Um estudo publicado na segunda-feira (22) na revista Proceedings of the National Academy of Sciences analisou 137 milhões de hectares (mais de 126 milhões campos de futebol) de estradas existentes construídas em florestas tropicais no Brasil, Congo e Sudeste Asiático.
Identificou características, como qualidade do solo, proximidade a um rio, topografia e densidade populacional próxima, que tornam mais provável que alguém construa uma nova estrada. Os pesquisadores então mapearam quais áreas estão mais em risco de desenvolvimento futuro.
A maioria das estradas em terras sensíveis é construída ilegalmente. Essas estradas “fantasmas”, como são chamadas, não são visíveis em mapas e são desconhecidas pelas autoridades. Ao abrir áreas anteriormente inacessíveis, as estradas prenunciam o desmatamento tropical, disse Jayden Engert, ecologista do Instituto Max Planck de Comportamento Animal na Alemanha, que liderou o estudo.
As primeiras estradas em florestas intactas são frequentemente construídas por programas de desenvolvimento, relata Engert. Mas uma vez que existem, fica mais fácil para os grileiros construírem muitas mais, tomando a floresta tropical próxima através de extração de madeira ou limpeza com fogo. Então a área devastada pode ser transformada em terras agrícolas, fazendas de gado ou minas. Essas invasões deslocam e ameaçam comunidades indígenas, espalham patógenos e fortalecem caçadores ilegais.
“Não sabemos onde estão todas as estradas para começar, e não sabemos onde as estradas estarão no futuro”, disse Engert. “Então, se pudermos entender que tipo de condições permitem que as pessoas construam estradas, podemos descobrir onde alocar os recursos para proteção.”
Por exemplo, ele disse, há grandes áreas adequadas para a construção de estradas na Nova Guiné, uma ilha do Pacífico dividida entre a Indonésia e Papua-Nova Guiné com a terceira maior floresta tropical do mundo. Embora existam muitos planos para desenvolvê-la, ele disse, a floresta está em grande parte intacta e ainda poderia ser conservada.
Outros lugares, como o Escudo das Guianas (uma faixa de floresta tropical em grande parte intacta no topo da América do Sul), a metade sul da Amazônia brasileira e as bordas da Bacia do Congo, também pontuaram alto na avaliação de risco dos pesquisadores.
As florestas tropicais estão diminuindo rapidamente em todo o mundo, com uma quantidade recorde perdida no ano passado. Elas abrigam quase metade das espécies animais terrestres e tradicionalmente absorvem grandes quantidades de dióxido de carbono, gás que aquece o planeta, da atmosfera.
Mas o desmatamento por extração de madeira e queimadas se tornou tão severo nas últimas décadas que algumas áreas de floresta tropical mudaram e agora liberam mais gases de efeito estufa na atmosfera do que removem. O dióxido de carbono, principalmente da queima de combustíveis fósseis, age como um cobertor na atmosfera, prendendo o calor do sol e aquecendo o mundo.
Os autores do novo estudo mapearam anteriormente estradas ocultas em várias bacias tropicais ao redor do mundo, incluindo grandes partes do Sudeste Asiático e toda a Amazônia brasileira. Esses mapas, que foram possibilitados por avanços recentes na tecnologia de satélites, revelaram grandes redes de estradas fantasmas e foram usados na nova análise.
Estradas não mapeadas são até sete vezes mais comuns que as oficiais, de acordo com os estudos anteriores. A perda florestal resultante tende a seguir um padrão semelhante. Uma vez que uma estrada é construída, ela desencadeia uma explosão de desmatamento, seguida pela construção de muitas estradas adicionais à medida que as pessoas avançam mais para dentro da floresta.
Essas redes ramificadas são muito maiores que a estrada inicial, disse William Laurance, professor de ecologia na Universidade James Cook na Austrália e autor sênior do novo estudo.
Por exemplo, 1 quilômetro de nova estrada na Amazônia levou a 50 quilômetros de estradas secundárias, em média, de acordo com um estudo de abril liderado por Laurance e Engert. As estradas secundárias permitiram mais de 300 vezes a quantidade de desmatamento que a primeira.
“Evitar o primeiro corte é fundamental”, disse Laurance.
A nova pesquisa é um passo importante para prever a construção futura de estradas, disse Philip Fearnside, ecologista do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia no Brasil, que não contribuiu para o estudo. Mas ele acrescentou que a análise tem um ponto cego importante: decisões políticas para construir novas estradas onde elas poderiam não surgir de outra forma.
O estudo reconhece a incapacidade do método de análise de risco de considerar interesses políticos e econômicos. Um exemplo está no canto noroeste da Amazônia brasileira, que tem um risco relativamente baixo de construção de estradas, segundo a análise. Mas o governo planeja pavimentar a BR-319, uma rodovia de 550 milhas que corta a região.
Ambientalistas dizem que a construção tornaria grandes áreas de floresta tropical protegida vulneráveis a incêndios, extração de madeira e caça ilegal. O projeto controverso foi reforçado este mês quando legisladores brasileiros aprovaram um projeto de lei para acelerar revisões e aprovações ambientais. Há mais de 740 milhas de rodovias estaduais planejadas para se conectar à nova rodovia federal, de acordo com uma análise da organização de notícias InfoAmazonia.
Fonte: Folha SP, New York Times.
Foto: Evaristo Sá – 22.ago.24/AFP.


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