O decrescimento funciona, e a ciência pode ajudar nisso

Desde sempre a gente ouve falar em crescimento econômico e como isso é importante para melhorar a vida nos países. A economia global é estruturada em torno do crescimento. Acontece que é impossível crescer indefinidamente dentro de um planeta definido por limites de espaço e de bens naturais. Como fazer, então, para que todos os seres humanos tenham uma boa qualidade de vida, com alimentação, saúde, educação, trabalho e lazer garantidos, sem destruir o próprio ambiente que nos propicia tudo isso? Uma das respostas: decrescimento.

A economia ecológica sugere que as nações ricas abandonem o crescimento do produto interno bruto (PIB) como meta, reduzam as formas de produção destrutivas e desnecessárias – diminuindo assim o uso de energia e materiais – e concentrem a atividade econômica para garantir as necessidades humanas e o bem-estar.

Essa abordagem, que ganhou paraça nos últimos anos, segundo artigo na Nature , pode permitir uma descarbonização rápida e interromper o colapso ecológico, ao mesmo tempo que melhora os resultados sociais. O decrescimento dos países ricos liberaria energia e materiais para países de baixa e média renda nos quais o crescimento ainda pode ser necessário para o desenvolvimento.

Dado que a dinâmica do aumento indiscriminado da produção vem impulsionando a mudança climática e o colapso ambiental, pesquisadores da economia ecológica propõem que os países decresçam. Não à toa, os relatórios deste ano do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e da Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) sugerem que as políticas de decrescimento sejam consideradas na luta contra a crise do clima e a perda de biodiversidade. As políticas para apoiar tal estratégia incluem o seguinte:

Reduzir a produção de setores destrutivos, como combustíveis fósseis, carne e laticínios produzidos em massa, moda rápida, carros e aeronaves, incluindo jatos particulares; e acabar com a obsolescência programada dos produtos, prolongando sua vida útil.

Melhorar os serviços públicos de saúde, educação, habitação, transporte, internet, energia renovável e alimentação nutritiva, que podem gerar resultados sociais fortes sem grande aumento no consumo de recursos.

Introduzir uma garantia de empregos verdes em torno de objetivos sociais e ecológicos urgentes, como a instalação de energias renováveis, isolamento térmico de edifícios, regeneração de ecossistemas e melhoria da assistência social. Isso proporcionaria uma transição justa de empregos para profissionais de setores em declínio. A iniciativa poderia ser emparelhada com uma política de renda universal.

Reduzir o tempo de trabalho por meio da diminuição da idade de aposentadoria, do incentivo ao trabalho em meio período ou da adoção da semana de trabalho de quatro dias. Isso reduziria as emissões de carbono e liberaria as pessoas para se envolver em atividades de cuidado e melhoria do bem-estar.

Possibilitar o desenvolvimento sustentável, o que requer o cancelamento de dívidas injustas e impagáveis por parte de países de baixa e média renda, coibir práticas injustas no comércio internacional e criar condições para que a capacidade produtiva seja reorientada para a conquista de objetivos sociais.

Alguns países, regiões ou cidades já implementaram elementos dessas políticas. Viena e Cingapura têm habitações públicas de alta qualidade, quase 100 cidades no mundo oferecem transporte público gratuito, e experimentos com renda básica e jornadas de trabalho mais curtas estão em andamento na Finlândia, Suécia e Nova Zelândia. No entanto, a implementação de uma estratégia mais abrangente de decrescimento, que seja segura e justa, enfrenta cinco desafios principais de pesquisa:

A remoção das dependências do crescimento, o que requer equilibrar as economias nacionais com novos modelos macroeconômicos que combinem variáveis econômicas, financeiras, sociais e ecológicas.

O financiamento de serviços públicos, com governos interrompendo os subsídios para a extração de combustíveis fósseis, tributando mais os setores prejudiciais ao meio ambiente e redirecionando gasto público para reduzir a desigualdade.

O gerenciamento de reduções de tempo de trabalho, que ainda demanda testes em outros setores que não de serviços, além de estudos e pesquisas sobre custos com funcionários, impactos coletivos, aumento ou não de novos postos de trabalho e as relações entre horas trabalhadas e emissões de carbono.

A reformulação dos sistemas de abastecimento, o que requer mais estudos sobre como esses sistemas vinculam o uso de recursos aos resultados sociais, tanto em sistemas físicos (infraestrutura e tecnologia) quanto sociais (governos e mercados), considerando recursos além da energia, como materiais, terra e água, e examinando os sistemas de provisão para habitação, transporte, comunicação, saúde, educação e alimentação.

A viabilidade política e oposição, que demandam mais estudos para entender de onde vem o impulso para a política de decrescimento, avaliando quatro áreas: mudanças de atitudes e práticas via pesquisas e grupos focais, lições de cidades e projetos de transição sustentáveis, movimentos políticos alinhados com os valores do decrescimento, e interesses políticos e econômicos que podem se opor ou apoiar o decrescimento.

Para pavimentar o caminho da prosperidade sem crescimento, a ação do governo e dos movimentos sociais fortes é fundamental, assim como uma mobilização maciça de pesquisadores em todas as disciplinas, incluindo economistas de mente aberta, cientistas sociais e políticos, modeladores e estatísticos. Também é necessário que a agenda receba mais atenção e debate nos grandes fóruns econômicos, ambientais e climáticos, como as conferências das Nações Unidas.

Fonte: Um Só Planeta.

Imagem: Divulgação.