No dia 8 de agosto de 2025, o Governo Federal sancionou, com 63 vetos, o Projeto de Lei 2.159/2021, conhecido como o PL da Devastação, que deu origem à Lei 15.190/2025, a nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental. A lei altera de maneira profunda as regras de licenciamento no país, desmontando a regulamentação que garantia salvaguardas e deixando descobertos temas de interesse comum, como a crise climática.
A repercussão pública foi imediata: especialistas, cientistas, movimentos sociais e organizações da sociedade civil alertaram para os riscos de afrouxamento das regras que protegem ecossistemas, comunidades e a própria segurança climática do país. Por isso, os vetos presidenciais devem ser compreendidos como um freio essencial contra retrocessos normativos que poderiam tornar irreversíveis danos ambientais e humanos. A votação está prevista para esta quinta-feira, 16 de outubro de 2025, e caberá a deputados e senadores, em sessão conjunta, manter ou derrubar esses vetos. Requisito que exige maioria absoluta em cada Casa (pelo menos 257 votos na Câmara e 41 no Senado).
Parlamentares que defendem a nova lei repetem o argumento de que o povo quer progresso, infraestrutura e desenvolvimento. Ninguém discorda que a população precisa de empregos, serviços e cidades que funcionem. O problema é usar esse anseio legítimo para dar salvo-conduto ao desmonte de regras que sustentam justamente a infraestrutura social e o bom planejamento rural-urbano, garantindo água limpa, solos férteis e florestas, que regulam o clima. Nossas cidades já foram tomadas por uma infraestrutura cinza que consome aceleradamente serviços ambientais, como o consumo de energia, extração mineral, grandes hidrelétricas, que abastecem modos de vida urbanos. Se seguirmos esse curso, não haverá recursos suficientes para a nossa e as próximas gerações e os danos serão, em grande medida, irreversíveis.
Os vetos presidenciais evitam exatamente o risco que o afrouxamento do licenciamento traz, tornando o Estado incapaz de avaliar e corrigir impactos negativos. Entre os dispositivos da nova lei, encontravam-se medidas que ampliavam indevidamente instrumentos concebidos para baixo impacto — como a Licença por Adesão e Compromisso — e os aplicava a empreendimentos de médio potencial poluidor; flexibilizava a Lei da Mata Atlântica, com risco de facilitar a supressão de vegetação nativa; e transferia à cada autoridade licenciadora a prerrogativa de definir quais atividades deveriam ser licenciadas, gerando insegurança jurídica e disputa federativa. Também foram retirados dispositivos que teriam dispensado manifestações de órgãos essenciais, como FUNAI e ICMBio – responsáveis pela proteção dos direitos dos povos indígenas e unidades de conservação federais. Em suma, ressuscitar esses dispositivos na lei é o mesmo que reduzir a capacidade de avaliação técnica, limitar a correção de impactos negativos e favorecer a captura da regulação por interesses privados.
Há, ainda, uma dimensão ética que atravessa todo o debate sobre licenciamento e que não pode ser ignorada quando se trata da arena política. O licenciamento ambiental é um processo técnico que implica escolhas sobre quem se beneficia e quem arca com os prejuízos. Já o Estado, ao legislar e aplicar normas ambientais, exerce uma obrigação ética de proteção das gerações presentes e futuras, da diversidade biológica e das comunidades tradicionais. Da mesma forma, é na vontade política que residem as responsabilidades éticas alcançando o setor privado e as instituições financeiras, que devem internalizar o custo dos riscos socioambientais, adotar diligências robustas, respeitar direitos territoriais e transparência no relacionamento com comunidades afetadas, como valores e princípios da prática empresarial. A ética pública exige, portanto, mecanismos claros de responsabilização e reparação. Transparência proativa, participação efetiva das comunidades e instâncias independentes de fiscalização são condições mínimas para que o processo não se transforme em arena de captura por interesses particulares.
Defender o meio ambiente significa proteger o patrimônio coletivo que torna o desenvolvimento íntegro e duradouro. Hoje, o Brasil possui tecnologia, ciência aplicada e modelos de negócio capazes de conciliar e potencializar economia e natureza. É esse pensamento estratégico de longo prazo que estava refletido no pacto pela Transformação Ecológica entre os três poderes.
O país precisa de capacidade técnica, servidores concursados, sistemas integrados e transparência informacional para que o licenciamento funcione como instrumento de prevenção, proteção e desenvolvimento sustentável — não como atalho para a exploração predatória irresponsável dos recursos naturais. A fragilidade da estrutura pública, agudizada por vagas não preenchidas, condições de trabalho precárias e pressões políticas sobre técnicos, torna ainda mais perigoso esvaziar regras estabelecidas.
Em 2025, quando o Brasil assume papel central na agenda climática ao sediar a 30ª Conferência das Partes, essa escolha terá significado simbólico e político. Não basta discursar em fóruns internacionais, é preciso conjugar liderança global com governança local justa. O Congresso, neste ponto, tem responsabilidade histórica, ética e política. Trata-se de decidir se o Estado atuará como guardião dos direitos da coletividade ou como facilitador de ganhos privados imediatos. O direito a um meio ambiente equilibrado está na Constituição e é também direito do povo a respirar ar puro, beber água limpa, ter alimentos saudáveis e viver com qualidade em todas as regiões do país. Não é justo, nem legítimo, que o Congresso passe mais uma vez o trator sobre esses direitos. Afinal, cuidar do meio ambiente é também cuidar da nossa gente.
Fonte: Estadão.
Foto: Divulgação.

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