O mamífero que não envelhece e pode ser a chave para humanos vencerem o câncer

Não é segredo para ninguém que o rato-toupeira-pelado – aquele roedor enrugado e quase sem pelos, com longos dentes salientes – não é o animal mais atraente do planeta.

Mas essas criaturas compensam sua pouca beleza com uma série de características extraordinárias que vêm chamando a atenção de zoólogos e pesquisadores da medicina em todo o mundo.

Apesar do seu pequeno tamanho (que varia de 7,6 a 33 cm), o rato-toupeira-pelado vive, em média, 30 anos. O roedor é resistente a doenças crônicas, incluindo diabetes, e tem um notável sistema reprodutor.

Imunes às dores e ao envelhecimento, essas criaturas de aparência estranha vêm fascinando os cientistas há muito tempo. Agora, as pesquisas estão revelando que eles podem deter a chave para entender uma série de condições humanas, como o câncer e o envelhecimento.

O nome científico da espécie – Heterocephalus glaber – significa essencialmente “coisa careca com cabeça diferente”.

O rato-toupeira-pelado é nativo dos ambientes quentes e tropicais do nordeste da África. No seu ambiente natural, eles vivem em grandes colônias subterrâneas, formando um labirinto de túneis e câmaras que se estende por uma área correspondente a diversos campos de futebol.

As rígidas condições onde vivem os ratos-toupeiras-pelados, com baixos níveis de oxigênio, podem ser uma indicação de algumas das características incomuns da sua espécie.

A maior parte da vida aeróbica enfrentaria dificuldades para sobreviver nesses ambientes com pouco oxigênio, mas o rato-toupeira-pelado é o animal que tem a vida mais longa entre os roedores.

Enquanto um camundongo de porte similar pode viver por dois anos, o rato-toupeira-pelado atinge 30 anos de vida ou mais. Se calcularmos em proporção ao tamanho dos seres humanos, aproximadamente, seria como se nós tivéssemos um primo enrugado capaz de viver até 450 anos.

Animais sociais chefiados por ‘rainha’

O rato-toupeira-pelado é encontrado nas áreas selvagens do Quênia, Etiópia e da Somália. Ele vive em colônias com cerca de 70 a 80 membros. Algumas chegam a abrigar até 300 indivíduos.

São animais altamente sociais. Suas colônias são chefiadas por uma rainha e seguem uma hierarquia rígida.

Seus membros desempenham diferentes funções. Existem, por exemplo, os que trazem as partes subterrâneas das plantas, como bulbos, raízes e tubérculos que eles comem, além de fezes.

Enquanto os seres humanos podem ficar cada vez mais enrugados, grisalhos ou suscetíveis a doenças crônicas, “os sinais comuns de envelhecimento esperados na maioria dos mamíferos realmente não parecem acontecer” nesses roedores, segundo Smith. Sua função cardíaca, composição do corpo, qualidade dos ossos ou metabolismo não sofrem mudanças significativas.

Seu estilo de vida subterrâneo pode aumentar suas chances de sobrevivência, protegendo as colônias contra o frio, a chuva e os extremos climáticos. No ambiente selvagem, a principal causa de morte são seus predadores, como as cobras.

É um quadro muito diferente das causas comuns de morte em seres humanos. “Um em cada dois humanos provavelmente terá câncer”, segundo Smith. “Os ratos e os camundongos têm probabilidade similar de desenvolver câncer, mas os ratos-toupeiras-pelados quase nunca têm a doença – é muito raro.”

Por que esse bicho escapa de doenças?

O motivo por que o rato-toupeira-pelado escapa do câncer ainda é um mistério. Inúmeras hipóteses foram apresentadas ao longo dos anos e os cientistas lutam para fornecer uma explicação consistente.

Uma teoria diz que os ratos-toupeiras-pelados têm uma forma particularmente eficaz de mecanismo anticâncer chamada senescência celular – uma adaptação evolutiva que evita que as células lesionadas se dividam fora de controle e desenvolvam câncer. Outra teoria sugere que esses roedores secretam um “superaçúcar” complexo que impede que as células se aglomerem e formem tumores.

A questão pode ainda estar sem resposta, mas o que sabemos é que “o câncer é fundamentalmente o resultado de uma mutação, que causa a proliferação das células de forma descontrolada”, afirma Smith. “Em comparação com outras espécies, o rato-toupeira-pelado tem velocidade de mutação muito baixa.”

Sem dor

Mas a característica mais estranha do rato-toupeira-pelado talvez seja sua insensibilidade à dor. “Provavelmente, é o resultado de uma adaptação evolutiva ao [seu] ambiente com alto nível de dióxido de carbono”, explica Smith.

O ar que esses roedores respiram é mais rico em CO2 que o ar da atmosfera. Se esse ar exalado ficar preso em túneis subterrâneos, o teor de CO2 se acumula.

Para a maioria dos mamíferos, este seria um problema. “O dióxido de carbono reage com água para formar um ácido, chamado ácido carbônico, que pode ativar os nervos para causar dor”, afirma o pesquisador.

Em muitas doenças inflamatórias, como a artrite reumatoide, as áreas de inchaço dos tecidos, muitas vezes, podem ficar ácidas e causar dor. Mas “o rato-toupeira-pelado não sente o ácido como algo doloroso, não da forma que o suco de limão ou vinagre espalhado sobre cortes da pele causa dor”, explica Smith.

‘Incrível inteligência’ e ‘hábitos malucos’

A professora de fisiologia e metabolismo Gisela Helfer, da Universidade de Bradford, no Reino Unido conta que, dentro das suas colônias altamente organizadas, os roedores têm câmaras de nidificação para dormir e banheiros para manter seus habitats limpos. E, quando os filhotes nasceram, ela ficou surpresa ao ver que a colônia havia criado uma “creche”, para cuidar dos jovens animais.

Eles também “se movem para frente e para trás com a mesma rapidez” e raramente usam seus pequenos olhos redondos, preferindo confiar nos seus bigodes sensoriais para orientar-se embaixo da terra, segundo explica a professora.

Os ratos-toupeiras-pelados também têm formas características de comunicação entre si, determinando quem é amigo ou estranho por meio de diversos dialetos, de forma muito similar aos seres humanos.

Outra forma de cooperação entre os ratos-toupeiras-pelados como colônia é por meio da agricultura sustentável.

Os horários das refeições envolvem trazer para suas tocas grandes tubérculos, como batatas-doces, para que sejam roídos com outros membros da colônia. Cada refeição pesa até 50 kg.

Os ratos-toupeiras removem as camadas externas venenosas da planta, comem sua refeição e preenchem a parte consumida com solo, para que o tubérculo se regenere, tornando-se outra refeição posteriormente.

De fato, sua comunicação complexa, vida longa, coesão social e administração cuidadosa dos recursos alimentícios fazem com que os ratos-toupeiras-pelados demonstrem fortes sinais de alta inteligência.

A importância – e as dificuldades – dos estudos

Por mais extraordinários que sejam os ratos-toupeiras-pelados, biologicamente falando, eles não são a espécie mais simples para observar e trabalhar, o que significa que relativamente poucos grupos de pesquisa em todo o mundo estudam esta espécie incrível.

Se os cientistas conseguirem desvendar por que esses mamíferos extremófilos vivem uma vida saudável, eles poderão “traduzir” esse conhecimento em tratamentos preventivos ou medicações que tratem o câncer depois que ele surgir, segundo Smith. E pode também haver outros benefícios na pesquisa desses animais altamente incomuns, alguns dos quais dificilmente podem ser previstos.

Fonte: BBC Future.

Foto: Alamy.