Brasil tem níveis de alerta para poluição mais frouxos do que em outros países

A cidade de São Paulo registrou por dois dias seguidos a pior qualidade do ar no mundo, segundo o ranking da empresa suíça IQAir, que monitora a poluição em grandes cidades. A classificação segue parâmetros de qualidade americanos e lista 120 metrópoles conforme dados gerados de estações de governos locais, instituições de pesquisa e organizações sem fins lucrativos.

A capital paulista e várias regiões do Brasil têm sofrido com a escalada de incêndios, que espalham fumaça por todo o País. Para piorar, o tempo seco – o Brasil enfrenta a maior estiagem em pelo menos sete décadas – dificulta a dispersão dos poluentes.

Os valores que definem os episódios críticos de poluição firam estabelecidos em resolução de 2018 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente.

Estudo divulgado pelos institutos Ar e Alana este ano compara os parâmetros para definição de alerta e emergência referentes à qualidade do ar em nove nações. O Brasil adota um dos limites mais altos de concentração de poluentes para decretar emergência, conforme o trabalho. Ou seja, permite nível de poluição maior antes de tomar medidas mais drásticas.

O Ministério do Meio Ambiente disse em nota que “os valores de referência previstos na mencionada resolução estão sendo revistos e irão compor a proposta de resolução (do) Conama que pretende atualizar o Programa Nacional de Controle da Qualidade do Ar (Pronar)”. “A proposta de atualização está sendo construída pelo MMA em parceria com o Ministério da Saúde. Já o Ministério da Saúde trabalha em conjunto com o Instituto Nacional de Saúde do México, que possui muita expertise nessa matéria, de modo a alinhar os procedimentos”, acrescentou.

Para especialistas ouvidos pelo Estadão, as definições de emergência e os planos de resposta estão aquém do necessário para o nível de poluição e má qualidade do ar resultantes da crise climática.

Doenças respiratórias, cardíacas e acidentes vasculares cerebrais estão no rol de doenças causadas por poluentes do ar.

O material particulado MP2,5 é o mais preocupante para a saúde humana. O decreto de 2013 prevê declarar esse nível de atenção quando a poluição atingir concentração de 125 microgramas por metro cúbico na média de 24 horas. Nessa concentração, Chile, Colômbia e Cidade do México já estariam em estado de alerta, conforme o estudo do Instituto Ar com o Alana.

“A gente faz muito pouco. E quando faz é muito tarde”, diz o professor da Faculdade de Medicina da USP Paulo Saldiva. Para ele, falta um plano de intervenção com medidas que sejam mais consistentes e comunicação mais assertiva sobre os efeitos da poluição para a saúde.

“Tem de dizer exatamente o que está acontecendo, qual é o excesso de internações e de mortalidade esperada (em decorrência da poluição)”, afirma. “É gente que adoece e morre antes do tempo também. Felizmente, a grande maioria das pessoas suporta, mas nem sempre é assim”, alerta. Entre os mais vulneráveis, estão idosos, crianças com menos de cinco anos e pessoas com comorbidades.

Parâmetros de episódios críticos devem ser atualizados, dizem especialistas

Segundo JP Amaral, gerente de Natureza do Instituto Alana, a defasagem nos níveis de episódios críticos de poluição do ar previstas por normas federais e estaduais é um dos obstáculos para que governos locais tomem medidas mais efetivas.

“Quando se atinge metade dos níveis (de poluição do ar) que encontramos hoje em São Paulo, países da Europa deflagram situação de emergência e tomam diversas ações: fecham escolas, bloqueiam o trafego de veículos no centro expandido, dão gratuidade no metrô, paralisam indústrias”, diz Evangelina Vormittag, especialista em poluição e diretora do Instituto Saúde e Sustentabilidade.

Na definição do Conama, episódio crítico é quando há “presença de altas concentrações de poluentes na atmosfera em curto período de tempo, resultante da ocorrência de condições meteorológicas desfavoráveis à dispersão” desse material.

“A principal medida que São Paulo tem historicamente para restringir a emissão principalmente nesses picos de poluição é o rodízio (de veículos na capital). Mas hoje não é mais suficiente. Temos de ter outras ações”, diz Amaral.

Segundo o gerente de natureza do Instituto Alana, é necessário criar zonas de baixa emissão onde fique suspensa a circulação de veículos na cidade e, eventualmente, determinar a suspensão de aulas e outras atividades com foco na proteção dos grupos mais vulneráveis, que inclui crianças e idosos.

O plano para episódios de contaminação do ar da região metropolitana de Bucaramanga, na Colômbia, prevê suspender aulas em áreas que apresentam níveis específicos de concentração de poluentes e até evacuar a população exposta à poluição no perímetro em casos de emergência.

Em Londres, além de já haver zonas de baixa emissão permanentemente em vigor na cidade, o programa municipal Health School Street adota estratégias de longo prazo para melhorar a qualidade do ar no entrono das escolas, como reduzir o tráfego de veículos, a implementar ciclofaixas e de parques, além de monitorar a poluição nesses locais.

Quais as respostas do governo?

No dia 10/09, o governo do Estado divulgou novas diretrizes diante da piora da qualidade do ar. Entre eles, recomenda evitar atividades físicas ao ar livre, aumentar o consumo de água, manter portas e janelas fechadas para reduzir a entrada de partículas de fora para dentro das residências e utilizar máscaras do tipo N95, PFF2 ou P100 em regiões de queimadas.

Estudo publicado em 2018 por cientistas brasileiros na revista Scientific Reports, do grupo Nature, mostrou que ônibus e caminhões são responsáveis por cerca de metade da poluição atmosférica da Grande São Paulo, apesar de representarem só 5% da frota veicular.

A Prefeitura informa que a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social está com dez tendas montadas na cidade, distribuindo água, sucos e frutas e atendendo pets. A ação é parte da Operação Altas Temperaturas, iniciada em 2023 como resposta às ondas de calor.

Entre as medidas mais amplas para reduzir emissões, citou a compra das primeiras viaturas elétricas para a Guarda Civil Metropolitana – são previstos 50 veículos até o fim do ano – e todos os caminhões de coleta de lixo, hoje movidos à diesel, serão trocados por modelos a gás metano até o fim de 2026.

A eletrificação da frota de ônibus também está em andamento, com 180 veículos movidos à bateria e 201 trólebus e incentivo fiscal para quem tem carro elétrico. O Brasil, porém, está atrás de Chile e Colômbia quando se trata da eletrificação do transporte público – e a capital paulista não conseguiu cumprir a meta de 2,4 mil ônibus elétricos até o fim deste ano.

Em nota, o Ministério do Meio Ambiente disse também que a Política Nacional da Qualidade do Ar, recentemente publicada, “determina a criação do Plano para Episódios Críticos de Poluição do Ar”. “O plano busca aprimorar a gestão da qualidade do ar, prevenindo graves e iminentes riscos à saúde pública por meio de medidas preventivas e de resposta rápida. Inclui o diagnóstico das situações de risco, ações principais para enfrentamento dos episódios críticos e critérios claros para determinar quando tais episódios devem ser declarados”.

Fonte: Estadão.

Foto: Tiago Queiroz/Estadão