A atividade de Chernobyl está interrompida desde 2000, mas a radioatividade do local, resultante da explosão de um dos seus reatores 22 anos antes, sente-se, ainda assim, até hoje.
Vinte e seis anos depois de um dos reatores de Chernobyl ter explodido e causado mais de 4 mil mortes diretas e indiretas, a planta nuclear voltou, este ano, a chamar a atenção do mundo para os perigos da radioatividade. A invasão russa colocou em perigo o funcionamento do local e trouxe de volta memórias do acidente passado. Mas se existem riscos associados, por que continua a planta, ainda hoje, a ter mais de 2 mil trabalhadores e por que só interrompeu atividade 14 anos depois da explosão?
Quando há mais de duas décadas uma das turbinas da planta nuclear de Chernobyl explodiu, o mundo pôde, mais uma vez, ver os efeitos nocivos da radioatividade não apenas no ambiente, mas no ser humano, tanto a curto como a longo prazo. O acidente ocorreu a 26 de abril de 1986 e “foi o produto de uma falha num projeto de um reator soviético, juntamente com erros graves cometidos pelos operadores da central elétrica. Foi uma consequência direta do isolamento da Guerra Fria e da resultante falta da qualquer cultura de segurança”, explica a Associação Nuclear Mundial.
O acidente levou à explosão do reator 4 de Chernobyl, um dos quatro existentes, e apesar de ter causado, segundo estimativas da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), a morte de mais de 4 mil pessoas, duas delas diretamente pela explosão, 28 da síndrome de radiação aguda e as restantes de outras complicações que se foram fazendo sentir meses e anos mais tarde, apenas 5 % do núcleo do reator radioativo foi libertado para o meio ambiente. Esses números reforçam o perigo de uma explosão nuclear não só para a vida humana, mas para toda a vida na Terra.
As consequências do acidente foram diversas e sentidas em todas as faixas etárias. Um aumento significativo de câncer na tireoide foi registado nos anos que se seguiram a ele, com especial incidência nas crianças. Mas outras causas foram identificadas enquanto estudos sobre os impactos da radioatividade iam sendo realizados e outros problemas médicos iam também sendo retirados da lista de possíveis consequências do acidente de Chernobyl. Mais de 350 mil pessoas foram deslocadas das suas casas após o acidente.
O material radioativo libertado depositou-se não apenas na Ucrânia, onde se encontra a central, mas também em países como a Bielorrússia, a Rússia e alguns outros locais da Europa, estando, ainda hoje, presente no solo que rodeia Chernobyl no formato de “poeira e detritos” e deixando as regiões que rodeiam Pripyat, a cidade que abriga a central elétrica, e as zonas a cerca de cem quilômetros de Kiev, cidade próxima de Chernobyl, inabitáveis. Esses locais mereceram, por isso, a designação de zona de exclusão, por definirem os limites das regiões que não estão aptas para habitação devido aos elevados níveis de radiação, prejudiciais ao ser humano, que apresentam.
“O desastre de Chernobyl foi um evento único e o único acidente na história da energia nuclear comercial onde ocorreram fatalidades relacionadas à radiação”, realça a associação. Ainda assim, e apesar dos muitos efeitos que teve no âmbito de capital humano, a central elétrica continuou a funcionar e a produzir energia durante mais 14 anos.
O pós acidente
Nos cerca de 14 anos que se seguiram ao acidente, a central nuclear de Chernobyl manteve a sua atividade utilizando os três reatores (1, 2 e 3) que haviam sobrevivido à explosão, inicialmente sob as ordens da União Soviética e, mais tarde, da Ucrânia. A central permitiu garantir o abastecimento de eletricidade da região, uma das principais razões para não ter fechado depois do ocorrido.
Durante os seus anos de atividade, Chernobyl mantinha-se um local de risco, mas nem por isso deixou de receber diariamente milhares de trabalhadores. “Embora a radiação fosse alta para os padrões de trabalho atuais, permitia o trabalho normal dos operadores sem que isso fosse fatal para os mesmos”, explica à BBC o engenheiro nuclear argentino Aníbal Blanco, investigador da Comissão Nacional de Energia Atómica (CNEA) e especialista no acidente de Chernobyl. Blanco realça, no entanto, que “de acordo com as normas internacionais vigentes sobre a proteção radiológica dos trabalhadores da área nuclear, hoje o trabalho não seria permitido nessas condições”.
Após o acidente de 1986, cerca de 200 toneladas de material radioativo ficaram a céu aberto, suscetíveis de se depositarem pela região e pelo próprio continente. Perante a ameaça de que tal acontecesse, as autoridades ordenaram a construção imediata de uma infraestrutura que evitasse que esse tipo de material vazasse.
A construção foi feita o mais rápido possível, mas nem sempre nas melhores condições, pelo que o seu prazo de eficiência foi estabelecido como sendo, no máximo, de 30 anos. Os próprios trabalhadores só podiam permanecer nos seus postos por curtos períodos de tempo devido aos elevados níveis de radiação.
A queda de parte da infraestrutura voltou a desenterrar o risco de material radioativo se espalhar, razão pela qual foi necessário um rápido investimento numa nova infraestrutura, concluída em 2016, sete anos depois do começo da construção, e projetada para conter materiais radioativos durante pelo menos um século, como documenta a BBC. Hoje os riscos são mais controlados, mas continuam a ser feitos investimentos no emprego de trabalhadores e em algum material de controle.
A poeira depositada e a ligeira subida nos níveis de radiação
Quando as tropas russas tomaram Chernobyl, encontravam-se, na central, cerca de 200 trabalhadores, que foram paraçados a permanecer na infraestrutura durante 25 dias, apesar de tal não ser recomendável dado aos elevados níveis de radioatividade do local. “Eles foram feitos reféns e mantidos lá à paraça”, denuncia o deputado ucraniano.
As autoridades russas negaram toda e qualquer acusação, assegurando que o fornecimento de energia da central nunca foi cortado e responsabilizando a Ucrânia de qualquer eventual incidente que lá pudesse ocorrer.
O futuro de Chernobyl
Atualmente existem planos para cessar todas as atividades em Chernobyl e desmontar a central até 2064, num processo considerado complexo por Blanco, por exigir “um planeamento cuidadoso”.
Os cientistas criaram um plano com as etapas a serem implementadas até aquele ano e o estado está disposto a financiar e a implementar essas medidas.
A central pode até ser desmantelada mais cedo, mas “o problema de Chernobyl pode ficar por milênios”.
Fonte: Revista Visão.