Um relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, divulgado em 2018, anunciou a morte certa dos corais ao prever que 99% estariam condenados se a temperatura média mundial subisse dois graus centígrados, sendo que o aumento previsto, com as propostas adiantadas pelos governos, é de 2,4ºC até o final do século. Mas um estudo publicado na Nature Scientific Reports nos dá algumas esperanças de que talvez não esteja tudo perdido.
Duas das espécies mais onipresentes de corais construtores de recifes parecem surpreendentemente capazes de sobreviver e até mesmo lidar bem com as mudanças climáticas, de acordo com um novo estudo. Pelo menos enquanto o aquecimento global para mantido abaixo de 2ºC em comparação ao período pré-industrial, meta máxima estabelecida pelo Acordo de Paris.
“Encontramos esperança”, diz Rowan McLachlan, especialista em corais da Universidade do Estado do Oregon, nos Estados Unidos, e principal autora do estudo publicado no início de março na Nature.
Esperança tem sido uma coisa rara para os recifes de corais. Como resultado das emissões humanas de gases de efeito estufa, eles enfrentam águas cronicamente mais quentes, ondas de calor marinhas mais intensas e um oceano cada vez mais ácido. Sem contar os impactos locais por poluição e sobrepesca.
O mundo até agora aqueceu 1,1°C e os recifes de corais já sofreram com mortes em massa. A Grande Barreira de Corais, o maior sistema de recifes do mundo, está atualmente em ‘crise’, segundo um relatório publicado recentemente pela ONU.
Esse relatório, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), alertou que alguns ecossistemas de recifes de corais podem sofrer danos irreversíveis se o mundo aquecer mais de 1,5°C. Um relatório de 2018 do IPCC concluiu que, a 2ºC ou mais, 99% de todas as espécies de corais que constroem recifes poderiam ser perdidas – o que significa que os recifes de corais vivos essencialmente desapareceriam do planeta.
No entanto, não foi isso que McLachlan e seus colegas observaram quando submeteram corais havaianos a um mundo simulado 2ºC mais quente por quase dois anos. Eles descobriram que duas espécies comuns de corais eram especialmente resistentes: dois terços dos indivíduos sobreviveram ao futuro simulado.
“Esperávamos ver mais mortalidade do que vimos, ver que os corais mal estavam aguentando”, diz McLachlan. “Ficamos realmente chocados. Eles tiveram uma taxa de sobrevivência muito alta”. Dentro dos limites, ao que parece, alguns corais podem sim se adaptar a um mundo mais quente.
Simulando os oceanos de amanhã
Os oceanos absorvem um pouco do calor que se acumula na atmosfera. Ondas de calor amplificadas pelas mudanças climáticas levam os corais a expulsar as algas simbióticas que os alimentam – um efeito chamado branqueamento de corais, que pode acabar por matá-los. Enquanto isso, os oceanos também absorvem parte do excesso de dióxido de carbono da atmosfera, tornando a água do mar mais ácida, o que enfraquece os esqueletos de coral.
Em 2014 e 2015, ondas de calor marinhas mataram mais de um terço dos corais nos recifes do Havaí, nos Estados Unidos. No final de 2015, para saber mais sobre como o aquecimento e a acidificação podem comprometer os recifes no futuro, McLachlan e seus colegas visitaram quatro recifes em diversos ambientes ao redor da ilha de Oahu. Usando um martelo e um cinzel, eles coletaram amostras de três espécies comuns de corais: Montipora capitata, Porites compressa e Porites lobata.
Os pesquisadores colocaram os corais em tanques de 70 litros, mas não em um laboratório, como outros experimentos sobre resiliência de corais haviam feito, e sim, ao ar livre, na Ilha do Coco, onde eles seriam expostos ao mesmo clima que um recife na costa. Eles encheram um total de 40 tanques com areia, entulho, peixes de recife, plâncton e outras características do recife. A ideia era simular as condições oceânicas da forma mais realista possível.
“É por isso que nossa experiência é diferente”, diz McLachlan. “É mais informativo sobre como os recifes havaianos podem realmente responder às mudanças climáticas”.
É também o experimento de coral mais longo já realizado, diz ela.
Durante 22 meses, os pesquisadores submeteram alguns corais a um aquecimento 2ºC acima da média local, alguns com água acidificada, e alguns com ambas as alterações. Um quarto conjunto de tanques foi deixado nas condições normais para servir como controle.
Os tanques que testaram o aquecimento e a acidificação do oceano juntos foram as simulações mais realistas do futuro, diz Andréa Grottoli, biogeoquímica de corais do Estado de Ohio, nos Estados Unidos, e autora sênior do estudo. Em todos os tanques, ela e seus colegas monitoraram um conjunto de indicadores fisiológicos para ver como os corais respondiam ao longo do tempo a cada ambiente, e os resultados foram animadores.
“Vimos esse arco de longo prazo onde você vê respostas ao estresse climático, mas depois de muito tempo houve adaptação”, diz Grottoli. A implicação é que, com tempo suficiente para se adaptar ao entorno, alguns corais podem sobreviver às condições estressantes causadas pelas mudanças climáticas.
No geral, dos corais expostos a ambas as condições, 46% dos corais Montipora capitata, 56% dos Porites lobata e 71% Porites compressa sobreviveram. Muitos dos corais estavam até prosperando.
“Embora seja esperançoso que algumas espécies sobrevivam neste século, a menos que ocorram reduções drásticas nas emissões, os corais eventualmente perderão a luta pela sobrevivência”, diz Rodgers.
As políticas atuais para reduzir as emissões colocam o mundo a caminho de aquecer cerca de 2,7°C até o final do século, de acordo com o Climate Action Tracker (CAT) – substancialmente acima dos 2ºC simulados por McLachlan e seus colegas.
O CAT é um grupo de pesquisa com o objetivo de monitorar as ações governamentais para a redução das emissões de gases de efeito estufa no que diz respeito aos acordos internacionais.
Enquanto muitos dos corais usados no experimento sobreviveram, o calor extremo ainda leva os recifes ao limite. Aqui, corais Porites lobata saudáveis são cercadas por corais Montipora capitata branqueados, enfraquecidos por uma onda de calor marinho.
“Sem pressões locais, há esperança em seguir em frente”, diz McLachlan. “Se não podemos mitigar as pressões locais, o resultado para os corais é muito pior”.
Mas as descobertas de sua equipe também podem dar suporte para formas mais proativas de manejo de recifes.
Dado o péssimo estado dos corais de hoje, alguns conservacionistas argumentam que não basta apenas protegê-los da poluição, da pesca e deixá-los em paz, é necessário também um trabalho ativo de restauração.
Saber que uma espécie de coral, como o Porites lobata, pode sobreviver às mudanças climáticas significa que ele é um candidato a projetos de restauração que selecionam corais resistentes e os plantam em recifes degradados, sugere Grottoli.
“Introduzir um coral de outro lugar é, agora, o menor dos dois males”, diz ela. “Esse tipo de conversa está na mesa. Alguns conservacionistas não teriam considerado isso há uma década”.
À medida que a humanidade luta para eliminar as emissões de gases de efeito estufa que poderiam condenar recifes de corais em todo o mundo, corais resilientes ao clima podem oferecer uma salvação para o futuro.
“Temos a chance de manter os sistemas de recifes por tempo suficiente para que, quando o aquecimento diminuir, os recifes possam recuperar o atraso”, diz Grottoli. “Temos uma janela para trabalhar”.
Fontes: National Geographic, Visão.