Desde os crimes ambientais das mineradoras Samarco e Vale, em Mariana e em Brumadinho, um dos maiores medos dos moradores das cidades próximas à mineração é o de rompimento de barragens de rejeito. Atualmente, em Minas Gerais, existem 39 estruturas em nível de emergência e 3 delas em estado máximo, ou seja, de ruptura iminente.
Em cidades como Nova Lima, Barão de Cocais e Macacos, todas a menos de 100 km de Belo Horizonte, moradores convivem diariamente com o medo das sirenes e veem bairros inteiros se transformarem em rotas de fuga, com a presença ostensiva de sinalização de emergência nas ruas e da insegurança que intoxica a vida das cidades próximas da mineração.
Em novembro de 2015, a barragem de Fundão, em Mariana, das mineradoras Vale, BHP Billiton e Samarco rompeu. A tragédia provocou a morte de 19 pessoas, contaminou o rio Doce e provocou a maior tragédia socioambiental do país, segundo o Ibama à época. Foram mais de 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos despidos em terrenos e rios, contabilizou o Ministério Público Federal (MPF).
O processo diz que os funcionários responsáveis da empresa “sabiam do histórico de problemas geotécnicos havidos com a barragem de Fundão, que entrou e em operação em dezembro de 2008 e ficou paralisada em abril de 2009 até maio de 2010 devido a problemas graves que atingiram o sistema de drenagem “alma de qualquer barragem”, diz o texto.
Pouco mais de dois anos depois de Mariana, a catástrofe em Brumadinho após o rompimento da barragem B1, da Vale, matou 273 pessoas.
O rompimento da barragem da Vale em Brumadinho reacendeu o debate sobre a eficiência da fiscalização da atividade de mineração no país, trazendo a reboque outra questão: o que fazer se uma tragédia no futuro envolver não a gigante multinacional, com recursos para pagar multas bilionárias, mas uma empresa de pequeno porte, desativada ou até falida?
Trata-se de um perigo real, destaca O Estado de S. Paulo após ouvir especialistas do setor. As barragens mais vulneráveis de Minas Gerais, segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), pertencem a empresas que hoje estão com as atividades paralisadas.
A barragem de mais alto risco de Minas Gerais é a da Mina Engenho, da Mundo Mineração, companhia que deixou de operar no município de Rio Acima há mais de seis anos. Sem manutenção desde então, a única sinalização que a barragem recebeu foram placas que alertam para a presença de material tóxico usado na extração de ouro, como arsênico e mercúrio.
A questão das minas abandonadas em Minas Gerais não é desconhecida do poder público. Em 2016, a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), do governo mineiro, detectou nada menos do que 400 minas abandonadas ou desativadas no estado. O levantamento da fundação traz três casos listados como preocupantes: Mundo Mineração, Minar Mineração Aredes e Topázio Imperial Mineração. Quem entende do setor garante que as minas desativadas de Minas Gerais são uma “bomba-relógio”.
Para Carlos Martinez, professor da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), a situação é “desesperadora”. “A conta um dia vai chegar e tem o potencial de quebrar de vez o estado”, diz ele. “Muitas dessas mineradoras sequer existem mais. E quem vai pagar a conta do desastre ambiental e social? O poder público.”
Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Bruno Milanez diz que a legislação brasileira deveria prevenir que “aventureiros” se lançassem na mineração e deixassem para trás perigos ambientais e sociais. “Vários países com atividade minerária relevante exigem que as empresas provem sua viabilidade econômica antes de iniciar a exploração de uma determinada área.”
As chuvas que vêm atingindo Minas Gerais nas últimas semanas e já causaram a morte de pelo menos 24 pessoas, além de 3,9 mil pessoas desabrigadas e outras 24,6 mil desalojadas, estão afetando a região onde estão localizadas as três barragens com maior risco de desabamento do Brasil e reabrem a “ferida” deixada pelo desmoronamento de barragens em Mariana, em 2015, e de Brumadinho, em 2019.
Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), estas são as únicas barragens do Brasil em situação de emergência nível 3, quando o rompimento é iminente ou está em curso. Desde o início da nova temporada de chuvas, nenhum incidente nelas foi registrado.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que as chuvas aumentam os riscos de problemas em barragens como as de rejeitos de mineração. Segundo eles, o risco em Minas Gerais é ainda maior por conta da alta concentração dessas estruturas e da proximidade delas com centros urbanos.
O Estado de Minas Gerais tem sido atingido por chuvas intensas desde o início do ano. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), somente em Belo Horizonte a precipitação acumulou 241,7 mm em 72 horas – entre os dias 8 e 10, bem acima da média histórica para o mês, que é de 329mm.
As três barragens em maior situação de risco do Brasil estão localizadas em municípios que, por conta das chuvas, estão em situação de emergência, de acordo com a Defesa Civil de Minas Gerais: Ouro Preto, Nova Lima e Barão de Cocais.
Segundo a ANM, no entanto, as barragens não estão em situação de emergência por conta das chuvas deste ano, no entanto. Elas estão nesse nível de alerta desde março de 2019, após o rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho.
Segundo a agência, o nível 3 de emergência é concedido quando técnicos constatam que a estrutura de uma barragem está em situação de rompimento iminente (pode acontecer a qualquer momento) ou quando ela já está se rompendo.
As três estruturas são barragens a montante, do mesmo tipo da que colapsou em Brumadinho.
Segundo a ANM, elas têm um dano potencial alto, o que significa que o seu rompimento poderia causar prejuízos significativos para as comunidades localizadas ao seu redor.
O professor do Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Viçosa Eduardo Antônio Gomes Marques diz que a intensidade das chuvas registradas nos últimos dias aumenta os riscos de incidentes em barragens. Marques afirma que o risco de rompimento, no entanto, atinge tanto as barragens que estão em nível três de emergência quanto aquelas que estão em níveis inferiores.
O professor de segurança em barragens da Universidade Federal de Itajubá (Unifei) Carlos Barreira Martinez diz que é preciso manter o monitoramento das barragens em nível 3 de emergência e intensificar a atenção sobre outras estruturas que, por conta da chuva, podem representar riscos.
Ele aponta ainda um novo elemento que, segundo ele, deveria ser considerado no cálculo de segurança para barragens: a ocorrência de fenômenos climáticos extremos. Segundo ele, as mudanças climáticas estão alterando o ciclo de chuvas e isso pode trazer impactos sobre as barragens.
“Essas estruturas são feitas considerando um regime pluviométrico que não previa esses eventos extremos tão recorrentes. O que estamos vendo é uma série de chuvas muito intensas num curto espaço de tempo e em regiões muito pontuais. Isso pode trazer impactos que precisam ser dimensionados”, afirmou.
Fontes: BBC News,Estado de São Paulo, Ambiente Brasil.