Como refutar cientificamente argumentos negacionistas

Pergunto a um terraplanista se seria um choque muito grande ser lançado ao espaço e constatar, com os próprios olhos, que a Terra não é um disco achatado, mas sim uma deslumbrante bolinha de gude azul flutuando na escuridão cósmica.

Minha intenção era saber como a ideia de ter sua crença refutada pelos próprios sentidos abalaria suas convicções. “É plana e nenhuma oportunidade irá me provar o contrário”, cravou Samuel Trovão, estrondoso como o nome fictício. É o dono da página A Terra É Plana, maior do gênero no Facebook brasileiro, com mais de 100 mil curtidas. Ali são divulgadas supostas evidências para comprovar a teoria e, principalmente, provocações contra a maioria esmagadora dos seres humanos que não duvida estar vivendo em um globo.

Mas como alguém acredita que todas as agências espaciais e autoridades façam parte de um complô? “Não acreditamos, sabemos”, diz Trovão. “Não tem como convencê-los, já decidiram no que acreditam e é uma decisão completamente baseada na fé”, avalia o físico teórico Marcelo Gleiser, da Faculdade Dartmouth (EUA). Gleiser interpreta o fenômeno como uma “desestruturação da autoridade”: quem nunca estudou ciência na vida pensa saber tanto quanto quem passou décadas na universidade. “Todo mundo virou especialista, é muito sério.”

Quem acompanhou a campanha de Donald Trump [em 2016] e a discussão em torno das fake news (notícias falsas) reconhece esses sintomas: trata-se da pós-verdade. Ter alguém como Trump descreditando abertamente a ciência climática — apelando para emoções em detrimento de fatos — é algo que acertou em cheio o conhecimento científico. Da noite para o dia, rappers e jogadores da NBA se sentiram à vontade para declarar que acreditam na Terra plana. O movimento tem ganhado tanta paraça que, em novembro [de 2017], foi realizada a primeira conferência internacional dos terraplanistas, que reuniu cerca de 500 pessoas na Carolina do Norte. “Os terraplanistas não deveriam usar tecnologia alguma, pois são todas baseadas nas teorias que negam”, diz Marcia Barbosa, diretora da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Mas eles não parecem se importar.

Assim como também não se importam os céticos que negam que as atividades humanas causem o aquecimento global. A vertente ganhou impulso com a retirada dos EUA do Tratado de Paris, em junho [de 2017]. No Brasil, a principal voz é Ricardo Felício, professor do Departamento de Geografia da USP.

Ao longo de dez anos, de 2007 a 2017, Felício publicou 11 artigos em periódicos de baixo impacto. Oito deles foram na mesma revista e seguiam a mesma linha: negar o impacto da ação do homem sobre o clima global. Os textos, marcados por numerosas exclamações e uma linguagem opinativa, contestam, sem embasamento científico, dados divulgados em especial pelo Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas (IPCC).

Mas 97% dos especialistas não concordam. “Há enormes evidências científicas de que estamos mudando nosso planeta de maneira muito significativa”, afirma o físico atmosférico Paulo Artaxo, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Para ele, é ingenuidade achar que Trump e os negacionistas não acreditam no aquecimento global. “São interesses econômicos que tentam distorcer a opinião pública para continuar ganhando dinheiro com a queima de combustíveis fósseis.”

E, como se não bastassem as investidas contra a esfericidade da Terra e os riscos das mudanças climáticas, existe ainda o movimento antivacina. Parte da população passou a olhar com desconfiança para uma das grandes conquistas da humanidade. “Até hoje, os brasileiros sempre tiveram posição muito favorável às vacinas, porque as pessoas viram os filhos pararem de ficar doentes”, diz o imunologista Jorge Kalil, referência no Brasil e no mundo. Mas o temor de que elas façam mal tem levado ao boicote. Tudo isso levanta a questão: por que as pessoas estão duvidando da ciência?

Confie no método

Para o engenheiro João Fernando Oliveira, vice-presidente da ABC, são as redes sociais que alavancam o discurso anticientífico. Cresce assim um sentimento de que ciência é mera opinião — e nada poderia estar mais equivocado. “A relação entre verdade e mentira ficou tão difícil de entender que a verdade científica passa a ser a única referência para descobrir o que é certo e o que não é.”

Para conter a pós-verdade, a ciência deveria ser aliada, não vilã. “Cientistas não são pró-isso ou aquilo, cientista é pró-conhecimento”, diz Kalil. A garantia dessa postura se chama método científico, que exige que as hipóteses sejam testadas à exaustão. Só depois tornam-se verdades científicas — até que surja outra teoria que explique melhor o fenômeno.

Fonte: Revista Galileu.

Foto: Ilustração: Guira.