A cidade da Espanha que usa técnica de 3 mil anos para baixar temperaturas no calor

Imagine precisar suportar temperaturas acima de 40 °C por 21 dias seguidos.

Foi o que viveram este ano os moradores de Sevilha, na Espanha. E, frente ao impacto das mudanças climáticas, a cidade não teve alternativa senão inovar.

O exemplo mais recente desse processo de transformação é o chamado projeto Cartuja Qanat. Esta iniciativa acaba de ser inaugurada em uma zona de Sevilha chamada ilha de Cartuja, onde os espaços públicos foram climatizados com técnicas que já eram usadas pelos persas 3 mil anos atrás.

As soluções de Cartuja Qanat já começam a ser reproduzidas em outros locais da cidade. E o projeto ainda mostra, segundo seus responsáveis, o caminho a seguir para outras cidades do mundo pressionadas pelos impactos contundentes das mudanças climáticas.

Calor sem precedentes

“O clima de Sevilha sempre foi difícil, mas está ficando cada vez mais complicado com as mudanças climáticas”, segundo Lucas Perea, principal responsável pelo projeto e chefe do Departamento de Cooperação e Fundos da Emasesa, a empresa pública de água de Sevilha.

É cada vez mais urgente procurar adaptar-se às mudanças climáticas. Um relatório da Organização Meteorológica Mundial publicado em 2 de novembro destacou que, nos últimos 30 anos, as temperaturas na Europa aumentaram mais do que o dobro do aumento médio global.

“Em nenhum outro continente as temperaturas subiram de forma tão significativa”, afirma o relatório.

“As pessoas saem à noite. Nos meses quentes, é como se Sevilha durante o dia fosse uma zona desértica”, afirma Sánchez Ramos.

O projeto adapta tecnologias usadas há milhares de anos, não só pelos persas, mas também por vários países árabes.

Quais são as técnicas milenares?

“Se nos aprofundarmos, todas as soluções apresentadas já foram trabalhadas no passado, em nível ancestral”, afirma Sánchez Ramos.

Uma dessas técnicas é a dos chamados “qanats”, que são grandes canais ou aquedutos subterrâneos que transportam água ao longo de centenas de quilômetros até as cidades. Em contato com o terreno frio, a água permanece fresca e traz ainda outra grande vantagem.

“O ar percorre os qanats e, por estar em um ambiente onde existe água fria e o terreno é frio, ele se resfria. Quando o ar volta a sair, ele está mais fresco”, explica Sánchez Ramos.

Além dos qanats, outra técnica milenar usada no projeto é a dos “captadores de vento”, que são usados até hoje.

A cidade de Yazd, no Irã, é famosa pelos seus captadores de ar, também conhecidos como torres de vento. Em 2017, ela foi declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco.

As torres têm aberturas que permitem a entrada de ar para ventilar as construções. O ar mais fresco desce até a parte inferior, por ser mais denso, e expulsa o ar mais quente por outra abertura.

Em muitos casos, o ar seco e quente que entra pelas torres passa por qanats subterrâneos ou por outras superfícies com água, voltando a sair, mais úmido e frio, por outra abertura.

“Nós recolhemos o ar de Sevilha a 40 °C, fazemos passar por esses condutores e o ar é resfriado”, afirma Sánchez Ramos.

Então a solução é resfriar a água dos qanats. Como se faz isso?

“Temos painéis fotovoltaicos para produzir eletricidade e, à noite, descartamos a água do qanat por cima da placa fotovoltaica, como uma cascata, para que a água seja resfriada”, explica Sánchez Ramos.

Três espaços públicos

‘À noite, nós descartamos a água do qanat por cima da placa fotovoltaica, como uma cascata, para que a água seja resfriada por irradiação com o céu’, explica José Sánchez Ramos.

Essa tecnologia é usada para climatizar três espaços principais, reduzindo sua temperatura em 10 a 15 °C.

Um desses espaços é o Zoco, uma construção semienterrada com cerca de 800 metros quadrados. No seu teto, estão as placas fotovoltaicas utilizadas para resfriar a água dos qanats.

Outro espaço é um anfiteatro construído originalmente para a Expo 92 de Sevilha, que ocorreu na ilha de Cartuja. “Nós impulsionamos o ar frio pela parte de baixo. É um espaço destinado, por exemplo, a aulas ou conferências”, afirma ele.

O terceiro espaço é a “ilha temperada”. Lucas Perea explica que se trata de “um corredor com bancos, onde estão sendo testadas cerâmicas e outros materiais em desenvolvimento”.

Esta expressão pode não ser familiar, mas é um fenômeno muito comum que explica por que suamos quando nosso corpo fica excessivamente quente ou por que as tradicionais moringas de argila mantêm a água fresca.

A evaporação consome energia. Por isso, a energia (temperatura) da água que permanece líquida é reduzida.

No caso do recipiente de argila com paredes porosas, a evaporação faz com que “a água que evapora retire calor do resto da água que fica dentro da vasilha”, explica Sánchez Ramos.

Uma parte do projeto pretende climatizar um ponto de ônibus fazendo circular água fria pelo teto. A ideia é que, “quando uma pessoa chegar a esse ponto de ônibus, ele sirva como um abraço refrescante, acolhendo-a com uma superfície fria que permita ficar ali por 20 ou 30 minutos de forma magnífica”, afirma Sánchez Ramos.

Está previsto também o resfriamento do pátio de um colégio público. “Em mais de uma ocasião, a ambulância precisou intervir nos colégios de Sevilha para levar crianças que sofreram choques de calor”, segundo o engenheiro.

Sánchez Ramos e seus colegas dedicaram três anos de experimentos para testar os sistemas de resfriamento antes da sua construção. Eles publicaram diversos artigos científicos.

“A universidade organizou um catálogo de soluções, ferramentas e todo o necessário para que, se um interessado quiser realizar uma intervenção em um espaço da sua cidade, do seu país, o trabalho duro já esteja feito”, segundo ele.

Fonte: BBC News.

Foto: Divulgação.