Biofobia: estudo aponta que pessoas têm cada vez mais medo da natureza

“Não consigo nem assistir a uma cobra na TV sem me sentir mal do estômago.”

“Nadar? Nem pensar… tenho muito medo de tubarões!”

“Não consigo nem ficar no mesmo cômodo que uma aranha; esse bicho me aterroriza.”

Medo, nojo e outras reações fóbicas não são incomuns quando se trata de nossas interações com o mundo natural – quem não conhece alguém que tem medo de aranhas ou cobras? De fato, acredita-se que o medo de aranhas (aracnofobia) ou de cobras (ofidiofobia) esteja entre as “biofobias” mais comuns.

A biofobia é definida pela American Psychological Association como “o medo em relação a certas espécies e a aversão geral à natureza que cria um desejo de se afiliar à tecnologia e outros artefatos, interesses e construções humanas, em vez de animais, paisagens e outros elementos do mundo natural”.

Existem razões evolutivas para esse comportamento: em nosso passado ancestral, a natureza era uma fonte potencial de perigo, e reações fóbicas em relação a certos elementos do mundo vivo podem ter ajudado os primeiros humanos a evitar doenças infecciosas ou encontros nocivos com organismos perigosos.

Condutores do medo contemporâneo da natureza

Mas e nos dias de hoje? Estima-se que mais da metade da população mundial viva em áreas urbanizadas distantes da vida selvagem e, portanto, podemos esperar uma redução na prevalência de tais medos. No entanto, as pessoas continuam a exibir fortes respostas fóbicas em relação a organismos que não vivem em nossa vizinhança imediata, mesmo quando eles não representam ameaças tangíveis. Isso é preocupante porque pode levar à ansiedade excessiva e à fuga de interações com a natureza, impedindo que os indivíduos afetados experimentem os muitos benefícios físicos e mentais que a natureza pode proporcionar.

Por isso, pesquisadores interessados ​​nas biofobias começaram a explorar as razões por trás da prevalência sustentada de fobias da natureza nas sociedades modernas. Uma hipótese levantada para esse fenômeno aponta para a vivência em áreas urbanizadas como um dos principais impulsionadores do medo da natureza nas sociedades contemporâneas.

As mesmas condições que nos protegem de encontros naturais potencialmente perigosos também implicam oportunidades reduzidas de interagir com a natureza. A falta de experiências regulares na natureza e as informações contextuais que elas fornecem pode levar as pessoas a avaliar erroneamente os perigos potenciais associados à natureza,. Além disso, esse cenário pode provocar medos ou repulsa infundados. Assim, as sociedades contemporâneas podem sofrer de um ciclo vicioso de biofobia, em que a desconexão da natureza leva a fobias da natureza e vice-versa.

Nesse contexto, alguns pesquisadores sugeriram que as biofobias podem ser cada vez mais prevalentes nas sociedades modernas. Mas ainda é difícil avaliar até que ponto isso é verdade. Os dados sobre a prevalência de fobias da natureza são escassos e, geralmente, são coletados em pontos específicos no tempo por meio de pesquisas direcionadas, representando um desafio para avaliar como isso mudou ao longo do tempo.

Num estudo recente, essa questão foi abordada por um ângulo diferente: usando o poder da Internet. Nós raciocinamos que as pessoas que sofrem de fobias relacionadas à natureza podem procurar informações online sobre sua condição e como lidar com ela. Usando dados mundiais de pesquisas na internet, avaliamos o volume relativo de buscas para 25 biofobias comuns entre 2004 e 2022.

Quão prevalentes são as biofobias hoje em dia?

O estudo sugere que as biofobias mais comuns incluem medo de aranhas; de micróbios e germes (misofobia); e de parasitas (parasitofobia). Esses resultados corroboram outros relatos de que o medo de aranhas está entre as fobias mais comuns relacionadas à natureza.

Também foi  encontrado um aumento constante no volume de pesquisa online para biofobias entre 2004 e 2022, embora com diferenças marcantes nas tendências para fobias específicas. O interesse em algumas das biofobias mais comuns, como medo de cobras (ofidiofobia) ou germes, também está aumentando – o que sugere que elas estão se tornando mais prevalentes.

Por exemplo, os resultados mostram que as buscas por medo de germes atingiram o pico no início da pandemia de Covid-19, fornecendo evidências adicionais das tensões psicológicas causadas pela pandemia. Em contraste, apenas algumas biofobias mostraram tendências negativas ou estáveis. Essas tendências foram calculadas com base na proporção de buscas por biofobias em relação ao número total de buscas ao longo dos anos e, portanto, não podem ser simplesmente explicadas pelo aumento do uso da internet.

Além disso, foi encontrada evidências de que, a níveis nacionais, o interesse em um número maior de fobias relacionadas à natureza está relacionado à porcentagem da população que vive em ambientes urbanizados, à tendência da população (crescer ou estável) e ao número de espécies venenosas encontrados no país. Especificamente, o interesse em mais fobias relacionadas à natureza está concentrado em locais com populações urbanas grandes, estáveis ​​e estabelecidas há muito tempo, como Austrália, Canadá, Alemanha, Estados Unidos ou Reino Unido.

É possível que uma desconexão com a natureza tenha tido mais tempo para se cristalizar nesses países, onde algumas pessoas sempre moraram em áreas urbanas. Em contraste, muitos países com populações urbanas menores, mas em rápido crescimento, como muitos países da África e do Oriente Médio, expressaram menos interesse online em fobias relacionadas à natureza.

Outras possíveis explicações para nossos resultados incluem aspectos relacionados às diferenças de acesso à internet entre os países ou às motivações por trás das buscas online por biofobias. Por exemplo: populações em áreas urbanas também tendem a ter melhor acesso à internet, e isso pode explicar a menor prevalência de buscas por biofobias em áreas rurais.

Também pode ser que o medo em relação à natureza seja visto como uma resposta útil em áreas mais rurais e, portanto, não seja algo com o qual as pessoas busquem maneiras de lidar. Também estamos cientes de que outros mecanismos de pesquisa além do Google dominam o mercado em países como China e Rússia, o que também pode afetar nossos resultados.

No entanto, essas descobertas apoiam a ideia de que a desconexão da natureza está crescendo em muitas sociedades modernas devido à vida urbana. Essa desconexão também está tendo um custo cada vez maior no bem-estar humano, promovendo medos infundados em relação a outras formas de vida.

À medida que as nossas sociedades se tornam mais urbanizadas, corremos o risco de perder nossa conexão com o mundo natural e desenvolver percepções e interações mais negativas com a natureza. É hora de reavaliar nosso relacionamento com a natureza e desenvolver maneiras de preencher essa lacuna em vez de aumentá-la. O futuro do nosso bem-estar pode muito bem depender disso.

Fonte: Revista Galileu, The Conversation.

Foto: eddyvanduijn / Unsplash.