Como a Holanda evitou alagamentos do mar e dos rios?

Recentemente um grupo de holandeses esteve no Rio Grande do Sul para analisar a situação e propor alternativas ao governo do Estado. Eles atenderam um pedido do Departamento Municipal de Água e Esgotos de Porto Alegre depois da tragédia. Os holandeses fazem parte do programa Redução de Risco de Desastres (Disaster Risk Reduction-DRRS), com sede em Haia, vinculado à Agência Empresarial Holandesa.

A Holanda, ou Países Baixos, é pequena – pouco menor que o Espírito Santo (41,543 km² x 46,077 km²), entretanto é o país mais densamente povoado da Europa, com 17 milhões de habitantes. Um terço de sua área fica abaixo do nível do mar. As diferenças geográficas entre Holanda e Rio Grande do Sul são imensas, mas ambos lutam contra o avanço da água.

“Deus fez o mundo, mas nós (holandeses) fizemos a Holanda”

Esta frase é repetida à exaustão pela população, e com razão, afinal, até agora eles venceram uma batalha contra os elementos; a imensa paraça dos oceanos.

Como? Usando um de seus principais recursos naturais, o vento. Hoje, os Países Baixos têm o dobro do tamanho que tinham há 400 anos.

O principal plano foi isolar seções do mar pouco profundo com centenas de quilômetros de barragens e diques. Depois, drenar cada uma, pedaço por pedaço, até construir um país maior. Durante séculos, os holandeses construíram moinhos de vento. Mais de mil sobreviveram, e muitos ainda funcionam, informa o Ricksteves.

Metade dos 17 milhões de habitantes vivem em áreas de risco

A Phys.org (diariamente destaca notícias de ciência e tecnologia) acrescentou que mais da metade dos 17 milhões de habitantes vivem em áreas de risco de baixa altitude. Contudo, graças ao trabalho árduo, perseverança e muito conhecimento técnico, eles se aconchegam com segurança atrás de uma engenhosa rede de 17.500 quilômetros de diques, dunas e barragens.

Em 2023, o Fórum Econômico Mundial enviou uma delegação para visitar as várias alternativas adotadas pelos holandeses. Em seguida, publicou uma matéria mostrando como o país usa soluções baseadas na natureza para melhorar a segurança.

 ‘O Vale do Silício holandês é a sua experiência em engenharia’

A expertise dos holandeses, adquirida através dos tempos, hoje vale muito. Segundo a Earth Magazine, a experiência em gestão da água é tão antiga quanto a própria Holanda. À medida que os mares globais sobem, os holandeses ainda estão na linha de frente para lidar com inundações e aumento do nível do mar. Essa proeza não está apenas ajudando-os em seus próprios esforços, agora eles “são consultados por todo o mundo, quando vendem sua experiência em engenharia”, diz o jornalista Jeff Goodell, autor do livro de 2017 The Water Will Come: Rising Seas, Sinking Cities, and the Remaking of the Civilized World.

Uma resenha do livro diz que ‘a cada fissura nos grandes mantos de gelo do Ártico e da Antártida, e a cada aumento do termômetro da Terra, estamos nos aproximando de uma catástrofe generalizada’. Para o autor, ‘nosso mundo foi construído para um clima que não existe mais’. Ou seja, quanto mais cedo começarmos a tomar medidas, melhor. E o Brasil está muito atrasado.

Eles estão “tentando exportar essa experiência; é a sua indústria em crescimento. É o seu Vale do Silício.” E as cidades costeiras nos EUA e em outros lugares esperam que a engenhosidade holandesa funcione para elas também para combater os mares invasores.

Como funciona o Sand Motor, que protege a costa norte do país?

Enquanto a tradicional e frequente extração de areia para manter a linha costeira é dispendiosa e tem impactos ambientais negativos, a Sand Motor utiliza processos naturais que criam novos habitats e oportunidades de recreio e desenvolvimento econômico. Em vez de proceder ao abastecimento frequente de areia ao longo da costa, eles depositam um grande volume de areia offshore em Kijkduin. Enquanto isso, o vento, as ondas e o movimento das marés distribuem naturalmente a areia, principalmente na direção norte, o que ajuda a atingir o nível de risco de inundação estabelecido por lei.

O controle dos rios

Esta parte é interessante porque é o mesmo problema de Porto Alegre, Pelotas, e outras cidades cercadas por lagos, em que vários rios deságuam, aumentando muito o volume de água depois dos eventos extremos que ainda castigam o Rio Grande do Sul.

Na semana passada, os diques de verão dos dois grandes rios Reno e Mosa, nos Países Baixos, transbordaram e os diques de inverno, muito mais altos, tiveram de ser transpostos. Este acontecimento, que ocorre uma vez em cada cinco anos, não só proporcionou vistas espetaculares, como também mostrou o conceito típico neerlandês de planícies aluviais controladas, dando mais espaço aos rios para fluírem nos períodos de pico de descarga.

As descargas máximas dos rios que chegam da Alemanha (Reno) e da Bélgica (Mosa) fazem com que os diques baixos de verão do Reno e do Mosa, nos Países Baixos, transbordem facilmente. Nesse caso, os diques de inverno, muito mais altos, assumem a proteção das zonas do delta propensas a inundações. Algumas das quais se situam abaixo do nível do mar.

Este conceito típico de prevenção de inundações, com planícies aluviais transbordantes entre um dique de verão e um de inverno, dá muito mais espaço ao rio para descarregar rapidamente grandes volumes de água para o Mar do Norte.

Como monitoram as cabeceiras de rios, volume de chuva e neve, e outros

O quartel general fica no centro nacional neerlandês de gestão da água (WMCN). Lá, os técnicos monitoram o nível da água em todos os locais, simultaneamente, e de muito perto. Nas últimas fortes chuvas, os responsáveis pela gestão das cheias voltaram a pôr as mãos na massa.

Acompanhamos a precipitação e a neve em toda a bacia hidrográfica do Reno e do Mosa. Assim, poderemos antecipar os picos antes de chegarem à fronteira holandesa”, explica Harold van Waveren.

Preparados para todos os cenários, os especialistas vivem os seus melhores momentos nestas circunstâncias. É agora que o programa de prevenção, no valor de um bilhão de euros, pode provar o seu valor, juntamente com os gestores que antecipam os níveis de água nos locais de risco.

Uma importante tarefa do WMCN é abrir os grandes açudes, bem como as comportas costeiras para levar o volume de água para o Mar do Norte o mais rapidamente possível.

Cada gestor sabe exatamente o que fazer na hora do perigo

Todos os gestores nacionais e regionais das inundações sabem o que fazer, dada a previsão de determinados volume máximos”, acrescenta Van Waveren.

Ok, sabemos que um bilhão de euros é muito dinheiro, mas a questão não é esta. É imperativo ter sempre em ordem a manutenção e o perfeito funcionamento, tanto das comportas para o mar, como das que levam a água aos açudes. E muito, muito treinamento como deixaram claro, é preciso que todos saibam exatamente o que fazer nas horas críticas.

Holanda, Singapura e Veneza, o que eles têm em comum?

O trabalho vitorioso dos holandeses para conter a água do mar está nas manchetes da mídia internacional. New York Times, The Guardian, Euronews, Reuters, entre outros, já publicaram inúmeras matérias. Ao mesmo tempo, a ONU elogia dois países por seus esforços: a Holanda, e Singapura. São países diferentes, em continentes dispares, mas há algumas coincidências entre ambos.

Segundo a ONU, sendo uma pequena cidade-estado insular de baixa altitude com 719,9 km2, Singapura é naturalmente vulnerável ao impacto das alterações climáticas. Com uma população de 5,6 milhões de habitantes, é um dos países mais densamente povoados do mundo.

Mas há mais, segundo a ONU. Ambos desenvolveram sistemas de modelização de alta resolução para a previsão do tempo e do clima, e treinaram intensamente os responsáveis. Além disso, cerca de 70% da costa de Singapura já tem barreiras feitas pelo homem para proteção. A estratégia do país para o reforço indispensável dos recursos naturais é o replantio de florestas de mangue em toda a faixa costeira, além de reforçar as já existentes.

Finalmente, Veneza também enfrenta o problema usando comportas especiais, dado a especificidade da cidade construída em meio a 118 ilhas no meio de uma laguna (550 km²) no norte da Itália.

Há muitas outras medidas que contribuem para o sucesso

Por fim, é preciso chamar a atenção das autoridades e gestores sobre o uso dos recursos naturais na proteção das bacias hidrográficas e da linha da costa. Mas, enquanto o mundo faz o ordenamento dessas áreas, com proteção e recuperação de praias e falésias, replantio de matas ciliares, de vegetação de mangue e protege suas dunas, o Brasil segue desmatando e permitindo ocupação de margens de rios, áreas de  pós-praias e dunas.

Fonte: Mar Sem Fim.

Imagem, K. Cantner, AGI.