Espécies como o mosquito Aedes aegypti e o pinheiro Pinus elliottii parecem não ter nada em comum. Mas, segundo os 73 cientistas que assinam um novo relatório divulgado em 1º de março, elas compartilham uma característica importante: ambas são espécies exóticas invasoras e fazem parte de um grupo de 476 animais, plantas ou algas que ocorrem em ambientes naturais no Brasil mas que não são nativos da fauna ou flora do país.
As invasões biológicas causam um prejuízo de pelo menos US$ 3 bilhões por ano à economia brasileira, segundo o relatório publicado nesta sexta (1º) pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES, na sigla em inglês).
O documento, que analisa os resultados de diversos estudos e artigos científicos sobre o tema, ressalta que o prejuízo real pode ser muito maior do que o estimado, já que o cálculo leva em conta apenas 16 das 476 espécies invasoras identificadas no território brasileiro.
“Este é um número muito subestimado. O que assustou a gente é que, mesmo tendo poucas publicações sobre os impactos negativos das invasões biológicas no Brasil, os números que nós temos já mostram um prejuízo enorme”, explica Mário Luis Orsi, um dos coordenadores do relatório e professor da pós-graduação em ciências biológicas da UEL (Universidade Estadual de Londrina).
Apesar do prejuízo bilionário, a falta de conhecimento da população e do governo sobre o assunto ainda é uma barreira para quem luta há anos contra as invasões biológicas no país.
É o caso da pesquisadora Michele Dechoum, também coordenadora do estudo e professora do departamento de ecologia e zoologia da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Em seu tempo livre, Dechoum organiza mutirões voluntários nas dunas de Florianópolis para a remoção de árvores invasoras.
“A educação ambiental é muito importante neste caso, porque as pessoas precisam se envolver, precisam entender o que é invasão biológica para reconhecer que elas fazem parte do problema, mas também da solução”, afirma Dechoum.
Além do engajamento da população, os cientistas também pedem maior envolvimento da iniciativa privada e dos órgãos públicos. Eles argumentam que alguns setores da economia, como o da aquicultura (produção de pescados) e da silvicultura (cultivo de florestas para produção de matéria-prima), precisam agir de maneira mais responsável para reduzir os impactos ambientais.
Os pesquisadores advogam também pela criação de uma lista nacional de invasões biológicas e por uma política pública federal de prevenção e controle, além do envolvimento de mais governos estaduais — atualmente, só Bahia, Distrito Federal, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo possuem listas oficiais de espécies exóticas invasoras.
Moradora de Florianópolis, Dechoum conta que há poucas semanas uma instituição da área de meio ambiente com sede na cidade divulgou uma ação de distribuição de mudas para celebrar uma data comemorativa. Segundo ela, os organizadores queriam distribuir para seus convidados uma muda de jaqueira, que é uma espécie exótica invasora em Santa Catarina.
“Eu fiquei chocada e imediatamente fui checar se a jaqueira estava na lista oficial de espécies exóticas de Santa Catarina, e esse foi o argumento que eu usei e que funcionou para convencê-los a não distribuir essa muda”, conta a professora.
As listas estaduais geralmente são acompanhadas de legislações que regulam a presença das espécies listadas. No entanto, essas leis nem sempre são fiscalizadas. Um exemplo é a legislação de Florianópolis, onde diversas espécies de pinheiros são proibidas há mais de dez anos, mas não há fiscalização ou multa para quem tem essas árvores em seus terrenos.
O caso Aedes
O prejuízo causado pelas invasões biológicas é ligado, principalmente, a pragas agrícolas e a espécies que são vetores de doenças, como é o caso do Aedes aegypti. O mosquito da dengue causa enormes impactos econômicos e transmite também chikungunya, zika e febre amarela urbana.
Ao quantificar os custos econômicos de 16 das principais invasões biológicas, os pesquisadores estimaram um gasto de, no mínimo, de US$ 105,3 bilhões ao longo dos últimos 35 anos, o que equivale a um custo médio de US$ 3 bilhões ao ano. O Aedes aegypti é uma das espécies que geraram maior impacto, segundo o artigo: o prejuízo do mosquito da dengue é estimado em US$ 10,5 bilhões de 1984 a 2019.
“Apesar de ser uma doença muito conhecida, ainda falta esse reconhecimento de que a dengue é resultado de uma invasão biológica. Na cabeça das pessoas, o mosquito é uma espécie de mata que está vindo para as cidades. Outro dia eu ouvi esse argumento no supermercado e tive que interromper para falar: não, gente, o Aedes é de origem africana”, lembra Mário Luis Orsi, da UEL.
“Para mim, essa é uma espécie que a gente precisa sempre divulgar que é uma invasão biológica. Ela deveria ser o carro-chefe para educar a população e seria um exemplo muito bom para as pessoas entenderem o impacto negativo, porque é uma coisa muito evidente”, completa.
Fonte: Folha SP.
Foto: Carla Carniel – 23.fev.2024/Reuters.