Atingidos pelas energias renováveis no RN lutam por transição justa

“Um pedido de socorro”. O grito de Rita de Cássia revela a contrariedade com a ameaça de precisar viver numa “cidade de pedras”. Marisqueira desde os sete anos, ela defende com orgulho a tradição familiar da pesca artesanal. É do mar que ela, o marido e os três filhos sobrevivem. Sem querer sair da comunidade tradicional onde mora há quase cinco décadas, no litoral do município de Macau, ela teme ter sua única fonte de renda prejudicada com os planos de instalação de novos parques eólicos, agora dentro do mar.

A denúncia foi feita durante o seminário “Vozes dos Territórios por uma Transição Energética Justa e Popular”. O encontro ocorreu entre os dias 25 e 27 de outubro, na sede da FETARN, no bairro do Tirol, Zona Leste da capital potiguar, e reuniu representantes dos territórios, movimentos sociais, organizações não governamentais, universidades, igreja, poder público e representantes da Paraíba e do Ceará para criação de um movimento das comunidades, populações e pessoas atingidas pelas energias renováveis.  Uma representação em cada território potiguar foi escolhida para fazer a articulação do movimento em nível estadual e com os demais Estados onde a transição energética tem causado conflitos.

A iniciativa do Serviço Assistência Rural e Urbano (SAR) da Arquidiocese de Natal teve como objetivo central apresentar o resultado do trabalho de três cartografias sociais realizadas nos territórios do Mato Grande, Seridó e Assú/Mossoró, além de seis cartografias no mar conduzido pelo coletivo Cirandas. Através da participação das lideranças, agentes sociais, comunidades tradicionais e pesquisadores, a ideia foi envolver as comunidades na discussão de seus valores, cultura, áreas e espaços simbólicos.

Hoje, uma das maiores críticas ao modelo de transição energética que vem sendo adotado no Brasil, especialmente na região Nordeste, é o fato que, muitas vezes, as comunidades locais são deixadas de fora das discussões sobre o planejamento e o zoneamento de áreas costeiras e marinhas.

“É fundamental mostrar que, com recursos limitados, mas com determinação e envolvimento das comunidades, é possível realizar um planejamento territorial que leve em consideração a vida e o sustento das pessoas que vivem nessas regiões”, avalia a pesquisadora Moema Hofstaetter.

Para a Moema, esses esforços são essenciais, especialmente quando se trata de áreas com comunidades pesqueiras, onde a pesca desempenha um papel vital na economia local. O diálogo e a participação ativa das comunidades são vistos como componentes cruciais para garantir que o desenvolvimento dessas áreas leve em consideração os interesses e a subsistência das pessoas que dependem delas.

“O poder, em geral, diz que é muito difícil fazer um zoneamento, fazer um planejamento territorial. A gente quer mostrar que não é difícil, que é possível. Basta ter boa vontade, né?! As comunidades vêm, elas querem discutir, elas querem contar que elas vivem ali e como elas vivem ali”, afirma Moema Hofstaetter.

As comunidades, populações e pessoas atingidas pelas energias renováveis reivindicam que o poder público considere a dimensão social no desenho das políticas de energia e na abordagem às alterações climáticas e à pobreza energética. Para o movimento, não basta ter recursos naturais, é preciso ter uma política que enfrente as desigualdades e promova inclusão.

Ameaça à pesca artesanal

No Estado que é líder no Brasil e na América Latina da produção de energia eólica, com mais de 250 usinas em operação e patamar de capacidade produtiva superior a 8 Gigawatts (GW), as comunidades tradicionais reclamam que a autossuficiência foi conquistada por meio da retirada dos vários grupos humanos de seus espaços, deslocando as pessoas ou submetendo-as ao interesse de grupos que não são de pescadores, agricultores ou ribeirinhos.

“A gente não é contra o desenvolvimento, a gente não é contra o progresso, a gente é contra da maneira que está vindo, sem escutar nós, das comunidades. Então as empresas vêm, tomam nossos espaços, cerca todas as nossas comunidades, e a gente fica sem nenhum espaço nem de ir e nem de vir”, reclama a pescadora Rita de Cássia, integrante do Movimento de Pescadores e Pescadoras do Brasil.

Segundo Rita, é preciso discutir a reserva extrativista marinha e costeira como modelo capaz de trazer segurança para as comunidades pesqueiras diante dos conflitos da terra, das ameaças que sofrem de despejos, demolições, com a pesca predatória, das grandes embarcações, e agora essa questão da eólica offshore. Isso porque, o Rio Grande do Norte pode se tornar em breve o primeiro estado do país a ter produção de energia eólica offshore.

O Governo do Estado já assinou memorando de entendimento com a Internacional Energias Renováveis (IER) para implantação de projetos de geração de energia eólica offshore e produção de hidrogênio verde. A decisão é vista com preocupação pelas comunidades que dependem das áreas para sobreviverem e por pesquisadores que alegam a falta de estudos de impacto ambiental e de diálogo.

“A nossa maior preocupação é porque nós vamos perder os nossos espaços no mar. Então não só eu como mais de 15 milhões de pescadores artesanais em todo o país vão perder o direito de pescar. A gente não quer criar peixe, a gente quer tirar o peixe saudável que ainda é o único alimento saudável que a gente tem é o nosso peixe”, desabafa Rita de Cássia.

Quem defende os aerogeradores offshore, atribui à paraça e regularidade dos ventos marinhos um funcionamento com mais continuidade do que em terra, o que poderia gerar até 60% mais energia do que uma turbina eólica terrestre. Porém, para Rita de Cássia, isso representa uma ameaça concreta à pesca artesanal.

“Onde eles vão implantar? É onde estão os nossos pesqueiros, onde a gente pega a tainha, carapeba, a anchova, o serra, a guarajuba, os peixes de profundidade que a gente pega, além da lagosta, que a gente pesca também onde eles vão colocar esse parque”, denuncia.

A pescadora artesanal lembra que “há a questão do barulho, que vai fazer os peixes se afastarem, a sombra, porque tem peixe que não pode ficar na sombra, do cabeamento, do campo eletromagnético, das aves e populações marítimas” que precisa ser analisada antes de se decidir pelas instalações.

“O Governo do Estado, que é um governo que se diz popular, deveria olhar e ouvir a nossa voz. A gente está fazendo um pedido de socorro. A gente não imaginava que o nosso governo estivesse dando nossos espaços, nossos territórios, nossas culturas. Essa energia não está vindo para nós, está sendo vendida pra fora do país. Então a gente gostaria muito que a governadora nos ouvisse, fosse nas nossas comunidades”, ressalta Rita.

Fonte: Saiba Mais.

Foto: Jana Sá.