O quão pouco já vimos das profundezas do mar

O ser humano conhece mais a superfície da Lua do que o fundo do mar. A frase, repetida constantemente por oceanógrafos e outros entusiastas, veio à tona mais uma vez com um estudo que traduz em números o quão pouco já vimos do oceano em profundidades superiores a 200 metros – o “mar profundo”, que cobre mais da metade do planeta. Um ínfimo total de 0,001% e que pode estar superestimado. Essa ínfima parcela de imagens está concentrada nos territórios marinhos de apenas três países: Estados Unidos, Japão e Nova Zelândia.

Nas águas do Brasil, por exemplo, foram realizados apenas 135 mergulhos em profundidade superior a 200 metros. E todos eles liderados por outros países. No caso: Estados Unidos, Japão e França.

Os dados foram divulgados em artigo publicado no periódico Science Advances, com acesso aberto, na quarta-feira (7) da semana passada.

A pesquisa é liderada pela Ocean Discovery League (“Liga pela Descoberta do Oceano”, em tradução livre), organização que tem a missão de acelerar a exploração do oceano profundo por meio do desenvolvimento de tecnologias mais baratas e replicáveis.

Para fazer a análise de exploração, a equipe, liderada por pesquisadores da Ocean Discovery League (EUA), coletou dados de cerca de 44.000 mergulhos realizados desde 1958. Os resultados indicam que, ainda que certos instrumentos, como os sonares, consigam mapear com precisão o oceano, ainda é muito difícil ter ferramentas para investigar as profundezas onde não chega a luz do Sol.

“O fato é que, quando você está lá embaixo com um veículo operado remotamente ou outro tipo de veículo de submersão profunda, você só consegue ver uma pequena parte do fundo do mar de cada vez”, disse Katherine Bell, líder da pesquisa, em comunicado.

A pesquisadora explora o fundo do oceano há cerca de 25 anos. “Mas foi só há uns quatro ou cinco anos que pensei: ‘Bem, quanto já vimos?’”, explica. “E comecei a tentar encontrar esse dado.”

A maioria das explorações marítimas ocorreram a cerca de 370 quilômetros de distância das regiões costeiras do Japão, Estados Unidos e Nova Zelândia. Conjuntamente com a França e Alemanha, os cinco países integram a liderança de expedições oceânicas. Ou seja, os cientistas não coletaram amostras do mundo todo.

Fundadora da organização, a pesquisadora Katherine Bell conversou com ((O))Eco junto com Susan Polton, que também assina o artigo e integra a Ocean Discovery League. Elas explicam que o estudo se baseou em duas metodologias distintas para calcular quanto do fundo do mar em áreas profundas já foi observado visualmente por humanos e as duas contas chegaram ao mesmo valor de apenas 0,001% em quase setenta anos. A área corresponde a cerca de 4 mil km², uma extensão menor que o Distrito Federal, por exemplo.

O motivo, segundo as autoras, são os altos custos e a tecnologia ainda inacessível. “Capturar imagens do fundo do mar é muito caro, muito lento e está disponível apenas para alguns países e pesquisadores que utilizam os métodos atuais, que incluem embarcações e veículos caros e difíceis de operar”, contam Katy e Susan.

Para fazer a análise, foram contabilizados quase 44 mil mergulhos em águas profundas ao redor do mundo conduzidas por 14 países nas últimas sete décadas. A grande maioria nas mãos dos EUA, Japão e Nova Zelândia, que junto com Alemanha e França são responsáveis por 97,2% dos mergulhos já feitos.

O mar profundo cobre cerca de 66% da superfície do planeta. De acordo com o estudo, mesmo se houvesse mil plataformas pelo mundo fazendo esse mapeamento, levaria mais de 100 mil anos no ritmo atual para visualizar todo solo oceânico profundo.

“Dependemos do oceano profundo para obter oxigênio, habitats para peixes e outros animais, regulação climática e novos medicamentos, mas apenas 0,001% foi observado”, resumem as pesquisadoras.

Katy e Susan acreditam que, na medida em que a tecnologia avançar e as ferramentas se tornarem mais acessíveis e funcionais, haverá uma um salto global na produção de dados sobre o mar profundo. “Precisamos expandir o acesso por meio de tecnologias de menor custo e mais fáceis de usar, e de treinamento para mais pessoas ao redor do mundo”, pontuam.

Para ajudar nesse salto – ou talvez, nesse mergulho mais profundo – na produção de dados e imagens sobre o solo oceânico, a Ocean Discovery League irá lançar nos próximos meses uma lista dos locais prioritários para pesquisas.

“Além de acelerar a coleta de dados visuais, a comunidade de mares profundos precisa identificar um conjunto específico de locais que, quando explorados, preencherão as lacunas e criarão a primeira caracterização não tendenciosa e estatisticamente representativa de todo o fundo do mar profundo”, compartilham as pesquisadores.

“Mas, dado o quão pouco vimos, não podemos realmente fornecer um mapa global de todos os habitats do fundo do mar, porque simplesmente não visitamos todos eles”, explica.

Na década de 1970, cientistas encontraram micróbios vivendo em fontes hidrotermais, que não dependiam do sol e nem da fotossíntese. Os microrganismos obtiam energia através de reações químicas. “Isso foi completamente revolucionário e reescreveu completamente todos os livros de ciências”, conta Bell.

A falta de dados também exige cautela, alerta o estudo. Enquanto as mudanças climáticas já estão afetando o oceano mesmo em suas áreas mais profundas, outros impactos como a mineração em mar profundo, que o governo Trump quer liberar e a estocagem de carbono da atmosfera no oceano necessitam precaução na ausência de dados científicos adequados.

Fontes: ((O))Eco, Um Só Planeta.

Foto: NOAA Ocean Exploration.