Uma nova enzima descoberta em solo brasileiro promete uma revolução na área de energia verde. A molécula é capaz de acelerar em até 10% a desconstrução da celulose – uma das etapas mais importantes da produção de energia e produtos químicos a partir de biomassa, como bagaço de cana-de-açúcar, palha de milho e madeira. A pesquisa foi publicada nesta quarta-feira, 12, na revista científica Nature.
O trabalho que levou à descoberta da nova molécula foi desenvolvido por pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP), em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisa para Agricultura, Alimentos e Meio Ambiente da França (INRAE, da Universidade Aix Marseille), e com a Universidade Técnica da Dinamarca (DTU).
Essa nova molécula, da classe dos biocatalisadores, foi identificada a partir do material genético de bactérias encontradas em resíduos de biomassa. O trabalho faz parte de um ambicioso projeto do CNPEM, em conjunto com várias outras instituições científicas do País, de mapeamento da biodiversidade microbiana do Brasil.
Segundo os pesquisadores, o potencial da iniciativa é incomensurável, uma vez que 99% da microbiota é desconhecida. “É a matéria escura da metagenômica: genes com funções desconhecidas de micro-organismos desconhecidos”, diz o pesquisador do CNPEM Mário Murakami, principal autor do novo estudo.
“A ideia é gerar esse patrimônio genético para que possa ser minerado por todos os setores. É um programa altruísta, que reúne dezenas de centros de pesquisas e universidades. Uma rede bem ampla para acessar essa informação com múltiplas instituições, gerando dados de muito valor para a comunidade científica e para a indústria”, acrescenta.
E a primeira grande descoberta do projeto já tem tudo para ser revolucionária. Uma das principais etapas do processo de produção de energia e produtos químicos a partir da biomassa é a quebra da celulose — um carboidrato presente nas plantas. O composto orgânico é formado por uma cadeia de moléculas de glicose. Para transformá-lo em energia e produtos químicos é preciso quebrar essa cadeia e separar as moléculas de glicose. Isso é feito por meio de enzimas adicionadas ao processo desde a década de 50..
Há 20 anos, cientistas descobriram novas enzimas capazes de tornar o processo mais eficaz em 10% — o que foi considerado a maior revolução do setor até então. Agora, com a descoberta brasileira, o processo terá sua eficácia aumentada em mais 10%. Melhor ainda: a nova enzima pode ser usada com as demais, aumentando em até 20% a quantidade de glicose liberada.
“Essa descoberta muda o paradigma da degradação da celulose na natureza e tem o potencial de revolucionar as biorrefinarias”, afirmou o pesquisador do CNPEM Mário Murakami, principal autor do trabalho. “Podemos vislumbrar novas rotas para a produção de bioenergia, bioquímicos e biomateriais a partir da biomassa vegetal, contribuindo para uma economia de base biológica, baixo carbono e circular.”
Para se ter uma ideia, de acordo com dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o Brasil produziu em 2023 43 bilhões de litros de etanol. Segundo os cientistas, com a nova enzima, essa produção poderia aumentar em bilhões de litros sem a necessidade da ampliação das áreas de plantio. A descoberta já foi patenteada e testada em projeto-piloto com escala industrial.
“Estamos em processo de licenciamento para viabilizar a produção local, o que ampliará a competitividade e eficiência das bior-refinarias no Brasil”, diz Murakami. “O uso no setor produtivo pode começar entre um e quatro anos após o licenciamento, dependendo da tecnologia aplicada em seu desenvolvimento.”
De acordo com o diretor-geral do CNPEM, Antonio José Roque da Silva, a combinação de tecnologias avançadas disponíveis no centro, como cristalografia por raios-X no acelerador de partículas e engenharia genética, foi crucial para a descoberta.
O entendimento da ação da enzima sobre a celulose foi possível graças a todo o parque de equipamentos e ao elenco de pesquisadores do CNPEM, permitindo a elucidação da estrutura tridimensional e o mecanismo de reconhecimento das fibras de celulose. Seu mecanismo único, baseado na bioquímica redox, leva a ganhos superiores ao que se conhece no estado-da-arte”, finaliza Murakami.
Fontes; Estadão, Agência Brasil.
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