Para ambientalistas, cientistas, ativistas e gestores políticos com responsabilidades na área climática, é outra vez aquela altura do ano: a COP27 inicia no próximo domingo, 6 de novembro, na cidade egípcia de Sharm El Sheikh, um exótico complexo de resorts onde são esperadas centenas de delegados de praticamente todos os países do mundo para, durante duas semanas, tentarem chegar a acordos significativos que permitam ao planeta prevenir, mitigar e resistir aos efeitos das alterações climáticas.
Aviso prévio: não será nada fácil. A 27.ª edição da conferência das Nações Unidas para as alterações climáticas herda um legado ingrato da edição anterior, a COP26, que decorreu em Glasgow sob os auspícios do governo britânico e que foi apontada por ativistas e decisores políticos como a última oportunidade para salvar o planeta. Sobre a ultramidiática COP26 recaíam grandes expectativas: era a primeira conferência em que os signatários do Acordo de Paris deviam atualizar as suas ambições climáticas e dali deveriam sair acordos eficazes e realistas. Concentraram-se na cidade escocesa milhares de ativistas climáticos de todo o mundo e o evento foi seguido minuto a minuto pelos mídias globais. No final, porém, o Pacto do Clima de Glasgow ficou aquém das expectativas e muito do trabalho de fundo foi remetido para a edição seguinte.
Agora, em Sharm El Sheikh, e apesar de a conferência vir a ter, possivelmente, um perfil muito mais discreto, os delegados reunidos no Egito terão de tentar atar as pontas que Glasgow deixou soltas, mas num contexto marcado pelas tensões geopolíticas que afastam ainda mais países como a Rússia ou a China da mesa das negociações climáticas.
Recuemos então um ano, para um rápido sumário do que aconteceu na COP26.
O Pacto do Clima de Glasgow foi aprovado mais de 24 horas depois do prazo final, após uma intensa ronda de negociações de última hora em que os países mais dependentes da economia do petróleo paraçaram uma suavização muito significativa do texto. Ainda assim, surgiu um pequeno raio de luz: pela primeira vez, um tratado internacional assinado no âmbito da ONU menciona a necessidade de eliminar gradualmente a exploração, produção e consumo de combustíveis fósseis, bem como a produção de eletricidade a partir da queima de carvão. Porém, o texto foi de tal modo polido que, no final, não passou de uma declaração de intenções, sem prazos ou medidas concretas.
O acordo ficou também aquém das expectativas dos países menos desenvolvidos, que continuam a exigir um maior financiamento, por parte das maiores economias, dos esforços de transição energética, dos planos de adaptação aos impactos das alterações climáticas — e, de modo mais urgente, dos trabalhos para dar resposta aos efeitos que já se sentem hoje nos países mais expostos ao aquecimento global.
Concretamente no que toca a este assunto, que nos tratados internacionais é descrito com a expressão loss and damage, a COP26 ficou marcada pelos apelos desesperados dos países mais vulneráveis do mundo (sobretudo as pequenas nações insulares) perante um planeta incapaz de cumprir as metas estabelecidas já desde a COP15, em Copenhague, relativamente ao financiamento dos países mais pobres. No ano que passou desde a última COP, as graves inundações no Paquistão, que resultaram na morte de mais de 1.200 pessoas, voltaram a colocar este assunto na agenda: impõe-se um mecanismo de apoio imediato aos países mais vulneráveis, para quem os efeitos das alterações climáticas não são um medo do futuro, mas uma realidade de hoje.
Todavia, a COP26 era especial por outro motivo. O Acordo de Paris, o grande documento orientador da humanidade no que toca à luta contra as alterações climáticas, foi assinado em 2015, durante a COP21, em Paris, e previa um mecanismo de atualização das metas climáticas de todos os países signatários a cada cinco anos. Ou seja, a cada cinco edições da COP, os países que assinaram o Acordo de Paris deveriam aumentar os seus compromissos climáticos nacionais, com vista a tornar possível o grande objetivo: garantir que, até ao final deste século, o planeta não aqueça mais de 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais.
Os cinco anos cumprir-se-iam em 2020, mas a pandemia obrigou ao adiamento da COP26 deu aos países um ano extra para aumentarem as suas ambições climáticas, submetendo os novos compromissos em Glasgow em novembro de 2021. Ainda assim, foi insuficiente. À saída de Glasgow, o planeta continuava encaminhado para um aquecimento de 2,7ºC até ao final do século, uma previsão que o líder da ONU, António Guterres, classificava como “catastrófica” para o planeta. Para efeitos de comparação, o planeta está hoje 1,1ºC acima dos tais níveis pré-industriais — o que significa que a margem para cumprir as metas de Paris é curta.
Considerando que adiar para 2025 uma nova revisão das metas climáticas seria desajustado à urgência das reformas, o pacto de Glasgow determinou que até ao final de 2022 todos os signatários deveriam apresentar uma revisão dos seus objetivos climáticos — e que a COP passaria a incluir, anualmente, um fórum de alto nível destinado a debater a atualização dos compromissos climáticos de cada país. Também neste campo, as expectativas para Sharm El Sheikh estão altas, mas já parece aproximar-se uma desilusão: de acordo com um relatório do Programa das Nações Unidas para o Ambiente publicado na semana passada, apenas 24 países tinham apresentado versões atualizadas dos seus objetivos climáticos e o planeta continua encaminhado para um aquecimento entre os 2,4ºC e os 2,6ºC até ao fim do século.
E, claro, a COP27 decorrerá num contexto geopolítico delicado. Talvez se lembre que um dos grandes avanços da COP26 foi o anúncio de uma declaração conjunta entre a China e os Estados Unidos com vista à intensificação da ação climática. Juntos, aqueles dois países, que são os dois maiores poluidores do mundo, emitem para a atmosfera quase metade de todo o dióxido de carbono do planeta — e, apesar das relações diplomáticas complexas, os dois países anunciaram que pretendiam trabalhar em conjunto no aumento das energias renováveis. Este ano, porém, a visita de Nancy Pelosi à ilha de Taiwan esfriou as relações diplomáticas entre EUA e China e abriu a porta ao medo do conflito armado. Restam as dúvidas sobre se o grupo de trabalho climático resistirá a esta tensão.
Por fim, a guerra lançada pela Rússia contra a Ucrânia em fevereiro deste ano não deverá ficar de fora do debate climático no Egipto: se em Glasgow já foi difícil trazer Moscou para a mesa negocial, agora deverá ser ainda mais complicado. Putin não irá participar, embora seja esperada uma delegação russa, que não deverá assumir compromissos significativos — tal como não fez em 2021. Simultaneamente, o impacto da guerra no abastecimento de energia em toda a Europa levou vários países europeus a reabrirem centrais a carvão e, genericamente, a tensão militar e política que se abateu sobre a Europa afastou a crise climática da lista de prioridades.
Fonte: Observador.
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