Um artigo publicado na Science Advances no último dia 20 oferece uma resposta para algo que vinha intrigando pesquisadores na região amazônica: a origem de manchas escuras e férteis em solos de assentamentos humanos datados de centenas a milhares de anos. O novo estudo concluiu que essa terra foi criada por antigas comunidades indígenas, e em atividades que não ficaram no passado.
Apesar da riqueza florestal que cerca a bacia do rio Amazonas, os solos cobertos pela vegetação são, em sua maioria, ácidos e pobres em nutrientes. Isso os torna ruins para cultivo e, consequentemente, impactam o sustento de populações.
O estudo, liderado por pesquisadores do Brasil e também do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e da Universidade da Flórida, ambos nos Estados Unidos, buscava entender se a terra escura havia sido criada de forma proposital ou se surgiu como um subproduto de culturas antigas.
Assim, descobriu-se que houve um acúmulo intencional de restos de comida, carvão e demais resíduos nessas áreas mais férteis. Isso contribuiu para a criação de um solo que armazena grandes quantidades de carbono, em quantidades presentes na região amazônica até hoje.
Do passado ao presente
Para chegar a essas conclusões, o estudo reuniu análises de solo e observações etnográficas em colaboração com indígenas do povo Kuikuro, no Alto Xingu. Foram sintetizados dados coletados entre 2000 e 2019 tanto nas terras indígenas modernas quanto em sítios arqueológicos.
Nas estimativas dos pesquisadores, cada aldeia antiga contém milhares de toneladas de carbono armazenadas no solo por centenas de anos graças a esforços humanos.
Ao observarem práticas modernas de manejo do solo, os cientistas notaram atividades como a geração de pilhas de lixo e de restos de comida ao redor do centro da aldeia. Esses montes se decompõem e se misturam ao solo – e, como resultado, formam uma terra escura que é usada para plantar, a qual os Kuikuro chamam de “eegepe”.
“Vimos atividades que eles faziam para modificar o solo e aumentar os elementos, como espalhar cinzas pelo chão ou espalhar carvão ao redor da base da árvore, que eram obviamente ações intencionais”, diz em comunicado o autor principal da pesquisa, Morgan Schmidt.
Nos sítios arqueológicos, também foi observado um padrão na disposição espacial da mancha escura ao longo do centro e bordas das aldeias, além de igual presença de carbono, fósforo e outros nutrientes na terra enriquecida. “Esses são todos elementos presentes em humanos, animais e plantas, e são eles que reduzem a toxicidade do alumínio no solo, que é um problema notório na Amazônia”, comenta Schmidt.
A partir da terra, os pesquisadores inferiram que as práticas observadas atualmente também aconteciam no passado, demonstrando que o solo era trabalhado de forma intencional para que as colheitas sustentassem grandes comunidades.
“Isso é exatamente o que queremos para os esforços de mitigação das mudanças climáticas. Talvez possamos adaptar algumas das estratégias indígenas em uma escala maior, para fixar o carbono no solo, de maneiras que agora sabemos que permaneceriam lá por um longo tempo”, aponta Samuel Goldberg, coautor do estudo.
Fonte: Revista Galileu.
Foto: Pedro Biondi/Agência Brasil.