Desertificação na caatinga reduz mais de 50% a funcionalidade do solo

Estudo publicado na revista Applied Soil Ecology analisou o impacto da desertificação da caatinga e constatou que a degradação reduz em mais de 50% a funcionalidade do solo, reduzindo a capacidade de sustentar o crescimento das plantas e promover bem-estar humano e animal. Outra consequência apontada no artigo é a diminuição do sequestro de carbono.

A investigação foi conduzida por cientistas da UFC (Universidade Federal do Ceará) e do RCGI (Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa) da USP (Universidade de São Paulo).

Foram analisadas 54 amostras de terra obtidas em temporadas de seca e de chuva, em três diferentes territórios do núcleo de desertificação de Irauçuba, no norte do Ceará, sendo que cada um deles conta com áreas de vegetação nativa, degradada e restaurada.

A redução de mais de 50% na funcionalidade do solo foi calculada por meio de diversas análises físicas, biológicas e químicas em áreas degradadas pela ação humana. Do ponto de vista físico, observou-se um solo bastante comprometido, principalmente pela compactação causada pelo pisoteio dos animais.

“Esse fenômeno reduz a porosidade, impedindo a infiltração de água e, consequentemente, acaba acelerando o processo de erosão do solo”, explica Antonio Yan Viana Lima, doutorando na Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) da USP, pesquisador do RCGI e primeiro autor do artigo.

“Do ponto de vista biológico, os indicadores de composição microbiana, teores de carbono e atividade enzimática mostraram-se favoráveis para o crescimento da vegetação e para o sequestro de carbono”, detalha Lima.

“Mas vimos pouca variação dos indicadores químicos entre as áreas estudadas, inclusive entre aquelas restauradas e degradadas. Isso demonstra que os componentes biológicos são importantes indicadores de saúde do solo, porque prontamente respondem a perturbações humanas”, complementa.

“Nas áreas restauradas, constatamos que, ao impedir a ação do homem, é possível atingir índices físicos, químicos e biológicos próximos de sua composição original”, conta Arthur Pereira, professor da UFC e coordenador do estudo.

As áreas restauradas, segundo ele, são campos que há mais de duas décadas foram totalmente cercados no intuito de impedir a ação do homem e a circulação de animais. Nesses campos, não foi plantada nenhuma espécie, porque a proposta era verificar como e se a vegetação conseguiria se regenerar naturalmente sem essas interferências.

“O interessante é que os resultados das análises nessas áreas, em todos os aspectos, foram muito próximos do que se viu nas áreas de vegetação nativa. Assim, ao longo de duas décadas, está sendo possível recuperar a saúde do solo, o que pode ser promissor ainda para o sequestro de carbono, uma vez que essas terras registraram maiores valores de estoques de carbono total e microbiano”, afirma Pereira.

O estudo utilizou a ferramenta SMAF (Soil Management Assessment Framework) no semiárido. Usada para avaliar a saúde do solo, essa ferramenta se baseia em cálculos, realizados por algoritmos, que colocam os resultados dos fatores analisados em uma escala de 0 a 100, sendo 100 o mais positivo. E, a partir disso, chega a um número final que corresponde a um índice de saúde do solo.

O grupo de pesquisadores está agora expandindo a análise para os três outros núcleos de desertificação do semiárido, para verificar, com auxílio da SMAF, se a situação observada em Irauçuba representa toda a Caatinga e se há outras técnicas de recuperação de solos degradados.

Essas novas empreitadas estão sendo desenvolvidas no âmbito do projeto CMI (Caatinga Microbiome Initiative), uma iniciativa interinstitucional, criada em 2022, que envolve mais de 20 professores e pesquisadores do Brasil e do exterior, com o objetivo de estudar o microbioma da caatinga e sua relação com a saúde do solo.

A pesquisa está inserida no escopo de vários projetos do programa Nature Based Solution do RCGI, que é um CPE (Centro de Pesquisa em Engenharia) constituído por Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e Shell, com apoio de diversas empresas.

Dentre as iniciativas do centro está o projeto 53, que desenvolve sistemas agrícolas integrados, uma estratégia de criar em uma mesma área uma variedade de produções, respeitando a sazonalidade de cada uma das culturas.

Fonte: Folha SP.

Foto: Pablo Porciuncula – 11.jun.2024/AFP.