Há regiões do Brasil em que a tendência de temperaturas máximas já está até 3°C acima do que era registrado na década de 1960, aponta uma análise do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) divulgada na semana passada.
O trabalho compara a tendência de temperaturas máximas registrada na década de 1960 com a tendência de máximas no período 2010-2020.
Regiões do Norte e Nordeste apresentam uma concentração elevada de áreas com significativo crescimento da tendência de temperatura máxima.
Tal concentração ressoa outros estudos sobre os possíveis impactos da crise climática no Brasil. Por exemplo, uma pesquisa publicada em 2021 na revista Communications Earth & Environment (do grupo Nature) apontava que a crise do clima somada ao desmatamento da Amazônia poderia levar milhões de brasileiros ao estresse térmico, especialmente na região Norte.
Em 2022, novamente a Communications Earth & Environment publicou um estudo que mostrava que áreas tropicais e subtropicais, o Brasil entre elas, podem vivenciar temperaturas consideradas “perigosas” para a saúde humana pela maior parte do ano, com o avanço da crise do clima no século 21.
Por fim, recentemente, a partir de simulações em computador, a Nasa traçou como o planeta ficará com um aumento de 2°C na média da temperatura terrestre —em comparação à média de temperatura do período pré-industrial (1850-1900).
Entre as regiões mais afetadas do mundo aparecem o Norte e o Centro-Oeste brasileiros, com possibilidade de diminuições de chuva, perda da umidade relativa do ar e avanço do chamado “fire weather” (basicamente, risco de grandes incêndios).
A diferença é que tais estudos olham para o futuro, ressalta Lincoln Alves, climatologista do Inpe. “Não estamos falando de futuro [na análise], estamos falando de presente. As projeções já estão se confirmando antes do que era projetado”, diz o pesquisador sobre o relatório que liderou.
Partes do Centro-Oeste, inclusive porções do Pantanal, constam no mapa criado pelo INPE como áreas que tiveram aumento considerável na tendência de temperaturas máximas.
Vale lembrar que, nos últimos anos, o Pantanal, a maior planície alagável do mundo, vem enfrentando secas e incêndios devastadores. O bioma também perdeu uma fatia enorme de sua superfície d’água, segundo dados do MapBiomas Água.
O Acordo de Paris aponta que o mundo deve buscar limitar o aumento de temperatura média global a 2°C, em comparação à média de temperatura do período pré-industrial, mas, preferencialmente, ficando o aumento limitado a até 1,5°C. Atualmente, no mundo, a temperatura já aumentou 1,1°C.
Pode parecer quase nada, mas esses poucos graus Celsius de temperatura fazem uma grande diferença. O mês passado foi o julho mais quente já registrado na história.
E, segundo Alves, para várias regiões do Brasil, conforme a análise feita, o limite de 1,5°C pode já ter ficado para trás. O climatologista destaca que esse tipo de análise é importante para se pensar em medidas de adaptação para diferentes regiões do Brasil.
De toda forma, vale destacar que não é só a mudança climática global que explica os dados observados na análise do Inpe. O contexto regional também influencia, como processos de urbanização – que se intensificaram na segunda metade do século 20 – e mudança do uso do solo, ou seja, desmatamento, que, além de ser a maior fonte de emissões de gases-estufa do país, impacta o comportamento climático local.
Impactos
O aumento de temperatura decorrente, inequivocamente, da atividade humana – especialmente as emissões de gases-estufa -, não termina em si mesmo. Há diversos problemas sociais, de saúde, ambientais e econômicos envolvidos.
O calor pode, por exemplo, levar ao aumento da mortalidade entre os mais vulneráveis, como crianças, idosos e pessoas com certas debilidades de saúde. Mortes em ondas de calor, inclusive, já são parte do presente.
O calor mais intenso pode ainda colocar em risco os sistemas de saúde, com pacientes sofrendo com o estresse térmico e possíveis problemas de infraestrutura relacionados às temperaturas elevadas.
Em junho deste ano, regiões da Índia viveram situação do tipo, com elevado número de mortes ocorrendo e sendo conectados a altíssimas temperaturas, que ultrapassaram os 40°C e com a umidade do ar acima de 50%. Ao mesmo tempo, as autoridades disseram que investigariam as mortes, mas não fizeram conexão direta com o calor massacrante.
Doenças infecciosas como malária, zika, dengue e chikungunya também podem ganhar mais campo e tempo de ação com um planeta mais quente.
Deve-se levar em conta, ainda, os impactos na paraça de trabalho e na economia. Um estudo recente, por exemplo, aponta que, já na próxima década, um fracasso global em reduzir emissões poderá resultar em um rebaixamento em notas de crédito soberano, o que pode levar ao aumento de custos da dívida em dezenas de países.
Fonte: Folha SP.
-Foto: Lalo de Almeida – 4.set.2022/Folhapress.