No combate Kamala x Trump, contraste na agenda climática fica mais dramático

O ex-presidente dos EUA Donald Trump prometeu “cancelar” as políticas do presidente Joe Biden para reduzir a poluição das usinas de energia movidas a combustíveis fósseis, “encerrar” os esforços para incentivar veículos elétricos e “desenvolver o ouro líquido que está bem debaixo de nossos pés”, promovendo petróleo e gás.

Essas mudanças e outras prometidas por Trump, caso ele vença a Presidência novamente, representam uma mudança de 180 graus em relação à agenda climática de Biden. Quando presidente, Trump reverteu mais de cem proteções ambientais implementadas pela administração Obama. Biden, por sua vez, reverteu grande parte da agenda de Trump.

Mas, defensores do clima argumentam que um segundo mandato de Trump seria muito mais prejudicial do que o primeiro, porque a janela para manter o aumento das temperaturas globais em níveis relativamente seguros está se fechando rapidamente.

Se eleito, uma das primeiras medidas de Trump será repetir seu gesto de 2019 e retirar novamente os EUA do Acordo de Paris. Segundo o site POLITICO, a ação pode ser ainda mais radical: os republicanos estariam estudando a saída dos EUA da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima (UNFCCC), o que retiraria o maior emissor histórico de gases de efeito estufa do mundo do único regime multilateral de ação climática.

“Ele disse que vai voltar vingativo [à Casa Branca]”, afirmou à CNN o ex-secretário de estado John Kerry, que atuou como enviado especial do governo Biden para as negociações climáticas nos últimos três anos. “Seria realmente um resultado catastrófico”.

A Rolling Stone destacou como essa ofensiva anticlima está sendo organizada dentro da campanha de Trump no âmbito do polêmico “Project 2025”. Entre as medidas que estão sendo preparadas, está a derrubada da Lei de Redução da Inflação (IRA), autorizações imediatas para exploração de petróleo em Terras Públicas e offshore, extinção de programas e projetos relacionados à energia limpa e redução de emissões de carbono, desmonte da Agência de Proteção Ambiental (EPA), entre outras.

Com a eclosão da pandemia de Covid em 2020, apesar do consenso sobre a urgência do enfrentamento da crise sanitária, o negacionismo e a postura anticiência de Donald  Trump, que  inicialmente  tiveram  como  alvo  as  questão  da  mudança  climática  e  políticas  ambientais,  estenderam-se  à  gestão  federal  da  crise  sanitária.  As medidas recomendadas pelas  autoridades  de  saúde  para contenção da pandemia, como uso de máscaras e o distanciamento social, foram  criticadas  e  ostensivamente  desrespeitadas  por  Trump.

E, ainda, eram apontadas nos discursos do presidente como responsáveis pela crise que afetou a economia dos Estados Unidos e uma intrusão no campo da liberdade individual e econômica. O que se verificou na gestão  federal  da  pandemia  nos  Estados  Unidos  foi  o aprofundamento das políticas do governo Trump, do negacionismo, racismo, xenofobia, e anticientificismo.

A reviravolta provocada pela saída de Biden da disputa, com a vice-presidente Kamala Harris assumindo a cabeça de chapa da candidatura democrata, o contraste na agenda climática fica ainda mais dramático – assim como as perspectivas para o futuro do planeta com a vitória de uma ou de outro.

Ela já disse que fará da crise climática uma prioridade máxima de segurança nacional. Diversas reportagens publicadas na imprensa americana desde domingo listaram o longo histórico de atuação de Harris em políticas sobre o tema, que remonta ao período em que era procuradora no estado da Califórnia.

“Harris há anos coloca o meio ambiente como uma de suas principais preocupações, desde processar poluidores como procuradora-geral da Califórnia até patrocinar o Green New Deal [ambiciosa resolução proposta no Congresso norte-americano para combater as mudanças climáticas] como senadora e dar o voto decisivo como vice-presidente para a Lei de Redução da Inflação de 2022 (IRA, na sigla em inglês), o maior investimento climático na história dos Estados Unidos”, escreveu Lisa Friedman, para o New York Times.

Ela já se destacava na defesa da justiça ambiental em 2005, quando, como procuradora-geral, criou uma nova divisão de crimes ambientais na promotoria em São Francisco. Na ocasião, ela defendeu que “crimes contra o ambiente são crimes contra as comunidades, contra pessoas que geralmente são pobres e privadas de direitos”.

No cargo, lembra reportagem da ABC News, ela investigou em 2016 a petroleira Exxon Mobil por enganar o público sobre os riscos do uso de combustíveis fósseis para as mudanças climáticas; processou a Plains All-American Pipeline por um derramamento de óleo na costa da Califórnia em 2015; e ainda assegurou um acordo para que a Volkswagen pagasse US$ 86 milhões ao Estado no caso em que a montadora mentiu sobre os dados das emissões dos veículos a diesel.

Como senadora e depois como vice-presidente, ela advogou pela oferta de ônibus escolares elétricos, garantindo um recurso de US$ 5 bilhões para sua adoção. E defendeu também o banimento do fracking em terras públicas e leis que requerem carros menos poluentes.

Harris chegou a se lançar como candidata à presidência nas prévias democratas na eleição passada, mas acabou abrindo mão em prol de Biden. E seu plano de governo tinha uma agenda climática bem mais ambiciosa que a dele. Ela apoiava um imposto sobre o carbono e propôs US$ 10 trilhões em gastos climáticos públicos e privados – pontos que acabaram rendendo ataques a Biden quando ela foi escolhida como sua vice.

Mesmo sendo considerada a política climática mais ambiciosa que os Estados Unidos já tiveram, a IRA, que foi aprovada em 2022, teve de ser suavizada e fazer algumas concessões para passar tanto pelos democratas quanto pelos republicanos no Congresso.

A IRA destina mais de US$ 370 bilhões ao longo de dez anos para energia eólica, solar, baterias e veículos elétricos e foi projetada para ajudar o país a se afastar dos combustíveis fósseis. Se cumprida em sua totalidade, pode ajudar a derrubar pela metade as emissões de gases de efeito estufa dos Estados Unidos – maior emissor histórico e segundo maior na atualidade – até 2035, em comparação com os níveis de 2005, de acordo com relatório da Universidade Princeton.

A lei é um dos alvos de Trump, que já prometeu tentar revertê-la se eleito – o que vai depender de o partido também conseguir maioria no Congresso. Na convenção republicana da semana passada, lembra a reportagem do New York Times, os republicanos prometeram interromper qualquer transição dos combustíveis fósseis e promover mais desenvolvimento de petróleo, gás e carvão. O mote do plano de governo deles é “Drill, baby, drill”, em referência à perfuração de mais poços de combustíveis.

Considerando as resistências da oposição, se para eleita talvez Harris não consiga ir muito além das políticas já adotadas por Biden. Na prática, se conseguir manter o curso e cumprir o proposto, já vai ser um avanço e tanto. Mas o que importa, agora, é ganhar. E a expectativa entre ambientalistas, cientistas e no partido, segundo a imprensa americana, é que o histórico dela nesses temas, o apelo que eles têm junto à juventude, a empolgação de Harris em defender a agenda podem dar aquela energizada que estava faltando nessas eleições para mobilizar os eleitores a votar contra Trump.

No ano passado, em uma entrevista a um podcast conduzido pela cientista climática Leah Stokes e pela escritora Katharine Wilkinson, muito antes de parecer realidade que ela seria candidata, Harris afirmou: “Estou convencida de que o nosso futuro é brilhante, mas temos de trabalhar com sentido de urgência. Temos de ser rápidos, temos de compreender que estamos num momento muito específico e esta janela irá se fechar sobre nós se não agirmos com um sentido de urgência. Mas a janela não tem de se fechar sobre nós se agirmos, e penso que estamos empenhados em fazer isso”.

O começo desta semana foi marcado por duas quebras consecutivas do recorde de temperatura média do planeta. Domingo (21) e segunda-feira (22) foram os dias mais quentes do registro histórico. A Terra está aquecendo perigosamente e estamos cada vez mais entrando em um território desconhecido. Neste momento, qualquer retrocesso no enfrentamento desse problema vai por a humanidade em um risco em que ninguém, em sã consciência, deveria estar disposto a se colocar.

Fontes: Agência Pública, New York Times, Folha SP, IPEA, Rolling Stone.

Foto: Brendan Smialowski e Patrick T. Fallon/AFP.