À primeira vista, é um animal que não causa medo, de aparência simpática, para não dizer bonitinha. Mas após quase três décadas de colonização silenciosa nos mares do Atlântico Norte e, agora, no Atlântico Sul, nenhum pesquisador ignora o oportunismo – e perigo – do invasor peixe-leão, um animal asiático que tem se espalhado pelas Américas desde os anos 90. Por isso, a notícia de que um espécime foi encontrado em Atol das Rocas, um santuário da biodiversidade marinha brasileira, acendeu o alerta vermelho.
Desde 2014 o peixe-leão está em águas brasileiras. Atualmente ele é encontrado em oito estados e também em Fernando de Noronha. Quase vizinha do arquipélago, Atol das Rocas é uma Reserva Biológica localizada no meio do Oceano Atlântico. Abrigando uma ampla diversidade de vida marinha, como aves, polvos, tubarões, tartarugas, peixes, lagostas e recifes de coral, o Atol das Rocas é um importante local de descanso, reprodução e moradia para diversas espécies.
Há duas semanas, um indivíduo de peixe-leão foi avistado na piscina das Garoupinhas, entre 1 e 2 metros de profundidade. O registro e captura do peixe-leão, feito no dia 30 de abril, foi realizado por Zaira Matheus, bióloga, mergulhadora e cinegrafista subaquática, que trabalha no monitoramento subaquático da Reserva.
“Mergulhava na piscina da Garoupinhas, que é relativamente rasa e tinha suspensão da água. Desde as capturas de peixe-leão em Fernando de Noronha e essa invasão pelo Brasil, monitoramos [o peixe] com muita atenção. Fui filmar dentro de uma caverninha e quando olhei para cima, através do visor da câmera, vimos o peixe-leão. Imediatamente pegamos o equipamento de captura, consegui arpoá-lo rapidamente e assim conseguimos eliminar esse peixe-leão dessa piscina”, explica Zaíra.
Posteriormente, seguiram-se ações de monitoramento intenso nas piscinas da Rebio, começando pelas adjacentes à Garoupinhas, na qual a espécie foi capturada. Até agora não foi encontrado outro peixe-leão. Mas a atenção – e a tensão –, é constante.
De acordo com Maurizelia de Brito Silva, gestora da unidade, o estado de alerta e monitoramento da Rebio vem sendo intensificado desde 2019, com a chegada do peixe-leão em Fernando de Noronha, que está a 145 km do Atol das Rocas.
“Esse monitoramento é parte da rotina da Unidade, mas com a ocorrência do peixe-leão em Fernando de Noronha, aumentamos a frequência nas piscinas abertas e fechadas, nas barretas e algumas ações na parte externa do Atol. O oceano é muito grande e erradicar a espécie se torna impossível. Mas buscar meios para minimizar os impactos ainda é possível”, disse.
Buscando avançar em soluções e perspectivas diferentes, dada as características peculiares do Atol, como isolamento geográfico e baixa presença humana, outras iniciativas pelo mundo começam a ser observadas. Principalmente de ambientes que sejam parecidos com a Rebio.
“Nesses últimos dias temos alinhado parcerias com áreas semelhantes ao nível de proteção da Rebio Atol das Rocas para que possam compartilhar as ações efetivas no monitoramento e controle. Uma delas é a NOAA [Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos] que já tem um programa estabelecido e estamos em conversas para que possamos buscar essa expertise deles e aplicar na Reserva. A Agência já trabalha em áreas semelhantes ao Atol das Rocas na questão de proteção e de baixo impacto humano”.
Próximos passos
As atividades de pesquisas no Atol das Rocas ficarão suspensas pelos próximos dois meses. Apenas uma equipe, que já estava no planejamento para chegar em maio na Rebio, está mantida, pois farão o monitoramento dentro das piscinas, com o apoio de uma pessoa da própria unidade de conservação.
O trabalho contará com câmeras de monitoramento e mergulhos intensos, dentro do anel do Atol das Rocas e agora também pelo lado externo.
“O monitoramento dentro do anel é fundamental e nas piscinas de dentro do anel, elas vão ser sempre visitadas. Caso ocorra um eventual encontro do peixe-leão, ele vai ser capturado. E também vamos começar na próxima expedição a fazer mergulho no entorno do anel, pela sua parte externa, para ver se porventura existe essa presença do peixe”, explica a mergulhadora Zaira Matheus.
O único indivíduo capturado até agora será estudado para obter informações importantes sobre a distribuição rápida desta espécie invasora no país, não só em áreas costeiras, mas também nas ilhas oceânicas.
A diretora do Departamento do Oceano e Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ana Paula Prates, reforça que já era esperado que essa ameaça chegasse, pois se trata de uma espécie invasora muito agressiva. “Mas como a Atol tem um monitoramento muito intensificado, foi registrado um primeiro indivíduo apenas agora. Isso nos levanta um alerta para que se continue esse trabalho de monitoramento. O Instituto Chico Mendes (ICMBio) tem também um programa de combate a espécies exóticas e invasoras em Unidades de Conservação. Foi criada uma coordenação geral para isso. E está todo mundo em alerta”, diz.
Durante a pandemia de COVID-19, onde as atividades presenciais foram suspensas nas Unidades de Conservação e Centros de Pesquisa do ICMBio/MMA, a equipe da Rebio Atol das Rocas continuou o monitoramento devido ao risco de retorno da pesca ilegal e depredação do patrimônio público, colocando em risco as atividades de proteção, monitoramento ambiental e estudos científicos que vem sendo desenvolvidas de forma ininterrupta desde 1991.
Em outubro de 2021, através do projeto de Monitoramento dos Recifes Mesofóticos da REBIO Atol das Rocas, houve monitoramento com câmeras e a presença do invasor não foi registrada. O programa, coordenado pela UFPE através dos professores Mauro Maida e Mirella Costa, é financiado pela WWF-Brasil.
“O Atol, por ser tão resistente e resiliente, talvez faça que esse animal não resista à sua própria paraça. Mas para isso precisamos ter conhecimento. E isso só vai ser através de um monitoramento sistemático e contínuo, que é o que temos feito desde o início da pandemia.”, explica Maurizelia de Brito e Silva.
“Sem dúvida o Atol das Rocas tem muitos fatores favoráveis para resistir aos possíveis impactos: ambiente equilibrado com abundância de predadores, competição nativa e uma gestão ambiental ativa e presente.”, diz a pesquisadora Beatrice Padovani.
A experiente mergulhadora Zaira Matheus, que há décadas pesquisa no Atol, também observa o caso com cautela e esperança. “Temos um ambiente bem equilibrado com predadores de topo de cadeia. Então existe uma esperança desses predadores, quem sabe, colocarem na sua alimentação o peixe-leão. Como já conhecido no seu lugar de origem, onde é predado pelas garoupas. Acredito que talvez isso possa oferecer uma certa resistência no estabelecimento (do peixe-leão). Isso eu diria que é uma esperança”.
Os próximos dois meses serão cruciais para essas respostas.
Fonte: ((O))Eco.
Foto: João Marcos Rosa/Mulheres na Conservação.