Os mais de 5.500 prefeitos que vão assumir o cargo a partir de janeiro de 2025 provavelmente terão de lidar com um desafio que vai além do básico de qualquer cidade: moradia, transporte, segurança, saúde, educação, saneamento.
As ondas de calor e os eventos extremos estão se tornando cada vez mais comuns no Brasil, e é nas cidades, na casa de cada um de nós, que a crise climática aterrissa. São os prefeitos os primeiros a ter de lidar com uma emergência – e a forma como eles planejam administrar suas cidades nos próximos quatro anos vai tornar seus habitantes mais resilientes ou ainda mais vulneráveis.
Se até agora essa não foi uma preocupação real na maior parte dos municípios, mas, daqui para a frente eles talvez não possam mais se dar ao luxo de ignorar o problema. Eventos como a tragédia no Rio Grande do Sul neste ano, de Petrópolis no ano passado ou as queimadas no Pantanal e na Amazônia tendem a ficar cada vez mais comuns, quanto mais quente fica o planeta.
As mudanças climáticas não criam novos problemas, mas intensificam os já existentes. Cidades que já sofrem com inundações e deslizamentos estão sujeitas a ver essas tragédias ficarem ainda piores. A emergência climática se impõe como algo que demanda uma mudança na forma de governar.
E não são poucas as cidades que estão em risco. Mais de 1.600 municípios do Brasil – um em cada três, onde vive 50% da população – têm risco de impacto alto ou muito alto para desastres relacionados a chuvas, como deslizamentos de terra e/ou inundações, enxurradas e alagamentos.
As cidades simplesmente não estão preparadas para lidar com isso. De acordo com dados da plataforma AdaptaBrasil, 66% do total de municípios do Brasil (3.679) possuem capacidade adaptativa baixa ou muito baixa para deslizamentos de terra.
E a Terra, bem, a Terra está em franco processo de ebulição. Entre agosto de 2023 e julho de 2024, a temperatura média global foi de 1,64 ºC acima da média observada antes da Revolução Industrial, já acima do preconizado pelo Acordo de Paris: os países deveriam se esforçar para conter o aumento da temperatura a no máximo 1,5 ºC. A ciência calculava que a gente só atingiria essa marca por volta de 2030.
Não é só uma sensação: o futuro já está aqui.
Caso os futuros prefeitos seguirem o mesmo script de sempre, fazendo obras sem resiliência para um clima extremo, deixando áreas de risco serem ocupadas, impermeabilizando as ruas, canalizando rio, não investindo em arborização e deixando ônibus continuarem rodando com um diesel mais poluente – tudo isso pode tornar as cidades muito mais perigosas e deixar os cidadãos muito mais em risco.
Por outro lado, ações que priorizem medidas que tornem as cidades mais adequadas vão reduzir em muito esses riscos.
Fala – se mais dos riscos de impacto das chuvas, mas pensemos nas ondas de calor – que matam muito mais em todo o mundo do que os desastres ligados a deslizamentos e/ou inundações. Adaptar as cidades para a crise climática não é só fazer obras, mas criar condições mais toleráveis de se viver, como, por exemplo, plantar árvores para amenizar as altas temperaturas nas ruas.
“É preciso arborizar as cidades, criar ambientes onde as pessoas possam se proteger em meio a uma onda de calor, onde possam tomar água fresca, jogar uma água no corpo”, afirma Jean Ometto, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e coordenador científico do AdaptaBrasil.
É preciso ter estratégias para quem trabalha o dia inteiro sob alta exposição na rua, mas também quem vive nela. No ano passado, durante uma das fortes ondas de calor pelas quais passou São Paulo, mostramos como essa população mais fragilizada não tinha sequer acesso a água para beber. Essa exposição ao clima extremo é um dos fatores que mais aumenta o risco de impacto de uma cidade.
Por outro lado, ações voltadas para amenizar as ondas de calor podem salvar vidas. É o que indicou um estudo publicado nesta semana na revista Nature Medicine. Os pesquisadores estimaram que mais de 47 mil pessoas podem ter morrido em decorrência das altas temperaturas no verão europeu no ano passado. Mas, que esse número poderia ter sido 80% mais alto se muitos países não tivessem adotado medidas para diminuir esse impacto, especialmente entre os mais idosos.
Eles citam como exemplos de ações: melhorias nos cuidados de saúde, na proteção social e no estilo de vida; progressos na saúde ocupacional e nas condições das construções; esforços de preparação para as ondas de calor, maior sensibilização das pessoas para os riscos, com estratégias de comunicação e alertas precoces mais eficazes. Os pesquisadores estimam que, entre pessoas com mais de 80 anos, as mortes poderiam ter sido o dobro sem essas adaptações sociais.
Cada vida salva é um ganho, mas claro que essas medidas têm limite de efetividade. Adaptar é fundamental para proteger as populações, mas é preciso aumentar os esforços para evitar que o planeta continue aquecendo.
Fonte: Agência Pública.
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