Mudança climática deve aumentar frequência de fumaça sobre cidades

A fumaça de incêndios florestais no Canadá, que cobriu Nova York, cruzou o Atlântico e chegou à Noruega, reforça o alerta de tempos mais secos e quentes com a chegada do El Niño. Isso porque mesmo nos três últimos anos de La Ninã, com mais chuvas no vizinho dos Estados Unidos, o fogo espalhou cinzas pelo continente.

A principal leitura é que a frequência de névoas alaranjadas na costa leste dos EUA ou dias escuros – como já aconteceu em São Paulo – vai aumentar. A resposta não é novidade: mudanças climáticas estão alterando quando e o quão intensos esses problemas serão.

No oeste da Amazônia, a nuvem cinza captada em satélite no ano passado foi causada pelo pior mês de fogo desde 2010. Há três anos, o céu de San Francisco, na costa oeste dos EUA, ficou cinzento com partículas que também chegariam à Europa.

Em setembro de 2020, a capital paulista também ficou com o céu cinzento em decorrência de queimadas no Centro-Oeste e no Norte. A cidade já tinha tido um dia mais escuro que o normal em 2019, ano no qual Sydney (Austrália) passou por uma situação semelhante.

As causas e motivos para o espalhamento do fogo são diferentes pelo mundo, mas funcionam como termômetro mais factível do que vem pela frente. É o que diz Ane Alencar, diretora de ciência do Ipam (Instituto de Pesquisa da Amazônia).

“É algo peculiar no Canadá. Tanto florestas na costa oeste quanto na leste queimaram mais ou menos no mesmo período, com grandes incêndios na parte leste, que normalmente são menores”, afirma. “E estão só no início da estação de queima deles. O pico é em julho, um pouco diferente do nosso, em setembro.”

Alencar afirma que a formação de bolsões de ar seco e quente chegou mais cedo neste ano, favorecendo a difusão do fogo.

Ainda, ela afirma que a temperatura mais alta nas águas do Pacífico, oceano em que ocorre o El Niño, muda a circulação de ventos e favorece a difusão do fogo e da fuligem, fazendo-a viajar mais longe.

“E se há muito fogo na costa oeste e na leste, tem uma corrente de ar que leva essa fumaça para a costa leste dos EUA, ‘descendo’.

No Canadá, metade dos incêndios florestais é ocasionada por raios, mas também acontece por descuido como fogueiras em acampamentos, e práticas mais incomuns, no país, de supressão vegetal com fogo.

No Brasil, um dos principais riscos para que a fumaça se alastre sobre cidades é o uso dessa técnica para o manejo de pastagens.

“O que nova-iorquinos enfrentam, respirando ar de qualidade ruim devido a queimadas, as pessoas na Amazônia passam até pior todos os anos. O que não queremos é que isso se repita. ”

Estudo publicado em abril na revista científica Communications Earth & Environment, conseguiu mensurar pela primeira vez danos associados a queimadas em terras indígenas da Amazônia Legal e observou impactos em cerca de 15 milhões de casos de infecções respiratórias por ano, com um custo estimado de US$ 2 bilhões (cerca de R$ 9,76 bilhões).

Para a pesquisadora, o Brasil precisa qualificar o uso do manejo com fogo na floresta amazônica e em outros biomas, como o cerrado e o Pantanal, porque o uso atual, para limpar áreas desmatadas ou pasto, tende a sair cada vez mais de controle.

“As mudanças climáticas vão tornar isso cada vez mais frequente, tanto pela relação com El Niño e La Niña, mais fortes e imprevisíveis, como no impacto sobre toda a circulação climática do planeta. Vai ficar comum”, diz Alencar. “O fogo vai ser o principal indicador desses eventos extremos.

Além de sinais, os incêndios florestais também têm o potencial de liberar grandes quantidades de gases do efeito estufa. Em 2021, o fogo em florestas boreais na Eurásia e na América do Norte abriram caminho para 1,76 bilhão de tonelada de CO₂ na atmosfera, o que correspondeu a 23% de todas as emissões de incêndios no mundo daquele ano.

Nas últimas três décadas, o Brasil teve quase 20% do território atingido por queimadas ,com destaque para Amazônia e cerrado

Segundo Alencar, também é preciso que o país aprove a política nacional de manejo do fogo para incentivar regulações em estados e municípios.

O projeto atual, de 2018, foi aprovado em 2021 pela Câmara e passou pela Comissão de Meio Ambiente no Senado em maio deste ano. O projeto cria regras para o uso do fogo no meio rural, inclusive entre comunidades tradicionais e povos indígenas, e prevê a substituição gradual por outras técnicas de manejo.

Fonte: Folha SP.

Foto: Amr Alfiky – 6.jun.23/Reuters.