O Brasil perdeu 16.557 km2 – ou 1.655.782 hectares – de cobertura de vegetação nativa em todos seus biomas no ano passado: um aumento de 20% em relação a 2020. Com a tendência de alta no desmate nos últimos três anos, nesse período o Brasil perdeu o equivalente a quase um Estado do Rio de Janeiro ou mais da metade do território da Bélgica de vegetação nativa.
É o que mostra a mais recente edição do Relatório Anual de Desmatamento no Brasil (RAD), do MapBiomas, rede colaborativa de ONGs, universidades e startups. De acordo com o estudo, também aumentou a velocidade média de desmatamento no país, que passou de 0,16 hectare/dia para cada evento de desmatamento detectado e validado em 2020 para 0,18 hectare/dia em 2021. Com uma média diária de 191 novos eventos, a área de desmatamento por dia em 2021 foi de 4.536 hectares – ou 189 hectares por hora.
Somente na Amazônia, foram 1,9 hectare por minuto, o que equivale a cerca de 18 árvores por segundo. O bioma concentrou, sozinho, 59% da área desmatada em 2021.
Em segundo lugar na lista ficou o Cerrado, com 500.537 hectares (30%); seguido pela Caatinga, com 116.260 hectares (7%); Mata Atlântica, com 30.155 hectares (1,8%); Pantanal, com 28.671 hectares (1,7%); e o Pampa, que perdeu 2.426 hectares, cerca de 0,1% do total da área desmatada no país. Apesar de responder pela menor área de alertas, o Pampa liderou o crescimento da taxa de desmatamento, que quase dobrou (92,1%) comparado ao ano anterior.
Ainda de acordo com o relatório, a agropecuária foi responsável por 96,6% do desmatamento no país – patamar que o setor mantém nos últimos três anos.
Outros vetores relevantes, de acordo com o RAD, são o garimpo, mineração, expansão urbana e outras causas. “97% do desmatamento em geral aconteceu por conta da conversão da floresta para atividade agropecuária, seja pecuária, seja agricultura. Depois vem garimpo, o segundo grande motivo.
Individualmente entre os estados, o Pará liderou a perda de vegetação nativa. De cada quatro hectares desmatados no Brasil em 2021, um foi em território paraense, onde desmatou-se 402.492 hectares (24,3% do total). Completam o infame ‘top 5’ deste ranking: Amazonas (11,8%), Mato Grosso (11,5%), Maranhão (10,1%) e Bahia (9,2%). Juntos, esses 5 estados responderam por 67% da área desmatada no Brasil em 2021.
Outro destaque negativo é o aumento do tamanho médio dos desmatamentos. De 2020 para 2021, o número de áreas impactadas com mais de 100 hectares saltou de 2.026 para 3.040.
Os números do desmatamento no Brasil são capazes de assustar e preocupar qualquer pessoa que se importe com a preservação ambiental em um país tão caracterizado pela presença da natureza como o Brasil – ainda mais depois de a área de alertas de desmatamento na Amazônia em abril ter chegado a impressionantes 1.012 km², número 74% maior do que o recorde anterior da série histórica, registrado no ano passado. Os dados são do governo federal, por meio do sistema Deter-B, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Diante da disparada do desmate, causa espanto a revelação de uma análise feita pelo projeto MapBiomas, rede colaborativa de ONGs, universidades e startups, que identificou a total apatia do governo federal diante da devastação das florestas brasileiras: 98% dos alertas de desmatamento no Brasil verificados desde janeiro de 2019 por uma nova plataforma do MapBiomas com indícios de irregularidades, porque não possuem registro de ação de fiscalização ou autorização (quando o desmate é permitido em uma determinada área).
Segundo o Mapbiomas, a área com ações de fiscalização registrada alcançou 13,1% do total de desmatamento detectado desde 2019. O levantamento completo está disponível dentro da nova plataforma do projeto MapBiomas.
Já entre as categorias fundiárias, foram as propriedades privadas que acumularam os maiores registros de desmatamento em 2021, com 69,5% do total, sendo 14,1% em assentamentos rurais. Outros 10,6% ocorreram em terras públicas – sendo 9,3% áreas não destinadas pela União. Dentro de áreas protegidas registrou-se 5,3% do total desmatado, sendo 3,6% dentro de unidades de conservação e 1,7% em Terras Indígenas.
O estudo destaca ainda que os alertas de desmatamento sobrepostos a imóveis rurais cadastrados no CAR correspondem a 77% da área total desmatada, o que significa que “em pelo menos 3/4 dos desmatamentos é possível encontrar um responsável”. Ao todo, 59.181 propriedades registraram desmatamento em 2021, o equivalente a menos de 1% do total de imóveis cadastrados até 2021. Desses, uma fatia ainda menor, de 19.953 propriedades são reincidentes, ou seja, já haviam registrado desmatamento nos anos anteriores de 2019 e/ou 2020.
“Para resolver o problema da ilegalidade é necessário atacar a impunidade — o risco de ser penalizado e responsabilizado pela destruição ilegal da vegetação nativa precisa ser real e devidamente percebido pelos infratores ambientais”, explica o coordenador do MapBiomas, Tasso Azevedo. “Para isso, é preciso atuar em três frentes, assegurando que: todo desmatamento seja detectado e reportado; todo desmatamento ilegal receba ação de responsabilização e punição dos infratores (ex. autuações, embargo); o infrator não se beneficie da área desmatada ilegalmente e receba algum tipo de penalização (ex. restrições de crédito, pendência do Cadastro Ambiental Rural (CAR), impedimento de regularização fundiária, exclusão de cadeias produtivas)”, explica Tasso.
Este é o terceiro ano do relatório, que compila dados sobre o desmatamento nos seis biomas brasileiros, detectados, refinados e validados pela equipe do projeto MapBiomas Alerta. Nestes últimos três anos, o total desmatado no Brasil somou 42 mil quilômetros quadrados, área superior ao tamanho da Suíça.
Um estudo recente publicado pelo Imazom mostrou que a tecnologia pode ser uma importante aliada para barrar os crimes ambientais e a violência no campo. Provas obtidas remotamente, como imagens de satélites e dados públicos sobre terras, passaram a ser consideradas pelo Judiciário e podem acelerar punições.
É o que indica a análise de mais de 3 mil processos movidos entre 2017 e 2020 pelo Programa Amazônia Protege, criado pelo Ministério Público Federal para responsabilizar os desmatadores ilegais por meio de ações civis públicas. Juntos, esses processos tentam punir a derrubada de 2,3 mil km² de floresta com pedidos de indenizações que somam R$ 3,7 bilhões.
A pesquisa mostrou que, embora a condenação em primeira instância seja baixa (8% dos casos), as instâncias superiores são mais propensas a usar a essas inovações jurídicas que podem mudar o rumo da impunidade.
“Com as decisões favoráveis ao uso de satélite para responsabilizar desmatadores ilegais, já temos um grande avanço no Judiciário, que é esse aporte tecnológico para localizar e punir quem está degradando a Amazônia. Isso desobriga um único meio de comprovação do crime, como a visita in loco dos órgãos ambientais para poder comprovar que a área está sendo desmatada, especialmente na Amazônia, onde as distâncias e o acesso são um grande desafio”, afirma Jeferson Almeida, pesquisador do Imazon.
Fonte: ((O)) Eco, G1, Um Só Planeta, DW, Observador.