Formiga africana é capaz de identificar feridas — e tratá-las com antibiótico

Comuns no sul do Saara e nas savanas da África Ocidental, as formigas Megaponera analis só se alimentam de cupins. Mas comê-los nem sempre é fácil e, muitas vezes, elas saem feridas pelas poderosas mandíbulas desses insetos.

Por isso, as formigas da espécie desenvolveram uma estratégia de sobrevivência impressionante: elas fabricam seus próprios antibióticos, sendo capazes de identificar as áreas feridas infectadas por bactérias. Isso foi relatado por pesquisadores em um estudo publicado em 29 de dezembro de 2023 na revista Nature Communications.

Acontece que os resgates nos campos de batalha são apenas parte da história. No ninho, as formigas se revezam para cuidar de suas companheiras feridas. Gentilmente, elas seguram o membro ferido com as suas mandíbulas e patas frontais enquanto “lambem” intensamente a ferida por até quatro minutos cada vez.

Para tratar ferimentos, as formigas M. analis aplicam compostos antimicrobianos e proteínas nas feridas, que têm uma eficácia incrível. A taxa de mortalidade de indivíduos infectados é reduzida em 90%, segundo a pesquisa.

As formigas retiram esses antibióticos da glândula metapleural, que fica ao lado de seu tórax. A secreção da glândula contém 112 componentes — metade dos quais têm efeito antimicrobiano ou de cicatrização de feridas.

Essa descoberta marca a primeira vez que um animal não-humano foi observado tratando sistematicamente os seus feridos. Frank e seus colegas descreveram esse comportamento em um artigo publicado na revista Proceedings of the Royal Society B.

“Eu não achava que as formigas tinham um tratamento para os feridos tão sofisticado ou até que isso fosse necessário”, Frank contou à National Geographic.

“Com exceção dos humanos, eu não conheço nenhum outro ser vivo que possa realizar tratamentos médicos de feridas tão sofisticados”, observa um dos líderes do estudo, Erik Frank, da Universidade Julius-Maximilians (JMU), na Alemanha, em comunicado.

Eles viram que, uma vez no ninho, as formigas examinam cuidadosamente as suas companheiras feridas, sondando-as com as antenas mais do que o dobro em relação às companheiras saudáveis.

Esse comportamento se provou vital: 80% das formigas gravemente feridas morriam dentro de 24 horas quando eram deixadas sozinhas. Mas se fossem tratadas por suas companheiras de ninho por até uma hora, apenas 10% morriam. Curiosamente, 80% sobreviviam sem tratamento se fossem colocadas em um ambiente estéril, então Frank acredita que as infecções sejam a principal causa de morte e que essa ação de “lamber” pode ajudar a preveni-las.

Enquanto animais são frequentemente observados tratando as próprias feridas, são poucos os relatos de animais tratando um ao outro antes dessa descoberta. Um deles trata de um macaco-prego em cativeiro que cuidou de uma ferida na cabeça de seu filho.

Triagem no campo de batalha

Em seu trabalho anterior, Frank descobriu que as formigas feridas liberam um feromônio que age como um sinalizador, alertando as companheiras que uma formiga foi abatida. Mas dessa vez ele notou uma outra estratégia: elas exageravam as suas feridas. Quando nenhuma ajuda estava a caminho, as formigas feridas iam direto para o ninho. Mas quando as companheiras de ninho estavam perto, elas tropeçavam e caíam para parecerem “mais feridas”, uma forma de atrair ajuda.

As formigas só faziam isso se as suas feridas não fossem muito graves. Formigas gravemente feridas, as que Frank removeu cinco patas e não duas, eram normalmente deixadas para morrer pelas companheiras atacantes no campo e nos experimentos de laboratório. Tal triagem faz sentido, uma vez que ela assegura que as formigas não gastarão os seus recursos cuidando de causas perdidas.

“Em humanos, em casos onde um sistema de triagem é necessário, a decisão sobre quem receberá ajuda é feita pelo médico: um sistema regulado de cima para baixo”, observou Frank. “Acontece exatamente o oposto com as formigas.”

Frank conta que análises químicas em cooperação com o Professor Thomas Schmitt da JMU mostraram que “o perfil de hidrocarbonetos da cutícula (ou epiderme) da formiga muda como resultado de uma infecção na ferida”. É essa mudança que as formigas conseguem reconhecer e, assim, diagnosticar a infecção em suas companheiras feridas.

Laurent Keller, outro líder da pesquisa, acrescenta que as descobertas “têm implicações médicas porque o patógeno primário nas feridas das formigas, [a bactéria] Pseudomonas aeruginosa, também é uma das principais causas de infecção em humanos, com várias cepas sendo resistentes a antibióticos”.

O próximo passo da pesquisa será explorar comportamentos de cuidados com feridas em outras espécies de formigas e outros animais. Os especialistas desejam identificar e analisar os antibióticos usados pelas M.analis em parceria com outros grupos de pesquisa. Isso pode levar à descoberta de novos antibióticos que também poderiam ser usados em humanos.

Formigas na Netflix

A pesquisa de Frank sobre formigas africanas que cuidam de feridas rendeu assunto em um dos episódios da série documental da Netflix A Vida No Nosso Planeta (2023), dirigida por Steven Spielberg. O seriado apresenta a evolução da vida nos últimos 500 milhões de anos.

As formigas M.analis aparecem no quinto episódio, chamado “À Sombra dos Gigantes”, com duração de 51 minutos. O filme foi gravado no habitat natural das formigas, mas também em ninhos artificiais no laboratório da estação de pesquisa da JMU na Costa do Marfim.

Fontes: Revista Galileu, National Geographic,

Foto: Erik Frank/University of Wuerzburg.