cúpula da COP29 de 2024, trilhões de dólares estão sendo investidos no desenvolvimento de combustíveis fósseis.

Uma pesquisa do think tank Carbon Tracker mostra que, embora algumas grandes empresas de petróleo e gás estejam planejando um pico ou um declínio da produção no longo prazo, há uma tendência geral de aumento no curto prazo. O que está impulsionando essa expansão e como ela afetará o clima?

Expansão dos combustíveis fósseis é generalizada

“Em termos de produção, podemos dizer que o atual setor de petróleo e gás é o maior de todos os tempos”, afirma Nils Bartsch, chefe de pesquisa de petróleo e gás da ONG alemã de direitos humanos e ambientais Urgewald. Ele descreve a escala dos planos de expansão do setor como “verdadeiramente assustadora”.

A Agência Internacional de Energia (AIE) afirma não haver espaço para novos campos de petróleo e gás ou minas de carvão, se o mundo quiser atingir emissões líquidas zero até 2050.

No entanto, estima-se que 96% das empresas de petróleo e gás estejam explorando e desenvolvendo novas reservas em 129 países, de acordo com bancos de dados que rastreiam empresas de combustíveis fósseis, divulgados pela Urgewald.

A ONG afirma que essa expansão liberaria o equivalente a 230 bilhões de barris de petróleo e gás inexplorados, cuja produção e queima geraria 30 vezes mais do que as emissões anuais de gases de efeito estufa da UE.

O banco de dados de petróleo e gás da Urgewald rastreou atividades significativas em “países de fronteira” – como África do Sul, Namíbia, Moçambique e Papua Nova Guiné – que têm pouca ou nenhuma produção dessas matérias primas, e correm assim o risco de ficar presos a um futuro de combustíveis fósseis.

O levantamento também revela que 40% das empresas rastreadas no banco de dados estão desenvolvendo ou expandindo novas minas de carvão ou infraestruturas de apoio.

Apenas cinco países – Estados Unidos, Canadá, Austrália, Noruega e Reino Unido – são responsáveis por mais da metade da nova extração de petróleo e gás planejada até 2050. Só os EUA respondem por um terço, de acordo com a organização de pesquisa e representação de direitos Oil Change International.

O setor teve alguns anos lucrativos, de acordo com a AIE: em 2022, registrou ganhos recordes, com a receita líquida saltando de uma média de US$ 1,5 trilhão para US$ 4 trilhões, após os picos de preços da energia com a invasão da Ucrânia pela Rússia.

Desde então, as grandes empresas de petróleo e gás pagaram aos acionistas o valor sem precedentes de US$ 111 bilhões, de acordo com a análise da ONG internacional Global Witness. Os gastos anuais do setor para exploração de combustíveis fósseis aumentaram 30% desde 2021, de acordo com a Urgewald.

As somas que fluem para o setor por meio de subsídios governamentais são “astronômicas”, confirma Natalie Jones, consultora de políticas energéticas do think tank Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IISD, na sigla em inglês).

Em 2022, os subsídios globais mais do que dobraram, chegando a US$ 1,3 trilhão, enquanto os governos mundiais buscavam apoiar os consumidores e as empresas com o aumento dos preços da energia, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

A inclusão de investimentos de empresas estatais e instituições financeiras públicas aumenta esse valor para mais de US$ 1,7 trilhão, complementa o IISD. Porém os investimentos privados no setor também são “absolutamente assombrosos”, avalia Jones.

Nos últimos oito anos, os 60 maiores bancos do mundo destinaram US$ 6,9 trilhões ao setor, na forma de empréstimos e subscrição de dívidas e de seguros de ações, de acordo com pesquisa da Urgewald e outras ONGs ambientais. Isso é mais do que o governo dos EUA gastou com seus cidadãos em 2024, até agora.

Embora mais da metade desses bancos tenha reduzido o financiamento para combustíveis fósseis nos últimos anos, outros – inclusive na Europa – aumentaram seu comprometimento financeiro. “Entre os principais beneficiários estão algumas das empresas que ainda exploram novos tipos de petróleo e gás”, disse Katrin Ganswindt, chefe de pesquisa financeira da Urgewald.

Com base em sua pesquisa, a ONG estima que os investidores institucionais – incluindo entidades como fundos de pensão, fundos de hedge, fundos soberanos e seguradoras – detêm cerca de US$ 5,1 trilhões em títulos e ações de empresas de combustíveis fósseis. A grande maioria, segundo a ONG, está em empresas que desenvolvem ativamente novos recursos de combustíveis fósseis. A maior parte vai para os setores de petróleo e gás, menos de um terço para o de carvão.

As descobertas da Urgewald também sugerem que os investidores institucionais dos EUA, maior produtor mundial de petróleo e gás, são responsáveis por mais de 60% de todos os investimentos globais. Esses investimentos seriam provenientes de dinheiro público e privado, mas não há cifras precisas sobre em que proporção.

Os fluxos financeiros globais oficialmente rastreados para o setor podem ser a ponta do iceberg, observa Franziska Mager, pesquisadora chefe do grupo de defesa britânico Tax Justice Network, que combate a evasão fiscal.

Um artigo recente sobre “lavagem verde” no setor, do qual ela é coautora, afirma que a existência de práticas financeiras nebulosas – incluindo o uso de jurisdições sigilosas, um tipo de paraíso fiscal – obscurece a verdadeira escala do financiamento de combustíveis fósseis.

Em que o setor de combustíveis fósseis gasta seu dinheiro?

Apesar de a propaganda e a retórica das empresas de combustíveis fósseis sugerirem que elas investem na transição energética, na verdade elas estão reforçando ainda mais a expansão e o enriquecimento de seus acionistas, afirma Jones.

Embora o investimento global em energia limpa deva ser o dobro em 2024 do relativo a combustíveis fósseis, a AIE critica as empresas de petróleo e gás por não se envolverem no processo de transição energética.

Os gastos com energia limpa das empresas de petróleo e gás cresceram para cerca de US$ 30 bilhões em 2023, mas isso representa apenas 4% de suas despesas, de acordo com a AIE. A agência afirma ainda que, para manter-se no caminho das emissões líquidas zero até 2050, seria necessário um “imenso” reequilíbrio dos investimentos globais, afastando-os dos combustíveis fósseis.

Fonte: DW.

Foto: David Goldman/AP/picture alliance.

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