Ambientalistas tentam atrair “moderados” do Congresso para pautas do setor

A sucessão de derrotas que as pautas ambientais têm acumulado na Câmara dos Deputados, diante de uma das legislaturas mais avessas ao tema desde a redemocratização, vem mobilizando organizações civis a buscarem formas de conquistar os perfis mais “moderados” do parlamento, para tentar minimizar os estragos.

Parte do jogo é dado como perdido. Grande parte dos congressistas não é passível de nenhuma sensibilização sobre o tema — incluem-se aí empresários (incluindo, mas não só, ruralistas) com visão antiquada dos negócios, defensores de desmatamento (a serviço de garimpo, madeireiras, grandes obras e outros) e ideológicos radicais — ou que posam de radicais –, que obtêm dividendos políticos ao atacar a ciência e o ambientalismo como se fossem agenda da esquerda ou de interesses estrangeiros.

Na análise de Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), a composição do Legislativo espelha hoje interesses da economia primária e majoritária no Brasil, baseada em commodities, e com interesses contrários à pauta socioambiental. O bolsonarismo ampliou essa parcela do Congresso nas últimas eleições. Há parlamentares e partidos, porém, que parecem não ter posição clara até o momento e, em algumas ocasiões, apresentam certa aderência aos temas socioambientais. É sobre esses “moderados” que organizações e entidades do setor querem se concentrar, para capitalizar a pauta verde.

O “Painel Farol Verde”, realizado pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), procurou jogar luz sobre esse cenário. A partir de posicionamentos da Frente Parlamentar Ambientalista na Câmara e no Senado, primeiramente os deputados foram questionados sobre sua posição em relação às principais pautas do setor, como a anistias a grilagem de terras, regularização fundiária, flexibilização do código florestal, mineração em terras indígenas, liberação de agrotóxicos, flexibilização do licenciamento ambiental, mercado de créditos de carbono e pagamento por serviços ambientais.

O resultado mostra que cerca de 120 deputados, entre os 513 da Casa, aderem a mais da metade das pautas ambientais. Trata-se de um número insuficiente para avançar com os projetos, já que é necessário ao menos metade do parlamento para aprovar propostas.

Esse bloco levemente “verde” é superado, de longe, por um grupo radicalizado de quase 200 deputados que, segundo os ambientalistas, votará sempre contra qualquer iniciativa sustentável. Diante dessa situação, torna-se ainda mais importante partir para o convencimento e negociações.

Aí entra em cena outro grupo, detectado no “Painel Farol Verde” — aproximadamente 42% dos deputados, ou 215, que, se não são “verdes”, também não repudiam a agenda ambientalista — os tais “moderados”. Eles apresentam ao menos algum grau de “aderência” a temas ambientais.

A necessidade de trabalhar sobre essa base, além do propósito de trazer transparência e monitoramento sobre como as pautas ambientais têm caminhado dentro do Congresso, levaram à criação da Virada Parlamentar Sustentável. O movimento, criado pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) e pela Rede Advocacy Colaborativo (RAC), tem a parceria de mais de 30 organizações da sociedade civil. Com uma agenda iniciada em 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiental, a Virada realiza, até 29 de junho, um primeiro ciclo de atividades dentro da Câmara, com agenda repleta de audiências, debates, seminários, exposições e mesas redondas voltadas para política socioambiental.

“A proposta da Virada Parlamentar Sustentável é abrir diálogo com parlamentares de diferentes campos político-ideológicos, com foco em soluções para problemas comuns da sociedade. Tratar com seriedade as questões socioambientais, neste ambiente extremamente fértil para a democracia, é uma forma de colocar a agenda do País na frente das disputas partidárias e trazer a sustentabilidade para o centro das decisões”, comenta Carolina Mattar, diretora executiva do IDS.

“Não temos a maioria, mas temos espaço para trabalhar e passar a ter, além de buscar uma agenda mais positiva e sair da retranca, vendo projetos serem aprovados. É preciso estar mobilizado e procurar espaços onde podemos avançar”, diz Mateus Fernandes, assessor de política pública do IDS.

Os ambientalistas buscam se aproximar do chamado “blocão”, que hoje soma 174 parlamentares, composto por nove partidos: PP, PDT, PSB, Solidariedade, Avante, Patriota, Federação Cidadania-PSDB e União Brasil. Este último, um partido não radicalizado, apoiador do governo e com 59 deputados, já se mostra hoje o fiel da balança em muitas votações.

“O poder de influência das bancadas e partidos, que orientam as votações, acaba sendo determinante e limitando a atuação de parlamentares, que podem individualmente mostrar maior afinidade com o tema”, diz Carolina Mattar. “Para que haja um maior equilíbrio de paraças quando o assunto é cuidado com o meio ambiente e resiliência às mudanças climáticas, é preciso que os eleitores cobrem seus candidatos e exijam a sua ação para a proteção ambiental, para garantir o desenvolvimento sustentável da sua região.”

A pauta ambiental não parece ter tantos inimigos declarados no Senado, mas ali há divergências dentro da própria base governista sobre diversas pautas, como a liberação de mais agrotóxicos ou o marco temporal das terras indígenas, que ganhou diversas emendas parlamentares e passou a carregar todo tipo de esvaziamento das demandas de povos originários. Além desses dois, estão no Senado os projetos de lei do licenciamento ambiental e da regularização fundiária. Os quatro mexem com o coração da pauta ambientalista e aguardam tramitação e votação em plenário.

“O pacote da destruição continua a nos assombrar no Congresso, com esforços permanentes para impor retrocessos na legislação e nos direitos socioambientais. A ‘liderança’ (nesse ataque) tem sido da Câmara, que aprovou versões absurdas, excrescências jurídicas, para a Lei do Veneno, do Licenciamento Ambiental que implode com as licenças ambientais e, neste ano, do PL 490, que permite a degradação das terras indígenas e coloca em risco povos isolados.

Esse quadro não mudou em 2023”, diz Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima. “A sociedade civil mantém esforços permanentes contra esses retrocessos, atua o tempo todo nesse sentido. É importante que o Executivo também se organize para impedir a aprovação desses absurdos, que use todo o seu poder político para proteger a legislação que sustenta a política ambiental e climática.”

Bocuhy, do Proam, também cobra a atuação mais clara e incisiva do governo federal, que tem sinalizado com movimentos contraditórios em vários momentos, como se viu no caso da exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas, projeto que foi paralisado pelo Ibama, sendo alvo de intensas críticas por membros do próprio governo.

“Um Congresso com características antiambientais exige um Executivo mais firme, que sinalize claramente suas posições, use seu poder discricionário para medidas compensatórias, que não negocie além de limites éticos, vete irregularidades e estimule o Judiciário, se necessário”, avalia o ambientalista. “Para a sociedade civil, resta a mobilização e o estímulo à judicialização, uma vez que a prerrogativa de ações contra inconstitucionalidade se restringe apenas a atores específicos.”

Bocuhy lembra que, além da disputa política do momento, é preciso haver empenho dos interessados em mudanças de maior fôlego. “Será preciso requalificar o voto, assim como a economia, evitando a prevalência e a permanência das paraças negativas do velho agronegócio predador, que frequentemente tenta destruir a boa normatização ambiental.”

Fonte: Um Só Planeta.

Foto: Foto: Divulgação/Câmara dos Deputados.