Anos depois de vencer indústria do tabaco nos tribunais, Califórnia, nos EUA, mira combustíveis fósseis

A Califórnia tem algumas das regulamentações ambientais mais rígidas dos Estados Unidos. Às vezes, esses padrões podem se espalhar para outros estados e além. Os especialistas os chamam de “Efeito Califórnia”. Com uma população de 39 milhões, a maior do país, constitui um mercado tão grande que qualquer coisa que o estado faça terá repercussão entre as empresas nacionais e globais.

Agora, a Califórnia acaba de abrir um amplo processo climático contra a Exxon Mobil, Shell, BP, ConocoPhillips e Chevron. E, de maneira idêntica, contra o maior lobby da indústria petrolífera nacional, o American Petroleum Institute. A ação, movida no Tribunal Superior de São Francisco, alega que as empresas enganaram o público durante décadas sobre as mudanças climáticas e os perigos dos combustíveis fósseis.

A indústria do petróleo na berlinda de novo

As indústrias do petróleo e do tabaco são comumente associadas às mentiras ao público nos Estados Unidos e no mundo. As primeiras, negando os efeitos de combustíveis fósseis no aquecimento do planeta. As segundas, contestando o efeito do tabaco e sua relação direta com o câncer.

Assim como aconteceu nos processos judiciais contra a indústria do tabaco, que nos anos 1990 provaram que os fabricantes de cigarros possuíam evidências ocultas que ligavam o tabagismo ao câncer, a tese sustentada pela Califórnia é que as empresas petrolíferas sabem há décadas exatamente quão nocivos os seus produtos podem ser e utilizaram campanhas de desinformação para atrasar qualquer ação climática contra os combustíveis fósseis.

Documentos internos da Exxon das décadas de 1970 e 1980, por exemplo, falam sobre a rapidez com que o CO₂ proveniente de combustíveis fósseis se acumularia na atmosfera e previram (corretamente) o quanto isso aqueceria o planeta e quais seriam os efeitos prováveis.

“Eles conversaram sobre quais eram as opções para evitar esses impactos. Basicamente, a resposta que encontraram foi que, para evitar estes impactos catastróficos – e usam palavras como ‘catastrófico’ – precisavam começar a substituir os combustíveis fósseis imediatamente, porque sabiam que seriam necessárias muitas décadas para conseguir isso. Então não era algo que pudesse ficar para depois. No entanto, foi exatamente isso que eles fizeram”, afirma Benjamin Franta, fundador do Laboratório de Litígios Climáticos da Universidade de Oxford, à Fast Company.

O processo afirma que, à medida que a ciência climática progredia, o setor começou a atacar a credibilidade dos cientistas, com, entre outras medidas, a criação da Global Climate Coalition, um grupo concebido para difundir a negação climática. “Esta indústria estava prevendo que os seus próprios produtos iriam causar a ocorrência de uma catástrofe global irreversível e não avisou ninguém sobre isso. Eles não tomaram medidas proativas para evitar os danos. E então, quando outros começaram a tentar agir, a indústria interveio para bloqueá-los”, afirma Franta.

Em 2020 a BBC desmascarou ambas. A rede provou que financiavam cientistas e médicos para negarem o óbvio. Além disso, os dois setores gastaram milhões de dólares em campanhas publicitárias com o claro objetivo de confundir o público.

A Califórnia decidiu dar o troco. A ação exige que as empresas ajudem a financiar os esforços de recuperação relacionados com os eventos climáticos extremos no estado. Desde a subida do nível do mar até à seca e aos incêndios florestais.

Rob Bonta, procurador-geral da Califórnia, disse que “as empresas de petróleo e gás conhecem a verdade há décadas – que a queima de combustíveis fósseis leva às alterações climáticas – mas alimentaram-nos com mentiras e inverdades para aumentarem os seus lucros recordes à custa do nosso ambiente.”

Gigantes do petróleo já enfrentam dezenas de ações judiciais

Segundo o National Public Radio, os gigantes do petróleo já enfrentam dezenas de ações judiciais de estados e localidades devido ao seu papel nas alterações climáticas. O caso da Califórnia aumenta as ameaças legais que a indústria dos EUA enfrenta. A decisão paraça as empresas a defenderem-se contra a maior economia dos EUA e um importante estado produtor de petróleo.

O governador Gavin Newsom disse que os danos causados pelo engano das empresas eram “incalculáveis”. E que o seu estado está preparado para impor a responsabilização. “Acreditamos que a escala e o escopo do que o estado da Califórnia pode fazer podem mudar o rumo”, disse em uma discussão organizada pela Semana do Clima de Nova York.

O Guardian, que também repercutiu o processo, explicou: ‘A queixa de 135 páginas argumenta que as empresas sabem, pelo menos desde a década de 1960, que a queima de combustíveis fósseis aqueceria o planeta e mudaria o clima. Entretanto, minimizaram a ameaça iminente em declarações públicas e no marketing (ou seja, o caso da  BBC mencionado).

‘Afirmou que os cientistas das empresas sabiam, já na década de 1950, que os impactos climáticos seriam catastróficos. Além disso, sabiam que havia apenas uma janela de tempo estreita durante a qual as comunidades e os governos poderiam responder.’

Relembrando a fraude descoberta pela BBC

E, mais uma vez relembrando a fraude, diz o Guardian: ‘Em vez disso, afirma o processo, as empresas montaram uma campanha de desinformação que começou pelo menos já na década de 1970 para desacreditar um consenso científico crescente sobre as alterações climáticas. E contestaram os riscos relacionados.

O jornal ouviu Kathy Mulvey do Union of Concerned Scientists: “O processo aumenta o impulso crescente para responsabilizar as grandes petrolíferas pelas décadas de fraude e garantir o acesso à justiça para pessoas e comunidades que sofrem com condições climáticas extremas provocadas por combustíveis fósseis e desastres como a subida do nível do mar.”

Por último, as alegações no processo incluem culpar as empresas por criarem ou contribuírem para as alterações climáticas na Califórnia, publicidade falsa, danos aos recursos naturais e práticas comerciais ilegais por enganarem o público.

Este não é o primeiro processo movido contra a indústria fóssil, a maior emissora de gases de efeito estufa – que agravam o aquecimento global e as mudanças climáticas – mas a dimensão da Califórnia, que se fosse um país seria a quinta maior economia do mundo, torna o caso mais notório. E fontes ouvidas pela Fast Company acreditam que outros estados podem segui-la.

Se a Califórnia sair vencedora desta ação judicial, os impactos poderão ser significativos, diz Franta. Para além de conceder ao Estado mais financiamento contra desastres ambientais cada vez maiores, o desfecho poderia levar as empresas petrolíferas a mudarem de comportamento e revelar ainda mais sobre as informações que a indústria tinha em mãos nas últimas décadas.

Fontes: Mar Sem Fim, Um Só Planeta.

Imagem: CNN.