Como criar alertas de desastre que funcionem no Brasil

Brasileiros em todos os estados podem, atualmente, receber alertas de chuva intensa por vários meios como mensagens no celular (SMS), WhatsApp, Telegram e Google. Basta o interessado se cadastrar. A experiência pioneira, com SMS, foi feita em 2017 em 20 municípios do leste de Santa Catarina. Desde então, expandiu-se bastante. Em novembro de 2022, o Brasil se tornou o primeiro país do mundo a adotar o alerta por WhatsApp em todo o território nacional. Essa forma de aviso é indispensável — mas tem falhado em impedir tragédias como a ocorrida no litoral norte de São Paulo durante o fim de semana do Carnaval.

Em São Paulo, repetiu-se um roteiro já conhecido. A Defesa Civil emitiu entre sábado e domingo seis alertas por SMS para mais de 30 mil celulares cadastrados na região atingida. Não bastou. As mensagens não são explicativas o suficiente, nem a população sabe exatamente como reagir. Depois da tempestade, inundação, deslizamentos de terra e 54 mortes (contadas até a manhã desta sexta-feira 24/2), o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, afirmou que a região vai contar com uma rede de avisos por sirenes. Se para montada, a rede significará um reforço no alerta — mas ainda não vai bastar.

As sirenes de aviso de chuva intensa foram adotadas no Brasil pela primeira vez em 2011, no Rio de Janeiro. Salvaram muitas vidas desde então. Mas a rede sofre com falta de manutenção e provoca fadiga nos moradores do entorno. Depois de anos, é inevitável que as sirenes toquem muitas vezes e prenunciem apenas chuvas fortes, normais, sem grandes danos. O barulho se incorpora à paisagem sonora local e a população passa a ignorar o aviso. Isso não tira o problema das mãos do Estado. Há muita ciência e técnica que servem de base para sistemas de alerta eficientes.

Em Hong Kong, referência mundial na prevenção contra chuvas fortes e deslizamentos de terra desde os anos 1970, a população em área de risco recebe orientação regular sobre como enfrentar essas situações; os alertas chegam para todos os cidadãos (não apenas os cadastrados); há orientações diferentes para diferentes situações (estudantes, motoristas, pedestres, responsáveis por crianças, pessoas próximas de rios e lagos); há uma gradação de gravidade nos alertas, por cor; o alerta de gravidade máxima nunca se torna banal; e o sistema é simples o bastante para ser entendido por todos (nos Estados Unidos, depois dos ataques terroristas de setembro de 2001, o governo adotou um alerta com gradação de cores para os graus de ameaça. O sistema foi considerado incompreensível e virou tema de humor, mesmo diante de um motivo tão sério). Note-se que, mesmo em Hong Kong, o sistema sofre críticas de especialistas e da população e passa por aprimoramento contínuo.

Os modelos de previsão do tempo usados no Brasil dão conta de antecipar fenômenos extremos e garantir que medidas de alerta e precaução sejam tomadas com antecedência. De acordo com o Cemadem (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), órgão federal que monitora municípios vulneráveis a desastres naturais e emite alertas aos órgãos responsáveis, o governo federal e de São Paulo receberam com antecedência alertas sobre o risco de deslizamento de terra na Vila do Sahy, comunidade mais atingida pelas chuvas no litoral norte de São Paulo. Mas o país — governos e sociedade civil — ainda precisa desenvolver a cultura da prevenção.

“Há uma dificuldade cultural de lidar com essa informação”, diz Pedro Côrtes, geólogo e professor do programa de pós-graduação Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da USP. “Eventos dessa magnitude são uma novidade para o Brasil. Não somos um país sujeito todo ano a furacões, ou um país onde terremotos sejam uma constante como é o caso do Chile, país extremamente preparado para lidar com essa ameaça”.

“Quando chegam esses alertas, as autoridades não dão continuidade ao processo de comunicação ou não informam as pessoas. A população não sabe o que fazer e muitas vezes acaba não levando tão a sério”, acrescenta o professor da USP, que defende uma mudança de postura urgente diante da crise climática:

“Precisamos sair da cultura da reação para uma cultura de prevenção, a fim de reduzir os efeitos dos eventos extremos”

Um passo fundamental é alertar direito a população. O pesquisador afirma que que as operadoras de telefonia poderiam enviar informes e notificações para todos os celulares em determinas regiões, alertando sobre eventos de risco. “Hoje, os alertas por SMS são opcionais, mediante cadastramento dos cidadãos. Mas deveria ser mandatório por se tratar de questões emergenciais que colocam em risco a vida. Isso poderia ser feito via Ministério das Comunicações e as operadoras fazendo uma ponte com o Ministério do Meio Ambiente e o Cemaden [Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais]”, explica. “Seria uma coisa costurada em questão de semanas e uma saída emergencial para esse tipo de alerta que é cada vez mais necessário”.

Informação pública também é essencial na cartilha de prevenção. Côrtes vê com bons olhos todo compartilhamento de informações sobre o clima e perigos iminentes. Ele destaca a importância da comunicação de risco pelo poder público. “Se os gestores públicos começam a tomar medidas de precaução, isso vai mostrando para a população que o assunto é sério e merece atenção especial, o que ajudaria muito a disseminar a cultura da prevenção e fazer com que os alertas sejam considerados mais seriamente”, defende.

A cultura da prevenção também pode ajudar a mudar a perspectiva da sociedade sobre os riscos. “As pessoas são alertadas mas ficam na esperança de que o evento não aconteça e felizmente, muitas vezes, ele não acontece. Mas quando acontece, ele é posto na conta do inevitável”, lamenta o especialista.

A população mais vulnerável precisa contar com orientação prévia e precisa ser consultada, para que possa reagir com calma e segurança. Para Socorro Leite, da Habitat para a Humanidade, as pessoas sabem, muitas vezes, que estão em área de risco, mas não têm para onde ir. “Ampliar a consciência sobre o risco precisa vir colado com um plano de redução de risco construído com a comunidade. As alternativas de abrigamento temporário precisam ser adequadas”, diz ao Um Só Planeta. “Há o fator da insegurança de deixar para trás tudo que se construiu ao longo da vida, sem uma perspectiva mais clara de uma nova moradia”, pondera. Enquanto o país lida com as diferentes dimensões do problema — falta de habitação, infraestrutura precária, desigualdade de renda — precisará, com urgência, proteger vidas diante dos avisos de eventos climáticos extremos.

Fonte: Um Só Planeta.

Foto: Rovena Rosa/ Agência Brasil.