Enquanto produtores agrícolas do país se preocupam com os efeitos da guerra na Ucrânia para o abastecimento de fertilizantes, uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais mostra que o Brasil tem reservas que poderiam garantir o abastecimento interno de potássio até 2100.
Atualmente, de acordo com dados da Embrapa, 50% da importação do insumo vem da Rússia e de Belarus. Baseada em dados do próprio governo, como da Agência Nacional de Mineração (ANM) e do Serviço Geológico Brasileiro (CPRM), a pesquisa revela que as jazidas de potássio representam apenas 11% do total da Bacia da Amazônia. Já dois terços das reservas se concentram nos estados de Sergipe, São Paulo e Minas Gerais.
Porém entre as que estão na Amazônia apenas 11% se sobrepõem a terras indígenas ainda não homologadas. Os números foram levantados com base em dados do Ministério de Minas e Energia. A informação vem no momento em que o projeto do governo federal que busca autorizar a exploração mineral em terras indígenas pode voltar a ser discutido, após dois anos parado.
Os parlamentares contaram que o presidente da Casa, Arthur Lira, quer acelerar a aprovação devido à dificuldade do Brasil de ter acesso a fertilizantes em meio à guerra entre Rússia e Ucrânia.
Em entrevista a uma rádio de Roraima na segunda-feira, 7 de março, o presidente Jair Bolsonaro defendeu o projeto e criticou a demarcação de terras indígenas. “Temos projeto desde 2020 que permite explorarmos essas terras indígenas, de acordo com o interesse do ministério, se eles concordarem, podemos explorar minérios, fazer hidrelétricas. O que o fazendeiro faz na tua terra, o indígena pode fazer do lado”, declarou Bolsonaro.
No entanto, o professor Raoni Rajão não vê da mesma forma. “A afirmação que é necessário mudar a legislação não corrobora”, declarou à CNN.
Outra questão é que o PL 191 é pressionado para ser aprovado em regime de urgência. É como se a liberação da exploração pudesse solucionar uma possível falta de potássio no Brasil em curto prazo. Especialistas apontam que falta tecnologia no país para extração e que é preciso uma política mais ampla e sólida para mudar esse mercado.
Resolvidas as questões técnicas, que não são poucas, as reservas de potássio que existem no Brasil são suficientes para abastecer a agricultura até 2100. Se tirar da conta as jazidas localizadas na Amazônia Legal, a autonomia ainda assim chega a 2089.
Já Everaldo Zonta, professor do departamento de Solos da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), ainda avalia que as jazidas em terras indígenas trazem o desafio da tecnologia. “É um potássio que não vai ser conseguido tão cedo, não por problemas ambientais, mas é um potássio em forma de salmoura, profundo. Nós não temos tecnologia ainda”, declarou.
Entretanto, o Serviço Geológico do Brasil, vinculado ao Ministério de Minas e Energia, defende que o potássio necessário para utilização do país neste momento está na Amazônia., mas não exclusivamente em áreas indígenas ou de proteção ambiental.
Segundo o diretor de Geologia e Recursos Minerais, Marcio Remédio, a agricultura tradicional ainda depende de fertilizantes solúveis, disponíveis nas jazidas desse território. “A condição daquele potássio é a mesma das grandes produtoras do mundo, tanto Canadá quanto Rússia. O formato daquele é ideal para a produção de fertilizantes solúveis”, apontou.
Remédios explica que o Serviço Geológico do Brasil coordena pesquisas para avaliar os potenciais de outras áreas. “No futuro, nós vamos ter uma coutilização, uma complementação do fertilizante tradicional com novos fertilizantes ideais para a agricultura tropical”, destacou.
Como conquistar independência?
O Brasil depende da importação de fertilizantes à base de nitrogênio, fósforo e potássio para garantir a produção agrícola. Eles são utilizados para corrigir o solo e garantir o aumento da safra.
Segundo os pesquisadores Raoni Rajão e Everaldo Zonta, o país tinha independência de potássio até 1990. “Vem desde a privatização da Vale, que era a grande produtora. O aumento da produção de alimentos, que hoje mantém a balança comercial positiva, se deve ao aumento no consumo de fertilizantes, mas a produção nacional não seguiu a mesma linha”, analisa Zonta.
Os dois professores são unânimes em pedir uma política nacional para extração de potássio. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento deve lançar um plano nacional de fertilizantes ainda este mês.
Rajão acredita que o cenário da guerra mostra a importância de se investir no mercado brasileiro, mas defende que é preciso incentivo para iniciar uma concorrência com gigantes internacionais que dominam as vendas.
“O governo federal está preparando um plano de fertilizantes, mas isso passa por vários pontos importantes, como equiparar a questão dos impostos. No Brasil, se você produz, você paga 8% de ICMS. Se você importa, não paga imposto. Não faz sentido você ter esse tratamento diferenciado, além de ter a necessidade de uma ação de longo prazo, com estímulos de bancos públicos”, defendeu.
Já Zonta destaca a importância de investimentos em pesquisa para soluções para a busca por fertilizantes.
Estoques para Três Meses
A Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda) divulgou que os produtores têm estoque de fertilizantes para três meses. A entidade mantém diálogo com o governo federal para resolver o problema e espera que a guerra na Ucrânia acabe o quanto antes.
Procurado, o Ministério da Agricultura respondeu à CNN que o Brasil tem fertilizantes para garantir o plantio até outubro. E também que prepara uma caravana de treinamento sobre a eficiência dos insumos, na tentativa de garantir uma economia de US$ 1 bilhão em fertilizantes.
Fontes: Ciclo Vivo, Galileu, CNN, Folha SP.