Nos últimos dias, várias revistas científicas, blogs e até periódicos da imprensa tem dado destaque ao branqueamento dos corais. E muitas pessoas estão se perguntando o que é isso e qual a importância para a sociedade.
Em primeiro lugar, é preciso entender o que são os recifes de corais e onde estão. Dá-se o nome de corais a um grupo de animais marinhos primitivos, da classe Antozoários do filo Cnidários. Eles vivem em ambientes muito restritos, em mares tropicais de águas quentes (acima de 20ºC) e claras, portanto, calmas e rasas (menos de 40m de profundidade). No Brasil, ocorrem desde o Maranhão até Santa Catarina, além das ilhas oceânicas de Abrolhos, Atol das Rocas e Fernando de Noronha.
Muito embora em 2016 tenham sido descobertos recifes de corais entre 70 e 220 metros de profundidade na foz do Rio Amazonas, entre os Estados do Maranhão e do Amapá. Eles formam o que os cientistas hoje chamam de Grande Sistema de Recifes do Amazonas (GARS, em inglês), com 56 mil quilômetros quadrados de extensão — do tamanho do Estado da Paraíba.
Os recifes de coral são ecossistemas vitais: berços calcários de vida marinha que alimentam cerca de um quarto das espécies oceânicas em algum momento de seus ciclos de vida, sustentam peixes que fornecem proteínas para milhões de pessoas e protegem as costas de tempestades.
Os impactos mais severos sobre os corais são provocados pela ação humana. Entre eles, a pesca predatória, o turismo desordenado, vazamentos de barcos a motor, resíduos sólidos e demais poluentes, o despejo de efluentes com altas cargas de nutrientes, microplásticos, antibióticos e outros produtos químicos. Podemos citar também como impactos antrópicos, a poluição em decorrência da instalação de projetos industriais e a exploração de petróleo.
Isso tem sido ainda mais agravado pelas mudanças climáticas que estão transformando a Terra. Estamos vivendo o “susto” de ver as previsões da ciência acontecerem em todo o mundo, e na nossa rua. São tempestades, enchentes, deslizamentos de encostas, ondas de calor e queimadas que prejudicam vidas e arrasam cidades. No entanto, para além dos desastres ambientais evidentes, o aquecimento global também desencadeia outras consequências igualmente devastadoras, algumas delas mais conhecidas por cientistas e pesquisadores.
Os recifes de corais, por exemplo, são “vítimas discretas ou silenciosas” desse fenômeno. Uma das principais ameaças é o branqueamento dos corais, processo causado pelo aquecimento e acidificação do oceano. O tecido desses organismos fica translúcido, revelando seu esqueleto e causando a diminuição da capacidade reprodutiva, além da redução das taxas de crescimento e de calcificação, o que pode provocar a morte dos corais.
A WWF (Fundo Mundial para a Natureza) disse que o evento global de branqueamento global de corais, causado por temperaturas oceânicas extraordinárias, anunciado pela NOAA (Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos), na segunda-feira (15/04/2024), terá graves consequências negativas para as comunidades costeiras e para a saúde dos oceanos.
De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), os recifes de corais abrigam 25% da fauna marinha, incluindo cerca de 65% dos peixes, muitos deles de espécies comerciais. Ou seja, esses ecossistemas funcionam como condomínios subaquáticos, onde moram diversas espécies de peixes, tartarugas e invertebrados, como caranguejos e moluscos, além de ser fonte de alimento e abrigo para outras espécies que estão de passagem.
Pelo menos 500 milhões de pessoas dependem de recifes de coral para alimentação, proteção costeira e meios de subsistência. Um levantamento realizado pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) alerta que, se algo não para feito de maneira urgente, 90% dos recifes de corais podem desaparecer até 2050.
Do ponto de vista econômico, a conservação dos corais representa também emprego e sustento de diversas atividades produtivas, além de evitar gastos bilionários. O recente estudo “Oceano sem Mistérios – Desvendando os recifes de corais”, realizado pela Fundação Grupo Boticário, identificou que os corais geram receita de até R$ 167 bilhões ao Brasil em serviços de proteção costeira e turismo. Ao evitar os efeitos de ressacas e outros eventos climáticos extremos, os recifes protegem a infraestrutura pública e privada, como ruas, calçadas, moradias, comércios e outras construções, evitando também gastos com obras para erguer barreiras artificiais cada vez mais necessárias em regiões costeiras.
A pesquisa revelou que segmentos de lazer e recreação chegam a arrecadar R$ 7 bilhões por ano no Brasil. Estima-se que, para cada quilômetro quadrado de recife de corais, são gerados R$ 62,7 milhões em atividades turísticas. A existência desses ecossistemas saudáveis proporciona atrativos naturais como banho em águas calmas, mergulhos, práticas de caiaque e stand-up, além de formações de ondas para o surf. Os recifes de corais contribuem com quase 10% do valor do turismo em regiões costeiras no mundo, considerando as atividades geradas com deslocamentos de turistas, hospedagem, alimentação, artesanato, entre outras.
Os recifes de corais também são o “armário de remédios” da Terra. Muitos remédios foram derivados de organismos de recife de coral, incluindo os antivirais Ara-A e AZT e o agente anticancerígeno salva-vidas Ara-C. Milhares de outros compostos úteis podem ainda não ser descobertos, no entanto, sua descoberta depende da sobrevivência dos recifes.
O valor econômico, cultural e social dos recifes de coral é estimado em US$ 1 trilhão. Projeções indicam que o prejuízo provocado pela perda desses ecossistemas relacionada com as mudanças climáticas vai superar os US$ 500 bilhões por ano em 2100, com impactos maiores sobre as populações que dependem dos recifes para a subsistência.
Infelizmente, a situação desses ecossistemas está se tornando mais crítica a cada dia. Em fevereiro deste ano, a temperatura da superfície do oceano foi a mais alta já registrada na história, com média de 21,06º C, de acordo com o observatório climático europeu Copernicus. A temperatura dos mares em março também ficou acima da média histórica e, com isso, o mundo está enfrentando, neste ano de 2024, pela quarta vez, mais essa epidemia de branqueamento de corais, que deve atingir todo o Hemisfério Sul.
Diante deste cenário tão desafiador, a redução na emissão de gases de efeito estufa, bem como a descarbonização, são urgentes para conter o branqueamento dos corais. No entanto, será necessário atuar também em outras frentes simultâneas e complementares e com essa preocupação o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) iniciou, na quarta-feira (10/04), uma chamada permanente para projetos de preservação de corais, no valor mínimo de R$ 60 milhões.
Precisamos tornar os recifes de corais cada vez mais visíveis e “dar voz” a esse ecossistema tão rico e essencial, vítimas silenciosas das mudanças climáticas. Esses bons exemplos são iniciativas que significam uma esperança real para aumentar a resiliência dos recifes de corais e oferecermos mais oportunidades para que esse ecossistema possa lutar pela sua sobrevivência.
A morte dos recifes de corais pode não impactar diretamente na sua rua, que pode estar a milhares de quilômetros do mar, mas certamente impacta a vida de todos, seja na economia do país, no pescado que não chega mais ao prato ou mesmo na produção de fármacos. Além disso, espera-se uma piora do impacto social, principalmente em comunidades vulneráveis, mais afetadas pelas mudanças climáticas ou que dependam diretamente dos recursos marinhos.
Portanto, para garantir um futuro sustentável para os corais e toda a vida marinha, é essencial que haja mais engajamento coletivo, políticas públicas eficazes e investimentos contínuos em ciência e inovação. A conservação desses ecossistemas é fundamental para assegurar a riqueza e a beleza do oceano para as próximas gerações.
Eugenio Cunha