O Brasil continua sendo, infelizmente, um dos líderes no ranking mundial de uso de agrotóxicos – mas há uma ótima mudança em curso. Disparou, nos últimos anos, o investimento no combate biológico às pragas. Trata-se do uso de organismos vivos, como fungos e insetos, para combater outros organismos, danosos às culturas agrícolas.
A mudança indica um novo comportamento dos agricultores, muito menos agressivo ao meio ambiente. “O controle biológico já acontece na natureza sem nenhuma intervenção humana. O milho, por exemplo, atrai um punhado de insetos. Alguns deles são predadores que comem os que estão acabando com a plantação. Esses são os inimigos naturais da praga e amigos dos agricultores”, explica Ivan Cruz, pesquisador da área de Entomologia da Embrapa Milho e Sorgo.
A taxa média de adoção dessas técnicas subiu de 17% para 28% da área plantada no país, entre as safras colhidas em 2020 e 2022. Na maior parte dessas áreas há combinação com agrotóxicos convencionais, mas ainda assim o avanço é notável. O número de produtos biológicos registrados no Brasil passou de um, em 2005, para mais de 480 este ano. E a receita do segmento triplicou da safra colhida em 2020 para a de 2022, passando dos R$ 3 bilhões, segundo o relatório mais recente da consultoria S&P Global e da associação setorial CropLife.
Trabalhar com controle biológico exige fugir à cartilha convencional usada por gerações de produtores rurais, acostumados com os defensivos químicos. A mudança exige altas doses de inovação – em produtos, processos e comunicação. “O setor de biológico eleva a inovação e a competitividade.
Temos de demonstrar o potencial biológico para o agricultor e apresentar novos serviços e modelos de negócio que maximizem a receita com a lavoura”, afirma Felipe Itihara, gerente de Inovação e Sustentabilidade da Koppert Brasil, filial de uma gigante holandesa do segmento. A companhia projeta que a área responderá por 25% a 40% das vendas no mercado brasileiro de proteção de cultivos em dez anos.
O potencial do mercado e a necessidade de trabalhar em rede levaram a empresa a criar, em 2020, a Gazebo, um hub em Piracicaba (SP), dedicado a tecnologias de controle biológico. Seu objetivo é agregar ideias, startups, empresas e instituições de pesquisa empenhadas no manejo integrado de pragas e doenças em agricultura tropical.
A expansão do segmento atende a novas exigências dos consumidores e pressões crescentes de governos. Luiz Chacon Filho, fundador e CEO da empresa brasileira de biotecnologia Superbac, identifica três tendências relacionadas à sustentabilidade: agricultura regenerativa, biodinâmica e cultura orgânica. “São processos de condução agrícola distintos e com seus desafios peculiares de escalabilidade”, explica Chacon.
“O que os une é a prática e execução de conceitos mais sustentáveis, muitos deles amparados pela biotecnologia, capaz de permitir que o solo siga vivo e que o ambiente de cultivo seja avaliado como um bem que deve ser tratado no longo prazo — dessa forma, reduzindo a demanda por insumos químicos e mantendo altos índices de produtividade.” Os produtores brasileiros precisam ficar mais atentos – atualmente, países como Austrália e Argentina lideram o mundo em área plantada com orgânicos.
A pesquisa da S&P Global projeta um valor próximo a R$ 17 bilhões para o setor até 2030 no Brasil, considerando taxa de crescimento anual de 23% (numa previsão conservadora, inferior a ritmos já registrados nos últimos anos).
Segundo o estudo, as três principais razões pelas quais os produtores recorrem aos biodefensivos são eficiência de controle (29%), durabilidade/vida útil (25%) e formulação (21%). “Se o produtor quiser ter valor agregado, como um selo de sustentabilidade, será imprescindível olhar para os biológicos. Pela ótica financeira, com os insumos químicos, é necessário aumentar a quantidade e a frequência de aplicação conforme as pragas criam resistência.
Já com o controle biológico isso não ocorre. Além de garantir segurança alimentar de quem consome e de quem vive na região de cultivo”, diz a agrônoma Jeanne Scardini Marinho-Prado, pesquisadora na Embrapa Meio Ambiente.
A tendência ocorre como reação aos insumos químicos amplamente utilizados no país – e que totalizam cerca de 20% dos agrotóxicos produzidos no mundo. Eles têm sido responsáveis por contaminações do solo e das águas, e por afetar a saúde de consumidores e de quem trabalha na agricultura. “Os agrotóxicos matam as pragas, mas também acabam com os polinizadores, com os insetos benéficos e ainda contaminam águas subterrâneas e o solo”, acrescenta Cruz, da Embrapa.
A quantidade total de pesticidas usados pelo Brasil em 2020 foi de 685,7 mil toneladas com um valor de até 28 bilhões de euros. Enquanto países da União Europeia aceitam até 0,1 micrograma de glifosato, herbicida mais utilizado no mundo com alto potencial cancerígeno, por litro de água, o Brasil permite até 500 microgramas por litro.
Ao contrário dos defensivos químicos, os biodefensivos surgem como uma alternativa sustentável para manter o equilíbrio e o rendimento das culturas agrícolas. Hoje, estão registrados no Brasil 484 produtos biológicos sendo microrganismos (64%), macro-organismos (17%), bioquímicos (11%) e semioquímicos (8%). Esses produtos são fruto de processos agroindustriais voltados à nutrição, ao controle de pragas, à promoção do crescimento, ao suprimento de nutrientes e à substituição de antibióticos nos sistemas de produção de grãos, hortaliças e fruteiras. Mas há motivos para seu uso não ser tão disseminado quanto o ideal.
Segundo Cruz, da Embrapa, um dos desafios para escalar o uso biológico no agronegócio se deve ao uso incorreto dos produtos no campo. “Quando falamos no uso de microrganismos que serão aplicados diretamente nas plantas junto com água, precisamos estar atentos à utilização mais correta e eficiente deste produto. Por exemplo, qual a pressão de água necessária? Qual a quantidade da praga que deseja controlar? Em qual fase da praga precisamos combatê-la para ter maior sucesso? Tudo isso vai impactar no resultado final. Precisamos de um agricultor bem capacitado”, conta.
Além disso, o uso de microrganismos, como os fungos, para controlar pragas, exige um notável gasto de água para dispersá-lo na plantação. Este recurso natural poderá ser economizado quando se introduz espécies de insetos para realizar o mesmo trabalho. O uso de macro-organismos também é vantajoso, pois não torna as pragas resistentes a determinada substância, aumenta a biodiversidade no local, pois permite que novos insetos benefícios apareçam na região, e ainda apresentam custo operacional competitivo.
As joaninhas são um exemplo de inseto que pode combater, de forma natural, populações de organismos indesejáveis em culturas agrícolas. Já existem, inclusive, biofábricas voltadas para o crescimento e desenvolvimento da espécie. “Recebo muitos e-mails me perguntando onde comprar joaninhas. Vemos uma falta de fornecedores e de investimento em biofábricas, que são uma excelente solução para os produtores”, ressalta Jeanne Marinho-Prado, da Embrapa.
Cruz defende a necessidade de investimento em biofábricas, que ainda carecem de automação. “Queremos ver os produtores rurais como geradores de inovação. Precisamos de investidores que enxerguem oportunidade na automação das descobertas que os pesquisadores realizaram em laboratório, para tirá-las do papel. Já vimos resultados ao colocar dezenas de agricultores em um grupo do whatsapp para sanar dúvidas sobre pragas e as soluções que cada um encontrou para elas. Associações e cooperativas também são um excelente caminho para alinhar o conhecimento coletivo e desenvolver ou gerir biofábricas, podendo baratear os custos de produção”, afirma. As biofábricas são necessárias para produzir os insetos benéficos.
O controle biológico de pragas feito por microrganismos utiliza, em muitos casos, fungos. Esse é o caso da pesquisa realizada por Jeanne Marinho-Prado, que demonstrou o potencial da espécie de fungo Beauveria caledonica em combater simultaneamente duas das principais ameaças à produtividade de bananeiras, a broca e a fusariose. “Apesar de termos realizado uma descoberta grandiosa, precisamos trabalhar para melhorar a formulação do produto que estamos estudando. Nosso objetivo é aumentar o potencial de mortalidade das pragas, que ainda corresponde a 75%”, explica.
A agrônoma também destaca a necessidade de maior conhecimento por parte dos produtores sobre a compatibilidade dos defensivos agrícolas utilizados no manejo integrado de pragas.
Fonte: Um Só Planeta.
Foto: Divulgação / Koppert