Incêndios extremos duplicaram nos últimos 20 anos, mostra estudo

Estudo publicado nesta segunda-feira (24) no periódico científico Nature Ecology and Evolution aponta um crescimento da incidência de incêndios florestais no planeta, sendo os últimos sete anos os mais intensos. A frequência de eventos extremos aumentou 2,2 vezes de 2003 a 2023, apontam os pesquisadores da Universidade da Tasmânia, na Austrália.

“Embora a área total queimada na Terra possa estar diminuindo, nosso estudo destaca que o comportamento do fogo está piorando em várias regiões – particularmente nos biomas de coníferas boreais e temperadas – com implicações substanciais no armazenamento de carbono e na exposição humana a desastres de incêndios florestais”, afirma a equipe de autores.

O ano mais quente já registrado, 2023, também foi o mais extremo em relação a incêndios florestais, de acordo com uma nova pesquisa.

Tanto a frequência quanto a intensidade de incêndios florestais extremos mais do que dobraram nas últimas duas décadas, descobriu o estudo. E, quando as consequências ecológicas, sociais e econômicas dos incêndios florestais foram consideradas, 6 dos últimos 7 anos foram os mais “energeticamente intensos”.

“O fato de termos detectado um aumento tão grande em um período tão curto de tempo torna os resultados ainda mais chocantes”, disse Calum Cunningham, pesquisador de pós-doutorado em pirogeografia na Universidade da Tasmânia e autor principal do estudo, publicado nesta segunda-feira (24) na revista Nature Ecology & Evolution.

“Estamos vendo as manifestações de um clima mais quente e seco diante de nossos olhos nesses incêndios extremos.”

Na semana passada, incêndios no Novo México mataram duas pessoas e queimaram mais de 9.700 hectares; no sul da Califórnia, mais de 5.600 hectares queimaram perto de Los Angeles; e, na Turquia, pelo menos 12 pessoas morreram e muitas outras ficaram feridas por incêndios que começaram na quinta-feira (20) a partir da queima de resíduos de colheita, de acordo com autoridades de saúde e ministros turcos.

O novo estudo analisou a potência total emitida por aglomerados de eventos de incêndio, definidos como incêndios que queimam ao mesmo tempo em proximidade, ou no mesmo local, em múltiplos momentos em um único dia. Os pesquisadores analisaram 21 anos de dados coletados por dois satélites da Nasa entre janeiro de 2003 e novembro de 2023 para quantificar como a atividade de incêndio mudou ao longo do tempo.

Eles identificaram 2.913 eventos extremos em mais de 30 milhões de incêndios em todo o mundo. Tais eventos extremos de incêndio também foram definidos pela grande quantidade de fumaça emitida, seus altos níveis de emissões de gases de efeito estufa, que podem acelerar ainda mais o aquecimento global, e os efeitos ecológicos, sociais e econômicos do incêndio.

Os cientistas planejam examinar por que os incêndios nesses biomas foram tão extremos, mas Cunningham disse que suas descobertas são consistentes com os efeitos das mudanças climáticas, que tornam as condições mais quentes e secas nessas florestas e mais propícias a eventos extremos.

Essa escala de incêndios florestais ameaça não apenas comunidades próximas, mas também pessoas que vivem longe, pois a fumaça densa pode afetar significativamente a qualidade do ar ao viajar grandes distâncias.

“Os maiores eventos de fumaça vêm dos eventos de incêndio mais intensos”, disse Jeffrey Pierce, professor de ciências atmosféricas na Universidade Estadual do Colorado. “Se você não tem como limpar o ar em sua casa ou procurar lugares que tenham sistemas de purificação de ar”, a fumaça de incêndios florestais pode ter fortes efeitos na saúde.

Jennifer R. Marlon, cientista pesquisadora e professora na Escola de Meio Ambiente de Yale e do programa de comunicação sobre mudanças climáticas de Yale, disse que o estudo mostra que os humanos estão alterando os padrões de queima de florestas e pastagens muito além do que já ocorreu antes.

“Incêndios florestais maiores e mais severos são uma das manifestações mais óbvias de um planeta que está se aquecendo”, disse Marlon, por e-mail. “Se pudermos ajudar as pessoas a entender melhor essa conexão, podemos ser capazes de construir apoio para agir mais rapidamente para reduzir a raiz do problema: a queima de combustíveis fósseis.”

No primeiro semestre de 2024, o Brasil teve o maior índice de emissões de CO2 causadas por incêndios florestais e queimadas nos últimos 20 anos, de acordo com o acompanhamento do observatório europeu, Copernicus. Antes mesmo de se completarem os primeiros seis meses do ano, o país já emitiu 81,8 milhões de toneladas de CO2 equivalente (t/CO2e), cerca de 22 megatoneladas de carbono, um padrão não registrado pelo sistema desde 2005.

O estado de Roraima sozinho foi fonte de cerca de um quarto destas emissões. Segundo dados europeus, até o mês de maio as queimadas no estado haviam gerado 19,8 milhões de t/CO2e. O mês de junho, marcado por incêndios no Pantanal, já contabilizava 20,7 milhões de t/CO2e até o dia 19, data limite para os dados aos quais Um Só Planeta teve acesso com exclusividade.

Segundo especialistas brasileiros, o norte amazônico, prejudicado pela seca de 2023, ficou exposto de forma anormal ao fogo espontâneo da floresta, o que aumentou a ocorrência de incêndios. O dado ajuda a explicar por que, mesmo com a queda do índice de desmatamento, as queimadas afligem a Amazônia. O sul do bioma é a região tradicionalmente mais exposta à exploração da terra.

Um semestre “fora da curva”

O primeiro semestre de 2024 vem sendo considerado “fora da curva” por especialistas, e desde fevereiro já dava sinais de uma emissão alta advinda de queimadas e incêndios florestais. Naquele mês, Roraima teve, segundo dados do Inpe, 2.001 focos de fogo, número 12 vezes maior do que o do mesmo mês em 2023.

Agora em junho, a explosão dos incêndios no Pantanal levou o país à liderança mensal do ranking de queimadas na América do Sul. O período coincide com o início das queimadas no Pantanal, que nesta semana fizeram o estado do Mato Grosso do Sul decretar situação de emergência.

O Pantanal teve a maior quantidade de focos de incêndio já registrada no primeiro semestre desde 1988, quando as queimadas começaram a ser monitoradas por satélites pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Entre 1º de janeiro e 23 de junho deste 2024, após um ano de calor recorde e mais uma cheia muito abaixo da média, já foram detectados 3.262 queimadas, um número 22 vezes maior que o registrado no mesmo período do ano passado (+2.134%), segundo dados do instituto.

“No Cerrado, a seca chegou bem mais cedo e no Pantanal está muito antecipada, era para estar úmido ainda naquele bioma”, analisa Ane Alencar, diretora de ciências do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia). Na Amazônia, a pesquisadora lembra da hipótese que pode acontecer com o início do fenômeno La Niña, previsto para setembro, o que poderia adiantar o período chuvoso. Historicamente, o segundo semestre costuma ter uma incidência maior de incêndios florestais no Brasil.

O MapBiomas monitora tudo o que ocorre em todos os biomas brasileiros, e tem um banco de dados que recua até 1985. Está preparando um relatório sobre a superfície das águas, que deve ser divulgado hoje, com a informação de que a cobertura de água no bioma está 61% abaixo da média histórica. O que está destruindo o Pantanal é a união explosiva de três eventos predatórios:

A corrente de água que vem da Amazônia, os chamados rios voadores, está diminuindo por causa do desmatamento na região. Outro problema é que no planalto, no entorno do Pantanal, muitas áreas estão sendo convertidas em pastagem ou em campos de soja. E isso aumentou muito o assoreamento da Bacia do Paraguai, porque está vindo muito sedimento. Tanto que o Pantanal está ficando mais raso. E tem um terceiro problema que é a destruição do pasto natural para ser substituído pelo pasto plantado — diz Tasso.

O desmatamento da Amazônia faz chover menos no Pantanal. A destruição do Cerrado, no entorno do Pantanal, pela pecuária e para a produção de soja, afeta os rios da Bacia do Alto Paraguai. O pasto do bioma, que tem um ritmo natural, é retirado para dar lugar ao capim plantado exótico, que tem outro regime totalmente diferente. É assim que o país está destruindo o Pantanal.

Com a seca persistente em boa parte do país, as queimadas também estão acima da média no Cerrado e na Amazônia. Na Amazônia, o crescimento foi de 76% nos focos de incêndio entre 1º de janeiro e 23 de junho deste ano, em relação ao mesmo período de 2023, enquanto no cerrado a alta foi de 31%.

No Brasil, como um todo, o índice aumentou 60% neste ano e chegou a 33.368 focos — o número mais alto em mais de duas décadas.

No Brasil, as queimadas são provocadas, principalmente, pelo uso do fogo para renovar pastagens e limpar a vegetação derrubada pelo desmatamento. Ou seja, a maior parte do fogo é consequência de ações humanas.

Para especialistas, é preciso estar preparado para eventos climáticos extremos, cada mais intensos e frequentes com o aquecimento global. Os pesquisadores também atribuem aos governos federal e estaduais falhas nas medidas prevenção para proteger o Pantanal. O governo agora precisa correr para recompor a verba da pasta diante do orçamento insuficiente e tirar do papel às pressas um pacto assinado com Estados no início do mês na tentativa de não repetir a crise do ano passado.

O número de focos de fogo chegou a 2.363 até 24 de junho. O total é quase seis vezes maior do que os 406 focos registrados em todo o mês de junho de 2020, pior ano em incêndios para a região, que ficou devastada. “Esse cenário já era previsto e as ações de prevenção não foram feitas de maneira correta”, afirma Gustavo Figueirôa, diretor do S.O.S Pantanal.

Fonte: Folha SP.

Foto: David Swanson – 16.jun.2024/AFP.