Apesar do discurso de campanha e pós-eleição que garantia que a crise climática teria protagonismo nas políticas públicas, o governo atual tem feito novos investimentos em combustíveis fósseis.
Na sexta-feira (24), o MME (Ministério de Minas e Energia) anunciou planos para escalar a produção nacional e tornar o Brasil o quarto maior produtor mundial de petróleo – hoje é o oitavo, de acordo com a Administração de Informação Energética dos EUA.
Uma frente especialmente sensível é a da exploração de petróleo pela Petrobras na foz do rio Amazonas, que está nas fases finais do licenciamento ambiental.
Esses movimentos acontecem na contramão da ciência, que aponta que para frear as mudanças do clima é essencial que fontes de energia suja ocupem um espaço cada vez menor na matriz energética mundial.
O mais recente relatório do painel do clima da ONU (IPCC, na sigla em inglês) afirma que é necessária “uma redução substancial no uso geral de combustíveis fósseis” para zerar as emissões líquidas de carbono – ou seja, para que todo o CO2 emitido possa ser reabsorvido. O documento é o maior e mais avançado estudo já feito sobre o tema e tem o objetivo de nortear a elaboração de políticas públicas.
Outra pesquisa, elaborada pela Agência Internacional de Energia, aponta que para atingir a meta de zerar emissões líquidas até 2050 é essencial que nenhum novo projeto de extração de combustível fóssil seja autorizado.
O IPCC já apontou que atingir esse objetivo nas próximas três décadas é um dos passos mais importantes para cumprir o Acordo de Paris e limitar o aquecimento global a 1,5°C.
Em comunicado, Alexandre Silveira, que chefia o MME, se refere ao petróleo e ao gás natural como “a riqueza do povo brasileiro que está no subsolo e que será o passaporte para o futuro das regiões Norte e Nordeste do Brasil” e que se refere à região como um possível “novo pré-sal”.
A margem equatorial brasileira é o trecho que vai do Amapá ao Rio Grande do Norte, onde ficam cinco bacias sedimentares que estão na mira da Petrobras. O que está mais próximo do início da exploração é o bloco 59, na bacia da Foz do Amazonas, que recebeu a concessão de exploração da ANP (Agência Nacional do Petróleo) em 2013.
O bloco fica a cerca de 160 km da costa do Oiapoque (AP) e a 500 km da foz do rio Amazonas propriamente dita. O interesse da indústria petroleira por ele vem do fato de que blocos que já foram perfurados nas proximidades, como na Guiana, tiveram resultados positivos em termos de reservas de óleo.
A área abriga imensos sistemas de recifes de corais descobertos recentemente e sobre os quais ainda se sabe pouco. “É a região que o rio Amazonas deságua no mar, que leva nutrientes até o Caribe e alimenta uma biodiversidade muito rica”, explica Daniela Jerez, analista de políticas públicas da ONG WWF.
O processo de licenciamento começou em 2014 e hoje está em fase avançada – ainda que, de acordo com o Ibama, os estudos tenham demonstrado preocupação devido à alta sensibilidade ambiental e aos desafios logísticos para o desenvolvimento da atividade na região.
A Petrobras ressalta que vem cumprindo todos os requisitos e procedimentos estabelecidos pelos órgãos reguladores, licenciadores e fiscalizadores para a concessão da autorização.
A meta assumida pelo país após o Acordo de Paris (a Contribuição Nacionalmente Determinada, conhecida pela sigla em inglês NDC) previa uma redução das emissões de gases de efeito estufa de 37% até 2025, em relação aos níveis de 2005. Até 2021, a redução nas emissões brutas foi de apenas 8,2%, segundo os dados do Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa).
Durante o governo anterior, a NDC foi atualizada duas vezes, ambas recorrendo a mudanças do referencial de emissões no ano-base de 2005. Na prática, a manobra, que foi chamada de “pedalada climática”, faz o Brasil chegar a 2030 com uma meta de emissão maior do que o previsto pela primeira NDC.
A maior parte das emissões brasileiras vem do desmatamento (49%), seguida pelo agronegócio (25%). O setor de energia é o terceiro colocado, responsável por quase um quinto (18%) do total.
“Você tem que ter um cronograma de descarbonização, não do aumento do carbono. Eu não estou mirando no petróleo zero, mas não dá para expandir, nós temos que reduzir. Temos que fazer um planejamento estratégico que considere a crise climática”, opina Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima. e ex-presidente do Ibama (2016-2018).
Ela conta que, na sua gestão, o Ibama negou à petroleira francesa TotalEnergies a licença de exploração para cinco blocos que ficam perto dos blocos da Petrobras. “A Total não conseguiu comprovar que, havendo um acidente, ela conseguiria controlar a mancha de óleo. E um acidente ali poderia ser uma catástrofe do ponto de vista ambiental”, diz.
Os estudos de modelagem da dispersão de óleo incluídos no licenciamento não demonstram a possibilidade de um eventual derramamento chegar à costa brasileira.
À reportagem a equipe de licenciamento ambiental do Ibama explica que alguns aspectos críticos ainda precisam ser resolvidos, especialmente no que diz respeito ao atendimento de animais atingidos por um eventual vazamento de óleo.
O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, afirma que a inexistência de uma avaliação ambiental estratégica cria uma série de incertezas para o licenciamento.
“A viabilidade ambiental de se explorar petróleo nessa região deveria ter sido feita antes da realização dos leilões pela ANP e não ter que agora, no âmbito do licenciamento, resolver [essa questão]. Mas, independente disso, o Ibama está debruçado e vai analisar todos os estudos antes de tomar qualquer decisão [para o bloco 59]”, ressalta.
“O Ibama vai fazer a análise técnica independente de qualquer tipo de pressão”, diz também.
Em entrevista coletiva na quarta-feira (22), ao lado do ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, Espen Barth Eide, a ministra do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, Marina Silva, foi questionada sobre a ampliação das atividades da Petrobras na foz do Amazonas.
“Minha posição pessoal é que a Petrobras deve transitar para ser uma empresa de energia. Não só de exploração de petróleo”, disse. “Devemos usar esses recursos para investir em tecnologia, em inovação, para novas fontes de geração, do vento, do sol, da biomassa e da produção de hidrogênio verde. É um processo de transição. Isso não acontece da noite para o dia.”
A ministra afirmou, ainda, que a transição energética é um desafio no mundo todo. “Vivemos o paradoxo de ainda não conseguir prescindir dessa fonte de geração de energia. Mas, obviamente, temos o sentido de urgência de fazer o mais rápido possível essa transição.”
Fonte: Folha SP.
Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação/Petrobras.