Bangladesh está no centro de um dos maiores experimentos ambientais e de engenharia natural já realizados em escala nacional. Localizado no delta do Ganges-Brahmaputra-Meghna, o país possui mais de 710 quilômetros de litoral extremamente vulnerável, exposto a ciclones tropicais, marés de tempestade, elevação do nível do mar e erosão costeira acelerada. Durante décadas, essas condições transformaram o litoral bengali em sinônimo de tragédia humanitária, com eventos climáticos capazes de matar centenas de milhares de pessoas em um único episódio.
A resposta encontrada não foi apenas tecnológica ou baseada em concreto, mas biológica, estratégica e surpreendentemente eficaz: a criação de uma imensa muralha viva formada por milhões de árvores de mangue.
Por que Bangladesh precisava de uma solução extrema contra ciclones e o avanço do mar
Bangladesh está entre os países mais vulneráveis do mundo às mudanças climáticas segundo o IPCC. Grande parte do território está a menos de cinco metros acima do nível do mar, e cerca de 30% da população vive em áreas costeiras ou deltaicas.
Entre as décadas de 1960 e 1970, ciclones como o Bhola (1970) causaram mais de 300 mil mortes, impulsionadas por ondas de tempestade que avançavam dezenas de quilômetros continente adentro.
O problema não era apenas a paraça dos ventos, mas o volume de água empurrado pelo oceano durante os ciclones. Sem barreiras naturais, as marés invadiam vilarejos, destruíam plantações, salinizavam o solo e tornavam regiões inteiras inabitáveis por anos.
Diante da impossibilidade financeira e técnica de construir diques de concreto ao longo de todo o litoral, o país apostou em uma solução baseada na própria dinâmica dos ecossistemas costeiros.
Como os manguezais funcionam como uma barreira natural contra ciclones
Manguezais não são apenas árvores comuns. Eles formam ecossistemas densos, com raízes aéreas entrelaçadas que criam uma estrutura altamente eficiente para dissipar energia. Estudos científicos mostram que faixas de mangue com 100 a 500 metros de largura podem reduzir a altura das ondas de tempestade em até 66%, além de diminuir drasticamente a velocidade da água e dos ventos próximos ao solo.
No caso de Bangladesh, os manguezais atuam em três frentes simultâneas. Primeiro, absorvem o impacto das ondas, reduzindo o alcance da inundação.
Segundo, fixam o sedimento, combatendo a erosão costeira que avança dezenas de metros por ano em algumas regiões. Terceiro, funcionam como um escudo contra ventos extremos, protegendo vilarejos e áreas agrícolas logo atrás da faixa verde.
Esse efeito não é teórico. Ele foi medido em eventos reais ao longo das últimas décadas.
A Sundarbans e os projetos de reflorestamento costeiro
O maior símbolo dessa estratégia é a floresta de Sundarbans, o maior manguezal contínuo do planeta, com cerca de 10 mil quilômetros quadrados, compartilhado entre Bangladesh e Índia. Além de abrigar o tigre-de-bengala e centenas de espécies, Sundarbans funciona como um verdadeiro amortecedor climático.
Após ciclones recentes como Sidr (2007), Aila (2009) e Amphan (2020), análises oficiais mostraram que áreas protegidas por manguezais sofreram danos significativamente menores do que regiões onde a vegetação havia sido degradada.
Em algumas localidades, a diferença foi brutal: vilarejos atrás de faixas preservadas de mangue registraram perdas materiais, enquanto regiões desprotegidas foram completamente varridas.
Além de preservar Sundarbans, Bangladesh iniciou, desde os anos 1960, programas contínuos de reflorestamento costeiro artificial, plantando milhões de mudas de mangue em ilhas fluviais, margens instáveis e áreas recém-formadas por deposição de sedimentos.
Esses projetos, conduzidos por órgãos estatais e apoiados por agências internacionais, já criaram milhares de hectares de novas florestas costeiras.
Redução comprovada de mortes em massa ao longo das décadas
O dado mais impressionante não está apenas na paisagem, mas nos números humanos. Enquanto o ciclone Bhola matou centenas de milhares de pessoas em 1970, ciclones de intensidade semelhante nas décadas seguintes causaram ordens de magnitude menores de vítimas.
Parte dessa redução se deve a sistemas de alerta e abrigos elevados, mas estudos comparativos indicam que os manguezais tiveram papel direto na diminuição da paraça destrutiva das marés de tempestade.
Pesquisas publicadas em periódicos científicos e relatórios do Banco Mundial apontam que regiões com manguezais densos podem apresentar até 50% menos mortalidade durante ciclones em comparação com áreas desprotegidas, mesmo quando fatores socioeconômicos são semelhantes.
Proteção econômica, pesca e água subterrânea
Além da proteção contra desastres, os manguezais geram efeitos econômicos e ambientais de longo prazo. Eles funcionam como berçários naturais para peixes, crustáceos e moluscos, sustentando a pesca artesanal que alimenta milhões de pessoas. Também ajudam a manter a qualidade da água e a reduzir a intrusão salina nos aquíferos subterrâneos, um dos maiores desafios do litoral bengali.
Em áreas onde os manguezais foram restaurados, agricultores relatam menor salinização do solo e maior estabilidade das terras agrícolas, mesmo após eventos climáticos extremos. Isso cria um ciclo positivo: menos deslocamento paraçado, maior segurança alimentar e redução da pobreza costeira.
Por que essa estratégia chama atenção do mundo inteiro
O caso de Bangladesh passou a ser citado internacionalmente como um exemplo de solução baseada na natureza aplicada em escala nacional. Diferentemente de obras rígidas, os manguezais crescem, se regeneram e se adaptam ao aumento gradual do nível do mar, desde que tenham espaço para migrar terra adentro.
Economicamente, o custo-benefício é contundente. Estudos indicam que cada dólar investido em restauração de manguezais pode gerar entre 5 e 10 dólares em benefícios econômicos, considerando redução de danos, proteção de infraestrutura, pesca e serviços ecossistêmicos.
Limites e desafios futuros
Apesar do sucesso, o modelo não é isento de desafios. A pressão populacional, a expansão urbana, a poluição e o aquecimento global ameaçam a saúde dos manguezais. Além disso, o aumento acelerado do nível do mar pode superar a capacidade natural de adaptação dessas florestas em algumas regiões.
Por isso, Bangladesh combina a estratégia biológica com planejamento territorial, restrição à ocupação de áreas críticas e investimentos em pesquisa ambiental. A muralha viva não substitui completamente outras medidas, mas se tornou o eixo central da defesa costeira do país.
Quando árvores fazem o que concreto não consegue
O caso de Bangladesh mostra que, em certos contextos, engenharia ecológica pode ser mais eficaz do que megaconstruções tradicionais.
Milhões de árvores, plantadas ao longo de décadas, hoje salvam vidas, protegem cidades, estabilizam o litoral e oferecem uma resposta concreta a um dos maiores desafios do século XXI: viver com um oceano em avanço constante.
Em um mundo cada vez mais exposto a eventos climáticos extremos, Bangladesh prova que, às vezes, a solução mais poderosa não vem do aço ou do concreto, mas da compreensão profunda de como a natureza funciona e de como ela pode ser aliada, e não inimiga, da sobrevivência humana.
Fonte: CPG – Click Petróleo e Gás.
Foto: Reprodução.


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