O governo de Donald Trump se aliou a autoridades de Arábia Saudita, Rússia e Irã em um esforço bem-sucedido para bloquear parte de um relatório das Nações Unidas sobre o estado crítico do planeta, porque o texto pedia a eliminação gradual dos combustíveis fósseis, a mudança para energia limpa e a redução de plásticos, segundo dois participantes.
A seção visada era um resumo do Panorama Ambiental Global 7, relatório de 1.210 páginas que traduz evidências científicas coletadas e revisadas por 300 especialistas em linguagem simples, que pode ser usada por governos ao redor do mundo. Ele foi divulgado na segunda-feira da semana passada (8) durante a Assembleia Ambiental da ONU em Nairóbi.
Foi a primeira vez que os países não conseguiram emitir um “resumo para formuladores de políticas” desde que o Programa Ambiental da ONU começou a publicar relatórios de perspectivas, em 1997.
Durante as negociações sobre o documento em outubro, os EUA se alinharam com Rússia, Arábia Saudita e Irã para impedir que o resumo fosse incluído, de acordo com David Broadstock, sócio do Grupo Lantau, empresa de consultoria em energia e meio ambiente com escritórios em toda a região Ásia-Pacífico, e Patrick Schröder, pesquisador sênior da Chatham House, organização de pesquisa com sede em Londres.
A medida foi mais uma indicação de como a administração Trump reverteu drasticamente o curso em relação ao meio ambiente. Sob a administração de Joe Biden, os Estados Unidos haviam feito do combate às mudanças climáticas uma prioridade máxima e frequentemente entravam em conflito com países produtores de petróleo, como a Arábia Saudita, sobre suas abordagens ao aquecimento global.
Alguns autores do estudo culpam autoridades dos EUA por minar o processo ao manifestarem oposição no último minuto.
A administração Trump não enviou uma delegação à reunião de outubro em Nairóbi, onde o relatório foi elaborado, mas influenciou o resultado final, segundo Broadstock, que foi autor coordenador de 2 dos 21 capítulos do relatório e negociador nas discussões do resumo para formuladores de políticas.
“A não participação não significa falta de influência”, disse ele. “Significa exercer influência de uma certa maneira.”
O Departamento de Estado dos EUA não respondeu a um pedido de comentário.
É o mais recente passo da administração Trump para minar a política climática global. Logo após retornar ao cargo, o presidente Donald Trump assinou uma ordem executiva para retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris, o pacto de 2015 no qual quase todos os países concordaram em reduzir as emissões de gases de efeito estufa para limitar o aquecimento global.
A administração foi acusada de usar táticas de intimidação para bloquear a adoção de uma medida global histórica, em outubro, que teria imposto um imposto global sobre poluição à indústria de navegação. E os Estados Unidos não enviaram uma delegação à cúpula climática COP30, em novembro.
Os governos usam o resumo para formuladores de políticas para ajudar a orientar políticas energéticas e ambientais, disse Broadstock. O relatório da ONU compilou ciência existente sobre os efeitos nocivos das mudanças climáticas, poluição do ar e da água, degradação do solo, biodiversidade e a crescente ameaça dos resíduos plásticos.
Em outubro, durante as negociações finais sobre o relatório, um funcionário do Departamento de Estado dos EUA participou de uma videoconferência com uma sala cheia de negociadores em Nairóbi, de acordo com relatos de dois participantes.
O funcionário disse que os EUA se opunham à linguagem final sobre mudanças climáticas, sobre a necessidade de mudar para energia limpa, sobre biodiversidade e sobre o uso de plásticos, segundo Schröder, que ajudou a negociar a linguagem do relatório e estava presente quando o representante dos EUA ligou.
“Parecia um tapa na cara, porque a pessoa nem sequer ligou a câmera”, disse Schröder.
O relatório da ONU é resultado de três anos de trabalho e aponta que a transição para a energia limpa e um ambiente mais limpo traria benefícios econômicos globais que poderiam atingir US$ 20 trilhões por ano até 2070.
“Os combustíveis fósseis devem acabar”, disse Edgar E. Gutiérrez-Espeleta, co-presidente do relatório de perspectivas e ex-ministro do meio ambiente da Costa Rica, em uma ligação com repórteres antes do relatório ser divulgado.
“Temos que explorar mais fontes renováveis e precisamos que a comunidade científica explore mais novos materiais que nos ajudariam a substituir aqueles que estamos usando neste momento”, disse ele.
Após as objeções do funcionário dos EUA, bem como algumas de Arábia Saudita, Irã, Rússia e outras nações produtoras de petróleo e gás, a linguagem do resumo para formuladores de políticas foi completamente abandonada em vez de renegociada.
Nas últimas duas décadas, os Estados Unidos atuaram como uma espécie de árbitro em numerosos acordos globais.
Ao se recusar a participar das negociações e depois bloquear a linguagem final, a administração Trump está minando todo o processo, o que é um mau presságio para futuros acordos ambientais internacionais, segundo Schröder.
Os Estados Unidos e outros países produtores de petróleo “pegaram suas linhas vermelhas políticas e então marcaram o texto de que não gostavam”, disse ele. “Embora fosse cientificamente correto, eles simplesmente queriam que isso fosse removido.”
Fonte: Folha SP, New York Times.
Foto: Monicah Mwangi – 08.12.25/Reuters.


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