Hansen estava no inóspito interior do continente branco. Não na pitoresca — e um pouco mais quente — Antártida em que chegam as excursões de cruzeiros, mas em um ambiente implacável onde nem mesmo a vida selvagem se aventura.
Como parte de uma equipe da Universidade do Alabama e da Universidade Estadual do Arizona, ambas dos Estados Unidos, ela estava em busca de cadeias de “montanhas” escondidas: picos em que nenhum explorador jamais pisou, que a luz do Sol nunca iluminou.
Essas montanhas estão localizadas nas profundezas da Terra.
Era 2015, e os pesquisadores estavam na Antártida para montar uma estação sismológica — um equipamento parcialmente enterrado na neve que permite estudar o interior do nosso planeta. Ao todo, a equipe instalou 15 em toda a Antártida.
As estruturas com formas de montanhas que eles revelaram são completamente misteriosas. Mas a equipe de Hansen descobriu que essas zonas de velocidade ultrabaixa, ou ULVZs, como são conhecidas, provavelmente também são muito comuns.
“Encontramos evidências de ULVZ em todas as partes”, diz Hansen.
A questão é: o que elas são? E o que estão fazendo dentro do nosso planeta?
Uma história misteriosa
As estranhas montanhas no interior da Terra surgem em um local crítico, entre o núcleo metálico do planeta e o manto rochoso que o envolve.
Essa transição abrupta é, como afirma a equipe de Hansen, ainda mais drástica do que a mudança nas propriedades físicas entre a rocha sólida e o ar. E tem intrigado especialistas por décadas.
Embora essa “fronteira” entre o núcleo e o manto esteja a milhares de quilômetros da superfície da Terra, há uma quantidade de troca surpreendente entre suas profundezas e o nosso próprio mundo.
Acredita-se que seja uma espécie de cemitério de pedaços antigos do fundo do oceano — e pode até estar por trás da existência de vulcões em lugares inesperados, como o Havaí, ao criar caminhos superaquecidos até a crosta.
A detecção de montanhas nas profundezas da Terra começou em 1996, quando os cientistas exploraram o limite entre o núcleo e o manto bem abaixo do Oceano Pacífico central.
Eles fizeram isso estudando as ondas sísmicas criadas por grandes eventos de tremores de terra: geralmente terremotos, embora bombas nucleares possam gerar o mesmo efeito.
Essas ondas atravessam a Terra e podem ser captadas por estações sismológicas em outros lugares da superfície — às vezes, a mais de 12.742 km de distância de onde se originaram.
Ao analisar os caminhos que as ondas seguem à medida que viajam, como são refratadas por diferentes materiais, os cientistas podem montar uma imagem semelhante às imagens de raios-X do interior do planeta.
Quando os pesquisadores observaram as ondas geradas por 25 terremotos, descobriram que elas desaceleraram inexplicavelmente quando atingiram um trecho irregular no limite entre o núcleo e o manto.
O Everest, o cume mais alto do mundo na superfície, é quatro vezes menor do que qualquer uma das montanhas descobertas no interior do planeta
O que podem ser?
Esta vasta cordilheira, que parecia de outro mundo, era muito variável: alguns picos chegavam a 40 km em direção ao manto, o que equivale a 4,5 vezes a altura do Everest; outros tinham apenas 3 km de altura.
Desde então, montanhas semelhantes foram encontradas em locais espalhados ao redor do núcleo. Algumas são particularmente grandes — um espécime monstruoso ocupa uma área de 910 km de largura abaixo do Havaí.
No entanto, até hoje, ninguém sabe como elas chegaram ali ou do que são feitas.
Uma teoria é que as montanhas são partes do manto inferior que ficaram superaquecidas devido à sua proximidade do núcleo incandescente da Terra.
Acredita-se que elas poderiam ser os restos da antiga crosta oceânica que desapareceu em suas profundezas, e acabou afundando ao longo de centenas de milhões de anos para se estabelecer logo acima do núcleo.
No passado, os geólogos procuraram pistas em um segundo quebra-cabeça.
As montanhas nas profundezas da Terra tendem a ser encontradas perto de outras estruturas misteriosas.Há apenas duas: uma protuberância amorfa chamada “Tuzo”, abaixo da África, e outra conhecida como “Jason”, abaixo do Pacífico.
Acredita-se que elas sejam verdadeiramente primitivas, possivelmente com bilhões de anos. E ninguém sabe o que são ou como chegaram lá, mas a proximidade com as montanhas leva a crer que estão ligadas de alguma forma.
Uma maneira de explicar essa associação é que, na verdade, tudo começou com placas tectônicas deslizando para o manto da Terra e afundando até o limite entre o núcleo e o manto. Na sequência, se espalharam lentamente para formar uma variedade de estruturas, deixando um rastro de montanhas e bolhas.
Se para assim, isso significaria que ambas são feitas de crosta oceânica antiga: uma combinação de rocha basáltica e sedimentos do fundo do oceano, ainda que transformados pelo intenso calor e pressão.
Uma busca gelada
Para montar suas estações sismológicas na Antártida, Hansen e sua equipe voaram para os locais apropriados em helicópteros e pequenos aviões, colocando os equipamentos na neve, alguns próximos à costa, sob olhares curiosos de pinguins e lontras.
Demorou apenas alguns dias para eles obterem os primeiros resultados.
Os instrumentos podem detectar terremotos em quase qualquer lugar do planeta. “Se para grande o suficiente, podemos vê-lo”, diz Hansen, e há muitas oportunidades assim.
O Centro Nacional de Informações sobre Terremotos dos EUA registra cerca de 55 no mundo todo diariamente.
Embora a identificação de cordilheiras nas profundezas da Terra já tivesse sido feita antes, ninguém havia verificado abaixo da Antártida.
Mas, para surpresa da equipe, eles as encontraram em todos os locais em que coletaram amostras.
Fonte: BBC Future.
Foto: Getty Images.