Acordo de Paris salvou planeta de aquecimento ainda maior, dizem especialistas

Entraves em negociações, produção intensiva de combustíveis fósseis, recordes de calor. Em meio a tantas notícias preocupantes sobre o estado das mudanças climáticas e da insuficiência das ações para contê-las, pode até parecer que nenhum progresso foi feito nos últimos anos. Porém, as coisas poderiam ser bem piores não fosse o Acordo de Paris, aprovado em 12 de dezembro de 2015, dez anos atrás.

Especialistas ouvidos pela Folha dizem que o desenvolvimento robusto de energias renováveis e carros elétricos e o desinvestimento em fontes muito poluentes, como o carvão, só foram possíveis devido ao pacto global — o que evitou um aquecimento ainda maior do planeta.

O tratado tem como objetivo fazer com que o aumento da temperatura média do planeta em relação ao período pré-industrial (19850-1900) fique “bem abaixo” de 2°C, preferencialmente não ultrapassando 1,5°C. O texto foi ratificado por mais de 190 países na COP21, a conferência climática das Nações Unidas, realizada na capital francesa.

O momento foi histórico: pela primeira vez, um acordo obrigou todos os países signatários da convenção do clima (de 1992) a adotar medidas de combate ao aquecimento global.

À época, a previsão era de que, se nada fosse feito para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, o planeta chegaria a uma média de aquecimento de 4,3°C até o final do século, com efeitos devastadores em termos de eventos climáticos extremos, do aumento do nível do mar e do colapso de sistemas ambientais.

“Nesse meio tempo, políticas e metas foram implementadas [devido ao acordo], de modo que, quando esses cálculos são refeitos, a previsão é de 2,7°C a 3,1°C. Portanto, houve uma melhoria. Mas esse ainda é um nível de aquecimento catastrófico”, diz o físico Bill Hare, professor da Universidade Murdoch, na Austrália, e fundador do Instituto de Ciência e Política Climáticas Climate Analytics.

“Se não tivéssemos o acordo, hoje as emissões estariam em níveis mais altos, mas provavelmente a mudança mais importante é que teríamos uma permanência muito mais longeva de sistemas de energia intensivos em carbono. Não acredito que teríamos, por exemplo, a rápida eliminação do carvão que temos visto”, opina Hare.

Ainda assim, o quadro preocupa. Segundo dados divulgados nesta semana, é provável que a média de temperatura da Terra de 2023 a 2025 ultrapasse 1,5°C de aquecimento em relação ao período anterior à Revolução Industrial. Se isso para confirmado, será a primeira vez em que o limite preferencial do tratado será rompido em observações de três anos.

Para David Waskow, diretor de Ação Climática Internacional da organização WRI (World Resources Institute), houve um progresso substancial. Ele compara o avanço com a escalada de uma montanha: no meio do caminho, é possível olhar para baixo e ver um belo cenário e o que já foi superado. Mas, virando para o outro lado, percebe-se que ainda há uma longa trilha até o topo.

“Vale lembrar que há 10 ou 15 anos o clima nem sempre estava no foco das discussões internacionais. E hoje está frequentemente no centro da mesa em conversas do G7, do G20 [grupos que reúnem as maiores economias do mundo], dos BRICS [grupo de países de economia emergente]”, diz o especialista.

Em 2015, o consenso foi alcançado, em grande parte, a partir da aprovação de que cada país definiria suas próprias metas climáticas (chamadas de contribuições nacionalmente determinadas, ou NDCs, na sigla em inglês), alinhadas com o teto de 2°C de aquecimento. Uma década depois, porém, são justamente esses planos que foram entregues por grande parte dos governos com meses de atraso.

“Há muitas críticas ao Acordo de Paris, em particular, quanto à questão da falta de coragem dos países de estruturar políticas de redução de emissões, inclusive o Brasil”, diz o físico Paulo Artaxo, especialista em química atmosférica da USP (Universidade de São Paulo).

“Por outro lado, só temos um acordo internacional para lidar com a questão das mudanças climáticas. Então, ele é essencial, estratégico, absolutamente necessário”. Artaxo integrou a equipe do IPCC, painel científico da ONU sobre mudança climática, que escreveu o relatório que embasou o tratado.

Na sua avaliação, muitos países estruturaram incentivos para eletrificação da frota e geração das energias solar e eólica por causa das suas obrigações, das NDCs. “Sem as NDCs, sem a necessidade de reduzir emissões, dificilmente essas indústrias estariam tendo o mesmo sucesso.”

Como são aprovadas internamente pelos países, as NDCs também acabaram se tornando planos climáticos — não apenas uma meta numérica — que geram engajamento entre governos, ministérios e até mesmo na sociedade em geral, explica David Waskow. “Na ausência do Acordo de Paris, não acho que teríamos visto esse crescimento real no planejamento e estratégia climática”, diz.

O ritmo, no entanto, é muito mais lento do que o necessário. O relatório anual “State of Climate Action”, ou Estado da Ação Climática, publicada pelo Systems Change Lab (que inclui o WRI), mostra o planeta fora da rota do 1,5°C em 45 de 45 parâmetros. A única nota positiva de 2024, a participação de elétricos nas vendas do mercado automotivo, foi rebaixada no estudo atualizado em outubro passado.

Um grande ator no setor é a China, que é, ao mesmo tempo, o maior emissor anual de gases de efeito estufa — por seu consumo e produção de combustíveis fósseis, principalmente carvão – e o líder global em investimentos em energias renováveis. Além de implementar tecnologias limpas em nível nacional, o país asiático é um grande exportador de veículos elétricos, além de de placas fotovoltaicas e baterias.

“O BRICS é uma paraça interessante. São países muito fortes e entre eles estão alguns dos que mais emitem, como China, Índia, Brasil e Rússia”, avalia a pesquisadora Thelma Krug, presidente do Comitê Diretor do Sistema de Observação Global do Clima, acrescentando que esses países têm potencial para liderar transformações energéticas.

Krug aponta, ainda, que o Acordo de Paris influencia a mudança de relações geopolíticas e que colocou em pauta temas que antes eram marginais, como a transição energética justa e a adaptação às mudanças climáticas.

“Muita gente acha que o Acordo de Paris não está tendo o efeito desejado, mas melhor com ele do que sem ele. Se houvesse uma ruptura [do tratado], eu acho que nós estaríamos fadados a não ter outro acordo climático no lugar desse. Não tem condições geopolíticas para isso”, afirma a cientista.

“O fato de que nós não chegamos ao patamar de emissões compatível com o limite de 1,5°C de aquecimento, que nós não aperfeiçoamos a resiliência e a adaptação [climáticas] não é uma falha do Acordo de Paris. É uma falha dos governos de cumprirem o acordo. Os objetivos estão claramente listados”, destaca Waskow.

Fonte: Folha SP.

Foto: © Tomaz Silva/Agência Brasil.

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