Milão, Paris, Berlim, Edimburgo e Dublin aumentarão a rede ciclável e anunciaram reforços importantes entre o final de 2021 e estes dias de 2022. A Comissão Europeia também reconheceu a importância da mobilidade ativa no combate às alterações climáticas. As transformações vieram à boleia da pandemia, mas a mudança vai para além da construção.
A 14 de dezembro de 2021, foi apresentado o pacote “Efficient and Green Mobility” da UE, com propostas de nova legislação para a Rede Transeuropeia de Transportes (RTE-T), de forma a priorizar as deslocações a pé, de bicicleta e de transportes públicos – a ser cumprido, as 424 maiores cidades da RTE-T terão de desenvolver um plano de mobilidade urbana sustentável que promova a mobilidade sem emissões e que fomente o uso dos transportes públicos e a construção de infraestruturas para pedestres e ciclistas.
“Está bastante claro que a mobilidade dentro das cidades é a chave para as transferências modais”, explica Mário Alves, fundador da MUBi (Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta). “E por isso a bicicleta e o andar a pé têm tido alguma prioridade na estratégia europeia”.
Milão com ligação ao centro e aos subúrbios
Em 2020, o plano Strade Aperte anunciava mais 35 quilómetros de ciclovia na cidade de Milão, um acrescento aos 200 quilómetros já existentes na cidade. Mas em 2022 o projeto Cambio Biciplan vai ainda mais longe: propõe ligar 80% de Milão e dos seus subúrbios através de 24 linhas, num total de 750 quilómetros de ciclovia (algumas linhas já existem, outras serão construídas) até ao ano de 2035.
Hospitais, escolas, estações de comboio e de metro estarão à distância máxima de um quilómetro de ciclovias, que se vão munir de infraestruturas como sensores de movimento, dispositivos digitais e cabos de fibra ótica.
Dublin a pé e de bicicleta
Em 2011 e 2013, a cidade de Dublin era uma das 20 melhores cidades para se andar de bicicleta, segundo o Copenhagenize index. Nessa altura, anunciou-se
um projeto de construção de 500 para 2400 quilómetros de ciclovia, mas o plano não seria totalmente concretizado, e Dublin caía assim do seu pedestal.
No final do ano passado, o governo irlandês aprovou planos para a criação de mais rede ciclável como parte da sua estratégia contra a emergência climática – e Dublin quer recuperar o seu lugar no pódio com a construção, até 2025, de 500 quilómetros de infraestruturas para andar a pé e de bicicleta.
Mas há mais medidas a serem empreendidas: o National Cycle Manual (uma publicação que inclui a estratégia ciclável nacional e os planos de desenvolvimento da rede para cada autoridade local) vai ser atualizado e planeia-se a construção de mais trilhos verdes para ciclistas e pedestres.
Este plano vem dar continuidade ao investimento de 240 milhões de euros para a construção de infraestruturas que tinha sido anunciada em fevereiro de 2021 – foi assim que a Irlanda se tornou o primeiro estado membro da União Europeia a cumprir a recomendação da European Cyclists’ Federation de investir 10% do seu orçamento para o uso da bicicleta.
Paris 100% ciclável
Em Paris foi lançado o segundo capítulo do famoso Plan Vélo. Quem está no comando desta sequela é uma vez mais a Presidente da Câmara Anne Hidalgo, eleita para um segundo mandato e candidata presidencial – e que quer tornar Paris numa cidade 100% ciclável.
O investimento na capital francesa será de mais de 250 milhões e contempla a construção de mais de 180 quilómetros de ciclovia que serão acrescentados aos 300 quilómetros já existentes. Serão também criados mais de 130 mil lugares de estacionamento para bicicletas (incluindo cargo bikes).
Os 52 quilómetros de pistas pop-up que já existem em Paris (ciclovias temporárias criadas com postes ou pictogramas nas faixas de rodagem) vão também tornar-se permanentes.
Berlim e uma rede de 3 mil quilómetros
E precisamente em Berlim, onde nasceram as ciclovias pop-up, foi anunciado o plano Radverkehrsplan para a construção de uma rede de 3 mil quilómetros de ciclovia nos próximos dois anos. Neste momento, a rede é de 1500 quilómetros.
No plano, estipula-se que 865 quilómetros serão dedicados a uma rede prioritária que vai ligar os principais pontos da cidade, 1506 quilómetros destinar-se-ão a uma rede secundária e, por fim, os últimos 550 quilómetros serão construídos nas ruas principais que não pertencem à rede de tráfego mas serão expandidas para o uso da bicicleta.
Edimburgo com 141 milhões de euros
A cidade escocesa de Edimburgo vai também aumentar a sua rede ciclável em 52 milhas (cerca de 83 quilómetros), um acrescento à rede ciclável de 211 quilómetros e aos 36 quilómetros de ruas segregadas para pedestres, criando-se pela primeira vez uma rede coesa por toda a cidade para se andar de bicicleta e a pé.
O investimento é 118 milhões de libras (aproximadamente 141 milhões de euros) e o plano inclui medidas para auxiliar os pedestres, como lancis rebaixados e passadeiras subidas.
Europa é “expectável”, nas palavras de Mário Alves. “Era algo que todos os especialistas já consideravam extremamente importante por causa da questão da descarbonização”, diz o fundador da MUBi. “O transporte é o setor mais problemático, porque estamos a falar de emissões dispersas, não são como as emissões em atividades fabris que são mais fáceis de controlar”.
Houve um fator que acelerou esta evidência: a pandemia. “As cidades europeias de repente compreenderam que era o momento ideal para alterar a política”, diz Mário Alves. “Claro que as cidades que já tinham algum planeamento avançaram mais depressa”.
O estudo Provisional Covid-19 infrastructure induces large, rapid increases in cycling, de Sebastian Kraus e Nicolas Koch, confirma esta realidade. A pandemia veio arrancar as bicicletas das garagens num momento em que se exigia distanciamento social. A 8 de julho de 2020, já tinham sido anunciadas 2 mil quilómetros de alterações nas infraestruturas das cidades europeias para o uso da bicicleta – muitas delas temporárias, como as ciclovias pop-up.
O estudo, que recolheu dados entre março e julho de 2020 como o tamanho das novas ciclovias e o número de ciclistas em 106 cidades europeias, concluiu que, nas cidades onde se criaram estas ciclovias, os ciclistas aumentaram entre 11 a 48% mais do que nas cidades onde não se construiu rede ciclável.
Mas a mudança iniciada pela pandemia não passa só pela construção de ciclovias, adverte Mário Alves. Passa também pela redução dos lugares para estacionamento automóvel e pelo aumento dos lugares para estacionamento de bicicletas – aspeto que foi tido em conta ao apresentar-se na Comissão Europeia a revisão da proposta “Energy Performance of Buildings Directive (EPBD)” para a inclusão de infraestruturas para o estacionamento de bicicletas nas imediações dos edifícios das cidades.
Para Mário Alves outra questão essencial seria reduzir a velocidade automóvel. “Só assim as pessoas se sentirão mais seguras”, explica. “Até porque seria muito difícil e até mesmo errado construir ciclovias para todas as vias”. Não há uma medida que possa resolver por completo a questão da mobilidade nas cidades, diz o especialista – a solução está, sim, num “conjunto de medidas coerentes, orçamentadas entre si”. “Vai ser uma luta complicada, mas possível”, garante.
Fonte: A Mensagem de Lisboa.