Em novo livro sobre uso de agrotóxicos no país, a pesquisadora Larissa Bombardi aponta “dados alarmantes” sobre a aplicação desses produtos nas lavouras brasileiras. Segundo ela, entre 2010 e 2019, o Ministério da Saúde registrou a intoxicação de 56.870 pessoas por essas substâncias. No entanto, estima-se que haja uma subnotificação na ordem de 1 para 50 – o que poderia levar o número de pessoas afetadas a quase três milhões.
Os números são abordados na obra Agrotóxicos e colonialismo químico, recém-publicada pela Editora Elefante. Nele, Bombardi, que é pesquisadora e professora do Departamento de Geografia da USP e IRD (Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento) da França, caracteriza a problemática como consequência direta da globalização da agricultura, da concentração fundiária e da forte atuação do agronegócio no Brasil.
Exemplo de tal globalização é que a União Europeia, que proíbe o uso de diversos agrotóxicos em seu território, segue exportando tais produtos a países com leis menos rígidas, como o Brasil. O livro de Bombardi aponta que, em 2021, o bloco exportou para todo o planeta um volume de quase 2 milhões de toneladas de agrotóxicos, somando 14,42 bilhões de euros. Para o Mercosul seguiram mais de 6,84 mil toneladas de agrotóxicos proibidos em território europeu.
Com isso, a aprovação de novos agrotóxicos no Brasil vem crescendo ano a ano desde 2016, batendo recorde atrás de recorde. Em 2022, 652 agrotóxicos foram liberados para uso no país, segundo a Coordenação-Geral de Agrotóxicos e Afins (CGAA) do Ministério da Agricultura. O número começou a saltar exponencialmente em 2016, quando passou de 139 produtos para 277 – desde então seguiu disparando.
Outros fatores preocupantes estão na quantidade que se permite a presença de agrotóxicos nos alimentos e na água dos brasileiros. A autora dá exemplos como o tebuconazol, inseticida proibido na Europa que pode provocar alterações no sistema reprodutivo e malformação fetal. Além de ser permitido no território brasileiro, o limite de resíduo tolerado de tebuconazol na água potável é 1.800 vezes maior do que o limite estabelecido na União Europeia. A substância é amplamente utilizada em alimentos como o arroz, alface, brócolis, repolho, mamão e outros.
Outro exemplo é o do glifosato, agrotóxico mais vendido no país e considerado possivelmente cancerígeno para seres humanos pela Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, o resíduo autorizado desse herbicida na água potável é cinco mil vezes maior do que na União Europeia.
“Temos observado o avanço das commodities e com ela o uso indiscriminado dos agrotóxicos com a justificação da importância da balança comercial ou da segurança alimentar. No entanto, os danos são imensuráveis, para o meio ambiente e especialmente para as pessoas. É preciso questionar quem lucra com esse sistema e quem o defende”, ressalta Larissa Bombardi
Concentração de terras
Além de assinalar as grandes diferenças de quantidades autorizadas nos países europeus e no Brasil, a obra também mostra a relação dos agrotóxicos com a concentração fundiária no Brasil. Apenas 1% dos proprietários rurais (aqueles que possuem áreas maiores do que mil hectares) controlam praticamente 47,6% das terras agricultáveis do país, diz Bombardi. Nestas terras, as principais commodities produzidas – soja, milho e algodão, são juntas, o destino de 80% dos agrotóxicos comercializados no país.
O uso dos agrotóxicos por unidades da federação explicita a conexão direta com a produção de commodities. Mato Grosso, Rondônia, Goiás e São Paulo são os estados com maior taxa de uso de agrotóxicos por hectare, seguidos por Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio Grande do Sul. Em 2019, Mato Grosso consumiu cerca de 121 mil toneladas de ingredientes ativos de agrotóxicos; São Paulo, 92 mil toneladas; Goiás, 49 mil toneladas; e Mato Grosso do Sul, 38 mil toneladas.
Autora precisou sair do país devido a ameaças
Larissa Bombardi é voz conhecida nas críticas ao uso praticamente indiscriminado de agrotóxicos no Brasil. Ao denunciar os seguidos recordes de autorização desses produtos no país sob a gestão de Jair Bolsonaro, ela passou a receber ameaças, até que decidiu se mudar para a Bélgica em 2021 devido à insegurança sentida.
“Não tinha mais sossego. Eu disse ‘chega’, não vou colocar minha cabeça, nem a dos meus filhos a prêmio. Sabia que não poderia estar no Brasil quando fosse lançada essa pesquisa”, contou em entrevista à Marie Claire naquele ano.
Ela segue pesquisando o tema e o que considera uma espécie de “colonialismo químico” dos europeus sobre os sul-americanos, com a exportação de produtos nocivo cujo uso não é permitido no país onde são fabricados. Seu livro explica como os países latino-americanos, especialmente o Brasil e a Argentina, têm sido receptores de um grande volume de agrotóxicos produzidos e comercializados por empresas do norte global.
Embora os Estados Unidos e a China sejam relevantes destinatários dessas substâncias, em 2021, eles consumiram, respectivamente, cerca de 257 mil e 244 mil toneladas de agrotóxicos. No mesmo período, Brasil e a Argentina consumiram 719 mil e 457 mil toneladas de pesticidas, diz a autora.
Fonte: Um Só Planeta.
Foto: Timothy Hearsum/Getty Images.