Nas profundezas do Oceano Pacífico, ao largo da costa do México, os cientistas descobriram que o oxigênio não vem de organismos vivos, mas sim de nódulos polimetálicos, uma espécie de pequenas pedras. A descoberta coloca em debate a teoria sobre as origens da vida na Terra, de acordo com um estudo.
Este peculiar “oxigênio negro” é produzido por um processo diferente da fotossíntese, a mais de 4.000 metros de profundidade, na planície abissal da zona de fratura de Clarion-Clipperton, no centro do Pacífico, em frente à costa oeste do México.
Os nódulos polimetálicos são agregados minerais ricos em metais (manganês, cobre, cobalto…) muito procurados pela indústria para fabricação de baterias, aerogeradores ou painéis fotovoltaicos.
Hoje, os cientistas frequentemente alertam sobre o fato de conhecermos muito pouco sobre vários aspectos dos oceanos. Eles ressaltam que exploraram menos de 5% do subsolo marinho e usam esses argumentos quando surgem novas ameaças, como a mineração submarina, que discutimos recentemente.
Pesquisadores como Sylvia Earle, Elizabeth Kolbert e Enric Sala, três gigantes da conservação, repetem este mantra: “mal exploramos o reino mais escuro do oceano e já o estamos destruindo.” A mais recente prova dessa realidade, em outras palavras, de nossa ignorância, é a descoberta da produção de ‘oxigênio negro’, assim chamado porque não depende de fotossíntese, ocorrendo no fundo do mar a 4.000 metros abaixo da superfície, onde nenhuma luz pode penetrar.
O aspecto surpreendente está na crença anterior de que apenas processos biológicos, como a fotossíntese, produzissem a substância essencial à vida. Foram mais de 10 anos de pesquisa para descobrir de onde o elemento estava vindo — e ele é chamado, agora, de “oxigênio escuro”. Mas o que isso significa?
Oxigênio escuro marinho
A Zona Clarion-Clipperton abarca cerca de 4,5 milhões de km², abrigando inúmeras rochas de cobalto, cobre, lítio, manganês e níquel. Esses nódulos metálicos, especificamente os de manganês, produzem uma carga elétrica, o suficiente para alimentar uma pilha AA. Isso se chama eletrólise de água salgada.
É através desse processo elétrico que a água do mar acaba sendo dividida entre hidrogênio e oxigênio, o que foi confirmado em laboratório. Como tudo isso acontece no fundo do mar, longe de qualquer fonte de luz ou processos biológicos, o nome mais adequado que os cientistas encontraram para seu produto foi “oxigênio escuro”.
A descoberta aconteceu durante estudos da Associação Escocesa de Ciências Marinhas (SAMS), em 2013, justamente para descobrir quanto oxigênio os organismos das profundezas da Zona Clarion-Clipperton consumiam.
Naturalmente, como se achava que o oxigênio do mar vinha exclusivamente de algas, plâncton e plantas próximas, a crença era de que, quanto mais fundo se fosse, mais rarefeito seria o elemento. A reaparição do oxigênio no fundo, há uma década, surpreendeu. Isso quer dizer que a vida aeróbica (que respira oxigênio) pode ter prosperado bem antes da fotossíntese — o que pode, aliás, estar acontecendo em outros planetas.
Um navio da SAMS estava realizando amostragens na área para avaliar o impacto dessa prospecção de metais em um ecossistema que abriga espécies animais únicas, que sobrevivem sem luz.
“Estávamos tentando medir o consumo de oxigênio no fundo do oceano usando câmaras bentônicas”, disse à agência AFP Andrew Sweetman, autor principal do estudo publicado na revista “Nature Geoscience”.
O processo envolve instalar essas câmaras no sedimento marinho e observar como a concentração de oxigênio na água diminui dentro delas, à medida que é absorvido pela respiração dos organismos vivos.
No entanto, algo inesperado ocorreu: “o oxigênio aumentava na água sobre os sedimentos, em completa escuridão e sem fotossíntese”, explicou Sweetman, líder do grupo de pesquisa em ecologia e biogeoquímica de fundos marinhos da SAMS.
‘Implicações de grande alcance que podem ajudar a desvendar as origens da vida’
Para a articulista da CNN, Katie Hunt, ‘o estudo publicado na revista Nature Geoscience, demonstra o quanto ainda não se sabe sobre as profundezas do oceano. O trabalho sublinha o que está em jogo na tentativa de explorar o fundo do mar para obter metais e minerais raros. A descoberta de que existe outra fonte de oxigênio no planeta para além da fotossíntese tem também implicações de grande alcance que podem ajudar a desvendar as origens da vida’.
Estas observações aconteceram quando Andrew Sweetman e equipe estudavam a biodiversidade da zona Clarion-Clipperton, de modo a subsidiar a iminente decisão da ISA – Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos – sobre a liberação da mineração submarina na área. No estudo, foram registradas mais de 5.000 novas espécies vivendo no fundo do mar, muitas, endêmicas. Só isso já é prova suficiente de nossa ignorância sobre o ‘maior ecossistema’ da Terra. Mas, a descoberta quase simultânea da produção de oxigênio sem fotossíntese é algo ainda mais surpreendente.
“O descobrimento da produção de oxigênio por um processo diferente da fotossíntese nos leva a repensar como a vida surgiu na Terra”, comentou Nicholas Owens, diretor da SAMS.
A visão convencional é que o oxigênio começou a ser produzido há cerca de 3 bilhões de anos por cianobactérias, levando ao desenvolvimento de organismos mais complexos.
“A vida poderia ter começado em lugares diferentes da superfície terrestre e perto da superfície do oceano. Dado que este processo existe em nosso planeta, poderia criar habitats oxigenados em outros ‘mundos oceânicos’ como Encélado ou Europa (luas de Saturno e Júpiter) e assim criar condições para a vida extraterrestre”, sugeriu Sweetman.
Ele acredita que este estudo possibilitará uma melhor regulamentação da exploração mineral em águas profundas, com base em informações ambientais mais precisas.
Fontes: Nature Geoscience, G1, Canaltech, Mar Sem Fim.
Imagem: NOAA/Wikimedia Commons.