Se fosse um país, o bife brasileiro seria o sétimo maior emissor do planeta, à frente do Japão, mostra estudo. Produção de alimentos como um todo responde por 74%
A cadeia da carne emitiu, em 2021, cerca de 1,4 bilhão de toneladas brutas de CO2 equivalente na atmosfera. Isso representou cerca de 57% do total emitido pelo país naquele ano (2,4 bi ton). Os dados são de um estudo inédito lançado nesta terça-feira (24) pelo Observatório do Clima e organizações parceiras.
O trabalho estimou as emissões dos sistemas alimentares como um todo no país, no ano de 2021. O resultado que encontraram foi que a produção de alimentos no Brasil foi responsável pela emissão de 1,8 bilhão de toneladas de CO2eq no ano em questão, sendo a produção de carne o maior vilão, sendo a maior parte vindo não da produção de alimentos em si, mas do desmatamento para conversão de vegetação nativa em lavouras e pastos.
O estudo, contabiliza o desmatamento e a mudança no uso da terra, as emissões da agropecuária, como o arroto do boi, que produz metano, o uso de energia, a produção de resíduos nos processos agrícolas e industriais.
Do 1,8 bilhão de toneladas de gases emitidas em 2021 pelo sistema de produção de alimentos, 77,6% vem da produção de carne. Dessas, 70,6% da mudança no uso da terra — ou seja, desmatamento. Outros 29,2% vem da produção em si. Os outros 0,2% vem do uso de energia e produção de resíduos.
Se fosse um país, mostra o estudo, a carne bovina brasileira seria o sétimo maior emissor de gases do mundo, à frente do Japão.
Em 2019, ano em que há dados comparativos mais recentes, o Brasil era o terceiro maior emissor no mundo de gases do efeito estufa na produção de alimentos, atrás da China e da Índia e na frente dos Estados Unidos.
Mas, ao contrário desses quatro países, onde a maior parte das emissões vem de atividades agropecuária na pré e na pós produção de alimentos, o peso das emissões no Brasil recai sobre o desmatamento. Ou seja, a recuperação e o uso de terras degradadas para plantação e criação possivelmente faria do Brasil um produtor mais limpo que seus principais concorrentes.
“Ele demonstra, para além de qualquer dúvida, que está nas mãos do agronegócio o papel do Brasil como herói ou vilão do clima. Até aqui, o setor parece querer que o país encarne o vilão, tentando destruir a legislação sobre terras indígenas, legalizar a grilagem e acabar com o licenciamento ambiental, ao mesmo tempo em que manobra no Congresso para ficar totalmente livre de obrigações no mercado de carbono”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
O estudo mostra, por exemplo, que o investimento em recuperação e manejo de solo, com propostas que capturam carbono, já faz o país ter uma captura de carbono de 200 milhões de toneladas de CO2 por ano. Com ainda 96 milhões de hectares de terras degradadas — que emitem carbono — o país tem um imenso potencial de multiplicar essa captura.
O que é preciso, dizem os pesquisadores, é dar escala para políticas que incentivem tecnologias de baixas emissões para agropecuária, como plantio direto, recuperação de pastagens com níveis de degradação e implementação de sistemas integrados.
“Por exemplo, em 2021, os solos brasileiros que possuem alguma prática considerada conservacionista, como a aplicação de plantio direto, recuperação de pastagens com níveis de degradação e implementação de sistemas integrados, foram responsáveis pela remoção de 370,8 MtCO2 (toneladas de dióxido de carbono equivalente)”, aponta o estudo.
Estimativas inéditas
Esta é a primeira vez que um grupo de pesquisadores se debruça sobre as emissões dos sistemas alimentares no país. As emissões da produção de alimentos no mundo estão na ordem do dia das negociações climáticas pelo menos desde 2019.
Naquele ano, o Painel Científico da ONU para Mudanças Climáticas (IPCC) publicou um relatório mostrando que até 37% da emissão de gases estufa do mundo é causada pela alimentação humana.
As emissões consideradas no caso brasileiro incluem o gás carbônico que vai para o ar quando a vegetação nativa é convertida em lavouras e pastos, as emissões diretas da agropecuária – como o metano do “arroto” do boi – os combustíveis fósseis queimados por máquinas agrícolas e pelo transporte da comida, o uso de energia na agroindústrua e nos supermercados e os resíduos sólidos e líquidos de todos esses processos.
“Esse relatório deveria ser lido pelos representantes do agronegócio e pelo governo como um chamado à responsabilidade. Ele demonstra, para além de qualquer dúvida, que está nas mãos do agronegócio o papel do Brasil como herói ou vilão do clima. Até aqui, o setor parece querer que o país encarne o vilão, tentando destruir a legislação sobre terras indígenas, legalizar a grilagem e acabar com o licenciamento ambiental, ao mesmo tempo em que manobra no Congresso para ficar totalmente livre de obrigações no mercado de carbono”, diz Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
Fontes: ((O))Eco, G1.
Foto: Márcio Isensee e Sá.