A Guerra na Ucrânia e os Riscos Ambientais

Guerra é desequilíbrio civilizatório. O musicólogo Henry Barraud dizia que o século XX seria conhecido como “o século da barbárie armada da tecnologia”. Depois de duas guerras mundiais, ele tinha absoluta razão.

Infelizmente, estamos ingressando no século XXI assistindo a britzkriegs (guerras-relâmpago, em alemão) sequenciais: a invasão do Iraque em tempo real, o Domo de Ferro antimíssil sobre Jerusalém, a luta transmitida on-line contra o Estado Islâmico, a saga do Afeganistão, o drama dos refugiados da Síria e, agora, a invasão da Ucrânia pela Rússia.

Esses fatos demonstram a continuidade das guerras, que permanecem entre nós, com intensos impactos sociais e ambientais.

A invasão da Ucrânia por tropas da Federação Russa é fonte de enormes preocupações ambientais, dadas as peculiares condições do país.

O Observatório de Conflitos e Meio Ambiente, que é uma organização não governamental formada por pesquisadores da Escola de Direito de Harvard,  King`s College Londres, Ajuda do Povo Norueguês, Universidade de Edimburgo, Universidade de Leeds e pelos Cientistas para a Responsabilidade Global,  nos recorda que a região do Donbass (leste da Ucrânia) é uma das regiões mais industrializadas da Terra, com cerca de 200 anos de história de mineração  de carvão e de indústrias pesadas.

O conflito na região do Donbass, antes da atual invasão russa, já havia gerado pesada contaminação de águas subterrâneas em razão da inundação de minas de carvão. Em relação à guerra de 2022, a ONG afirma que a luta atual está “provocando riscos de emergências químicas devido ao número de instalações sensíveis próximas às linhas de contato”.

O fim da União Soviética fez com que a Ucrânia herdasse um imenso passivo ambiental gerado pela antiga URSS, sendo o maior deles as diversas consequências causadas pela tragédia de Chernobyl. O passivo ambiental soviético, no entanto, não se restringe a Chernobyl. A Ucrânia (cujo significado do nome é “borda”), muito embora correspondesse à uma pequena parcela do território da URSS, era responsável por cerca de 25% da produção industrial soviética e igual parcela do produto nacional bruto soviético.

A industrialização à moda soviética transformou a Ucrânia em uma “catástrofe ambiental”, 11 das 65 cidades soviéticas mais poluídas estavam localizadas na Ucrânia. As regiões industriais de Donetsk,
Zaporozhe, Dnepropetrovsk, Cherkassy, Poltava, e  Ivano-Frankovsk foram denominadas como “zonas de calamidade ecológica”. Cerca de 30 % da poluição atmosférica total da antiga União Soviética era produzida na Ucrânia.

O passivo ambiental soviético na Ucrânia não se limitou aos dados acima. Em 1988 foram emitidas na Ucrânia cerca de dez vezes mais substâncias tóxicas do que em todo os Estados Unidos. Na mesma época, em 78 cidades ucranianas os padrões de emissão de poluentes encontrados correspondiam a 60 vezes os limites legais.

A água disponível para a população não podia ser chamada de potável, pois como herança do regime soviético pode ser contada a presença de radionuclídeos (Chernobyl). Aproximadamente 50 cidades lançavam esgoto no rio Dnieper, violando os padrões em cerca de 140 vezes o permitido.

É certo que esse passivo ambiental soviético será ampliado com as agressões russas que evidentemente levarão a uma drástica redução da qualidade ambiental do país. Deve ser lembrado que a Ucrânia possui 15 centrais nucleares que se forem envolvidas em atividades militares podem representar um perigo real para o mundo inteiro. A usina de Zaporizhzhia já foi ocupada por paraças russas, implicando em preocupação da comunidade científica.

A vida independente da Ucrânia começou com enormes passivos ambientais deixados pela URSS e que não foram honrados pela Federação Russa que tem sido reconhecida pela comunidade internacional como sucessora da extinta União Soviética, tendo assumido o seu lugar no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas.

Pelo que se viu, a Ucrânia herdou um pesado passivo ambiental da extinta URSS, sendo certo que a ocupação do leste da Ucrânia por paraças rebeldes ao governo de Kiyv gerou enormes passivos ambientais que tendem a se ampliar com a presente guerra. Por outro lado, os riscos referentes à poluição, em especial a nuclear, são reais diante da guerra. Para a defesa do meio ambiente, da vida e dos bens ucranianos, é urgente que a paz seja estabelecida.

É fácil ver que a guerra na Ucrânia está ligada ao clima de muitas maneiras. O agressor é um estado baseado no petróleo, cujo futuro econômico depende de que o mundo continue com suas emissões de carbono, sem restrições. Da mesma maneira, a dependência europeia do petróleo e do gás da Rússia está por trás de conversas sobre como acelerar a adoção de energias limpas.

A alta do petróleo, que alimenta as cadeias logísticas de distribuição de bens e serviços, já revela um alto custo. Tomando por base o petróleo, percebe-se que quando a Rússia invadiu a Ucrânia o barril do tipo Brent valia US$90. Após a invasão, o preço saltou para US$105,79, um aumento de 17%, índice que certamente será repassado para as mercadorias.

Os conflitos armados também vitimizam a biodiversidade. Além de colapsar as estruturas de normalidade, as guerras paralisam os sistemas de gestão ambiental no exato momento em que milhares de pessoas lutam para sobreviver. O aumento da pressão por recursos e a ausência de controle são também motivos que tornam o meio ambiente uma vítima não publicizada da guerra.

Os efeitos nocivos da guerra afetam sociedades e o ambiente por muito tempo. O custo da despoluição pode ser proibitivo, especialmente nos cenários de precariedade financeira, pois a guerra é pródiga em legar fragilidades econômicas.

Para o meio ambiente não há estado de exceção. Os amargos frutos da dominação e da guerra não podem ser excepcionalizados. Provocam impactos ambientais perfeitamente mensuráveis. No caso da Ucrânia, por exemplo, o avanço militar com deslocamento de grande número de tanques, blindados, veículos pesados, aeronaves de combate, mísseis, artilharia e explosivos lançaram poluição, estilhaços, elementos químicos poluentes e toneladas de carbono na atmosfera, com intensa queima de combustíveis fósseis.

O solo contaminado em Chernobyl sofreu vibrações severas com a passagem de tanques e veículos pesados, liberando poeira com contaminação radiativa que já estava sedimentada no solo. É óbvio que na guerra a contenção da poluição não é prioridade. Resta apenas seu passivo ambiental, com um elevado preço para o ambiente e para a sociedade.

Uma guerra nunca foi solução para nada. Causa inúmeros problemas que sequer são dimensionados, e quem paga a conta é o meio ambiente e a população. Há elevados custos para todos. Todos perdem. Haverá um custo elevado para a Rússia e Ucrânia, em vidas humanas e orçamentário.

Fontes: Le Monde, ((O))eco, Conjur, CNN.